O Brasil está ruindo enquanto você ri

O Brasil está ruindo enquanto você ri
Foto: Imagem meramente ilustrativa

Monday, 14 May 2018

A televisão deseduca o pouco de conhecimento que as pessoas tinham e as redes sociais as alienam... em ano eleitoral qual dos atuais cenários desespera mais?

Sabe aquele estereótipo do ‘tiozão do churrasco’ que gosta de provocar os adolescentes da família nos domingos tirando sarro do que eles gostam, se mete a opinar sobre uma gama enorme de assuntos dos quais não entende e termina perguntando se a sobremesa é “pra ver o pra comer”? É isso que o Brasil parece estar se tornando: um arquétipo caricato de um comediante sem graça.

Num preocupante momento de cisma política onde amigos e parentes param de se falar por conta de predileções políticas, onde decisões pessoais (como orientação sexual) são tornadas discussão pública à força e uma eleição se aproxima, tudo que as pessoas fazem é repetir os mesmos argumentos vazios ou, no máximo, criar piadas novas. A última dá conta da desistência da candidatura do ex-ministro Joaquim Barbosa e diz que, já que ele não se candidatará mais, “o jeito é votar em branco”. Se a conotação pode ou não ser racista, depende do contexto e da forma como a frase for usada. Mas, certamente, é uma piada sem graça com algo sério.

Se você constata o fato de o Lula ser um criminoso condenado, acusam você de ser fascista (sem nem saber de onde vem essa frase). Se você diz que não tem certeza sobre a qualificação do líder do clã Bolsonaro para o cargo, acusam você de ser comunista. O Brasil está bipolar sem ser medicado.

Em comum, todos – absolutamente todos os grupos – têm uma característica: acusam a mídia tradicional de perseguição política. E talvez seja culpada. Mas sua credibilidade tem caído. Quando os jornais se preocupavam mais em dizer a verdade do que agradar seus assinantes, ainda era possível confiar. Era a época do slogan ‘o que mais se compra e que nunca se vende’.

Mas essa época passou. Opiniões passaram a ter preços e jornalistas viraram armas – muitas vezes caras – a serviço de pessoas sem escrúpulos em posição de poder.

Já os assinantes, leitores, ouvintes ou telespectadores que, ao contrário do que se pensa, não são burros, perceberam. Os conservadores reclamam que todas as novelas ‘impõem’ um homossexual mesmo que sua orientação seja irrelevante para a trama. Os progressistas dizem que os mesmos folhetins continuam dando holofotes ao que consideram ‘crendices’, como imagens de santo ou citações a religiões. Para uns a imprensa massacra Lula. Para outros, ela só fala de Bolsonaro quando ele (não raramente) diz algo que possa ser mal-interpretado.

Enquanto isso aqueles que agem como vermes de caixão esperam os favoritos se ofenderem para tomar os votos de quem não gosta de baixaria. Isso já aconteceu aqui em Blumenau. Mais de uma vez.

O problema é que enquanto as pessoas desacreditaram nas mídias, revistas, rádio e jornais, elas passaram a confiar mais na menos confiável fonte de informação: o Facebook. A principal rede social de Mark Zuckerberg tem algoritmos que servem para duas coisas: impedir que o conteúdo de fanpages seja muito visualizado sem pagamento e criar ‘bolhas’ nas quais os usuários apenas têm acesso a comentários daqueles que pensam como eles.

Por isso cada vez mais as pessoas tem certezas maiores sobre coisas gradativamente mais incertas. Afinal, para elas, “está todo mundo falando sobre isso”. Mas na verdade, são só alguns dos seus amigos. Isso, claro, sem mencionar a praga do bots que inflam as curtidas de fanpages.

E o próprio Facebook sabe disso. Zuckerberg foi estraçalhado pelo Senado. Admitiu o proselitismo de sua empresa e seu total desrespeito tanto pelos usuários quanto pelas Leis. Disse que o site deve ser um ambiente agradável e com conteúdo adequado e quase chorou ao ser questionado quem deu poder a ele ou aos seus de considerar o que é ou não adequado.

Por fim, tudo que pôde fazer em relação ao ‘vazamento’ de dados de milhões de usuários do Facebook estadunidense, foi se desculpar. Mas isso não muda o resultado de uma eleição.

O caso com a Cambridge Analytica foi tão grave que a Economia imediatamente reagiu: e não apenas nas baixas nas Bolsas de valores pelo Mundo. Empresas como o navegador Mozilla, o banco Commerzbank e a Sonos Eletrônica pararam imediatamente suas campanhas na rede. As empresas do lendário Elon Musk simplesmente foram deletadas do Facebook.

Enquanto isso é um problema sério lá fora onde se discute se a punição à Zuckerberg deveria ir além do prejuízo que ele mesmo causou, o Brasil faz piada novamente. Páginas com viés conservador já foram deliberadamente excluídas. O mesmo ocorreu com outras de militância homoafetiva, religiosa, desportiva, crítica (como foi o caso da ‘Eu Respeito a Liberdade de Expressão, mas...’) e até humorística (a página ‘Não Intendo’).

Alguns anos atrás, aqui em Blumenau, o Facebook tirou do ar aquela que era até então a fanpage com maior engajamento da cidade – o Blumenau Mil Grau – por alegar que ofendiam figuras públicas (algumas que, sinceramente, eles até ofendiam menos do que deviam).

E a coisa fica insólita quando o professor Claudio Henrique Ribeiro da Silva nos conta que a empresa deletou uma página sobre um cachorrinho de rua chamada ‘Cabo Pitoco’. O animal foi adotado, a página cresceu e virou uma força do bem para os animais. Então a equipe de Zuckerberg excluiu a página alegando, deliberadamente, ‘uso de imagem de direitos autorais’.

Aos invés de se calar (como a maioria faz), o sargento Francisco Alexandre Filho processou o Facebook. Agindo como uma empresa vigarista, o Facebook fez – e o que tem costumado fazer – o que qualquer embusteiro faria: alegou que não pode ser réu porque o responsável é a sede na Holanda. Percebendo a má-fé, o Judiciário tem ignorado esse engodo e responsabilizado e Facebook Brasil que, neste caso, não apresentou provas contra Francisco e teve que restabelecer a página.

A empresa realmente nunca dispõe contato direto, analisa denúncias de forma arbitrária e, como o professor Ribeiro da Silva relembra: “o serviço do Facebook não é gratuito porque um dá acesso a seus dados pessoais de um lado e outro dá acesso a utilização da plataforma”. Só não há acordo em dinheiro, para aqueles que possam alegar “mas o site é de graça”. Não é.

Então, se excluírem sua página, processe a plataforma. Se eles lerem esse texto (o que é altamente improvável) talvez excluam nossa página. E, por isso, serão processados. Você pode votar em A ou B, pode gostar do que quer que seja ou pensar o que quiser, apenas não pode permitir que lhe calem (quando já lhe prendem em uma bolha). Ou pior: fazer piada disso.

A crise está voltando. O dólar está subindo. A gasolina também. Com ele, virá inflação que não alcançará o cover do Bella Lugosi que preside esse país ou seus amigos com benefícios dignos de reis, mas alcançará você. Busque outros pontos de vista. Desligue a TV, deslogue a rede social. Converse com pessoas. Porque, para o Brasil virar um circo, falta apenas uma lona.

Ainda duvida?

Ainda não está vendo onde está o picadeiro. Pare um pouco com a novela e deixe o Twitter que logo você vai perceber que o Brasil se tornou algo muito pior que o ‘tiozão do churrasco’. Porque as piadas dele são apenas sem graça. Já as ‘nossas’, são perigosas e geram dívidas que são cobradas de nós.


>> SOBRE O AUTOR

Ricardo Latorre

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