Motos: acidentes superam crescimento da frota e anunciam sociedade dos inválidos

Motos: acidentes superam crescimento da frota e anunciam sociedade dos inválidos
Foto: Reprodução

Tuesday, 31 January 2017

Quais os motivos de tantos acidentes envolvendo veículos de duas rodas? Com a frota crescendo pouco ano a ano não se deveria ter menos acidentes?

É bem verdade que a frota de motos e motonetas em Blumenau não pára de crescer, tanto que de 2002 a 2016 o crescimento de novas unidades de veículos de duas rodas têm se mantido: a frota nunca diminuiu de tamanho. Uma curiosidade: embora a frota de motocicletas seja bem maior do que a de motonetas, o crescimento percentual é maior nos veículos em que se dirige na posição sentada, demonstrando que a cada ano as pessoas vêm comprando mais Biz e Scooter do que motocicletas. Ainda que a frota de motonetas seja menor. Quando se soma a frota de motos e motonetas, o crescimento anual não tem passado da média de 0,5% nos últimos anos. Só que os acidentes com os condutores desses veículos vêm disparando ano a ano na quantidade de ocorrências, feridos e mortos. Quais os motivos de tantos acidentes envolvendo veículos de duas rodas? Com a frota crescendo pouco ano a ano não se deveria ter menos acidentes? Quais fatores interferem mais? As vias? A imperícia? A imprudência dos motociclistas? O que faz com que os condutores de veículos de duas rodas e seus garupas lotem os atendimentos de emergência dos prontos-socorros, os leitos hospitalares, de UTI e liderem a lista de esperta por Ortopedia e outras especialistas na fila de regulação do SUS em nossa cidade e no país? 

Para tentar compreender as ocorrências diárias e crescentes de acidentes, feridos e mortos envolvendo motociclistas a especialista em Planejamento e Gestão do Trânsito, Márcia Pontes, realizou uma pesquisa a partir de dados oficiais do Detran/SC e Ministério da Saúde, compilando, analisando  e interpretando os resultados. O objetivo é informar a população acerca da realidade dos acidentes com motocicletas, analisar o tamanho da frota e o comportamento dos condutores e também sensibilizar os gestores do trânsito na cidade para a tomada de decisões estratégicas no sentido de intervir com medidas voltadas à prevenção de acidentes de trânsito. 

O pico do crescimento percentual e em unidades de veículos de duas rodas foi no ano de 2016 em que a frota total aumentou 19,9% em relação a 2005 com a entrada em circulação em mais 4.592 motos e motonetas em Blumenau. Neste ano a frota de motocicletas (dirige-se na posição montada) aumentou 17,3% e respondia por 3.489 unidades. Também foi o ano das motonetas (dirige-se na posição sentada): 37,3% novas unidades como a Biz e Scooter, mas a maior quantidade de unidades em circulação de 2002 a 2016 foi em 2007, com 1.419 novos veículos. 

Frota cresce mais lentamente 

O fato é que a cada ano vêm entrando em circulação cada vez mais veículos de duas rodas no município de Blumenau. Em relação às motos, desde 2006, em que foram emplacadas 3.489 novas unidades, o número foi decrescendo: no ano de 2013 passaram a circular 918 motos a mais do que em 2012 (alta de 2,6%); em 2014 foram 117 motos novas naquele ano (0,32%); outras 160 em 2015 (alta de 0,44%) e 212 em 2016, o que corresponde a uma alta de 0,58%. 

Já em relação às motonetas, a frota total saltou de 4.053 em 2016 para 5.472 em 2007 (1.419 veículos a mais), e embora a frota nunca tivesse diminuído de tamanho, cresceu bem menos que nos anos anteriores. Em 2013 a frota de 8.739 veículos tinha registrado 331 novas unidades em relação a 2012; em 2014 foram 99 motos novas circulando; em 2015 foram 101 e em 2016 foram somadas à frota existente mais 136 veículos. 

Uma combinação de fatores 

Conclusão: a frota de veículos de duas rodas nunca parou de crescer em Blumenau, só que o crescimento tem sido cada vez menor, mais lento, vem diminuindo. Dentre os possíveis fatores envolvidos, o momento de crise econômica e política no país pode ser uma das causas para explicar a queda no poder aquisitivo da população. Isso teria respingado no bolso dos blumenauenses que deixaram de comprar novas motos e motonetas, apesar dos financiamentos em longas prestações. A diferença é que os juros ficaram mais altos e as prestações mais pesadas. 

A falta de um transporte público seguro e de qualidade, com horários flexíveis e rotas cumpridas no horário, somado ao fato de que sai mais barato ir e vir de moto do que de carro e até do que o próprio ônibus apareceria como um dos motivos para o blumenauense preferir a moto ou a motoneta. Não existe hoje na cidade um transporte público que seja atraente ao ponto de fazer com que as pessoas deixem seus carros e motos em casa.

A preferência pela motoneta tem sido pelas mulheres, embora muitos homens tenham motonetas em vez de motos. Mas, são eles que continuam se envolvendo mais em acidentes de trânsito e com mais gravidade, também combinado com o fator velocidade. O empoderamento feminino no trânsito cresce a olhos vistos: cada vez mais mulheres trafegam diariamente entre os veículos de todos os tamanhos na cidade em uma rotina que vai do trabalho para a faculdade, lazer e outras rotas. Só que as mulheres costumam ser mais cuidadosas. 

Dados do Detran (SC, 2017) mostram que os homens lideram as estatísticas dos habilitados na categoria A alinhados com dados do Ministério da Saúde (1999 a 2014) que demonstram que os homens também lideram disparados (em mais de 70%) as estatísticas de acidentes envolvendo motos e motonetas. Muitas mulheres têm se ferido ou ate morrido enquanto estão na garupa, de carona com eles. 

Acidentes envolvendo mulheres em veículos de duas rodas geralmente são de menor gravidade, já que é uma característica da mulher ser mais cuidadosa no trânsito, não abusar da velocidade ou fazê-lo com menos frequência do que os homens. 

A questão dos motoboys é bem centralizada: geralmente trabalham em mais de dois e até em 3 empregos, dormem pouco, abusam da velocidade para corresponder à pressão dos próprios patrões ou clientes e muitos fazem uso de drogas ilícitas como a maconha, cocaína ou bebidas alcoólicas e outras substâncias para se manterem “acordados”. 

A imprudência é um fator presente em quase todos os acidentes, não importa o tipo de veículo. Não saber frear e alimentar o mito de que acionando os freios da frente primeiro a moto vai tombar (não saber frear, na verdade), é uma das causas, somado à distração, falar ao celular com fones de ouvido por debaixo do capacete, não utilizar a visão periférica para perceber todos os estímulos à sua volta enquanto dirige, não manter a distância de seguimento do veículo à frente ou na lateral, além de ultrapassagens e manobras indevidas no trânsito explicam muitos acidentes com veículos de duas rodas. 

O excesso de confiança nas habilidades que tem ou pensa que tem também influencia, somado ao fato de que muitos motociclistas dirigem sem habilitação seja porque são menores de idade ou por alguma irregularidade com o documento. 

Imperícia independe do tempo de CNH 

Há uma forte tendência a se relacionar a imperícia com o tempo de habilitação, um dado que é tido como variável em todas as pesquisas oficiais quando se trata de análise de dados estatísticos de acidentes de trânsito. No entanto, a imperícia também pode existir independente do tempo de carteira. Tanto para carros quanto para motos. Basta que o condutor passe anos dirigindo sem conhecimento e sem domínio das técnicas, práticas e condutas preventivas no trânsito para arrastar por longos anos o modo inadequado ou os vícios no guidom ou no volante.

É o que também afirma Clândio Costa, motociclista experiente, apaixonado por motociclismo, competidor amador, graduado em cursos teóricos e práticos de técnicas de pilotagem segura para motos. Já começa pela formação dos novos condutores de motocicletas: “O formato do preparo prático dos novos condutores é incompleto: se resume ao aluno decorar um circuito e as manobras, muitas vezes, com motos reguladas para não apagar. Não há treinos para freadas, manobras evasivas e muitos menos treinos em vias públicas, onde o novo condutor vai dirigir”.   

Assim como ocorre com os condutores de outros veículos, o resultado disso são condutores que ganham licença para aprender por tentativa e erro, muitas vezes com dicas de amigos, que nem sempre são corretas. “O que vemos são muitos acidentes por imperícia, por negligência ou desconhecimento de regras e procedimentos que permitem antecipar acontecimentos e riscos que possam causar acidentes”, afirma Clândio Costa. 

Para piorar, muitas pessoas com medo de dirigir carros preferem as motos por acreditarem que, por ser um veículo menor que ocupa pouco espaço no trânsito vá livrá-los de acidentes. Mas, não é o que diz a realidade. O Corpo de Bombeiros é uma instituição criada para apagar fogo e, no entanto, mais da metade das ocorrências atendidas é de acidentes com motocicletas. 

A maior parte dos atendimentos a acidentados de trânsito em Blumenau e no país é de condutores ou garupas das motos, muitos politraumatizados. São eles que lideravam até 2014 as 10 cirurgias de emergência diárias nos hospitais públicos de Blumenau; são os que lideram os atendimentos de emergência em prontos-socorros; que tomam 70% dos leitos de UTI e os que lideram as filas de espera por atendimentos de especialidades como Ortopedia na regulação do SUS. Juntos com os demais acidentados de trânsito, tomam as poucas vagas existentes no sistema público de saúde para quem adoece por causas naturais. 

“Se continuar como está continuaremos caminhando para nos tornarmos a sociedade dos inválidos diante de tantos acidentes envolvendo motocicletas e motonetas, de mortos e de feridos que são condenados a viver o resto de suas vidas com sequelas irreversíveis de acidentes de trânsito”, diz Márcia Pontes, em concordância com a análise do especialista em trânsito, Rodolfo Rizzoto. “Se nada for feito para parar os acidentes de trânsito continuaremos a protagonizar o genocídio sobre rodas”, alerta Márcia Pontes.

Texto: Márcia Pontes


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