Douglas Junkes: uma homenagem a meu amigo morto em Curitiba.

Douglas Junkes: uma homenagem a meu amigo morto em Curitiba.
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Monday, 21 May 2018

Um covarde com uma arma de fogo tirou a vida de um dos meus amigos de longa data por conta de música alta. Mas 'Ceará', como o chamávamos, era muito mais do que um cara que tocava baixo.

Esse ano completou 21 anos que eu conheci o Douglas. E eu lembro como se fosse ontem. Em alguma parte da minha mente talvez ainda tenha sido ontem.

Estávamos debaixo do famoso coqueiro na frente do Colégio Sagrada Família. Eu não sei quem começou a briga. Nem porque começou. Lembro que saímos na porrada. Aquele era o primeiro dia do ano letivo deles e eu sabia que ele seria uma pessoa de quem eu sempre gostaria.

Douglas tinha um pavio curto e um coração enorme. Não nos falamos tão frequentemente quanto deveríamos nos anos que se seguiram. Mas ele sempre teve um espaço especial nas minhas memórias. Meu amigo ‘Ceará’. Lembro do trocadilho que faziam, na época, porque o “Ceará morava na Fortaleza”. Era um cara divertido e muito improvável não gostar dele.

Ficamos amigos da forma mais honesta que existe: trocando socos.

Lembro que num desses eventos de anotar coisas nas agendas das pessoas ele escreveu na minha “você é meu amigo, doido”. Acho que eu escrevi na dele “o César não vale nada (era um professor que alguns consideravam chato), mas você é f%d#”. E era mesmo.

Às vezes ele levava para o recreio um violão e tocava punk. Ele adorava punk. Hardcore. Ele e o meu amigo Bina (Bernardo José Brünning Schmmit, torcendo para a grafia estar correta). O Bina é um dos meus amigos mais antigos. Ele que me ensinou a tocar violão. “More Than Words”, do Extreme. Ainda é uma das minhas pessoas preferidas. Foi por ele que soube do que aconteceu com o Douglas. Convivi tão pouco com eles. Mas marcaram o suficiente para uma vida.

Douglas entrou para a faculdade de Telecomunicações, que o levou a ir morar em Curitiba. Ele deixou os tempos de juventude do Segundo Grau, mas esses tempos não o deixaram. Ele ainda queria a sua banda. Estava próximo. Ia tocar na banda de um amigo num tour pela Europa.

Por causa disso estava ensaiando muito em casa. Era um bom baixista e queria ficar melhor. Mas sempre há um porém. Um vizinho. Um demente de 49 anos. Irritado com o volume do som do ensaio de Douglas. Já era uma briga que vinha há seis meses. O homem pediu uma vez para que o volume fosse abaixado. Na segunda, ele disparou quatro tiros em Douglas.

Dois tiros aceitaram o peito do meu amigo e um, terceiro, sua cabeça. O acéfalo assassino foi tão errático e sua demência tão profunda, que ele aceitou um disparo no próprio braço.

Douglas morreu às 16h30 de ontem (20/05) e eu, sem saber, eu comemorava o aniversário da minha namorada.

Meu amigo tinha sonhos. Tinha um coração bondoso. Tinha carisma. E tinha futuro. Assim como eu, não era de levar desaforo para casa, mas certamente se envolveu em bem menos situações de risco que eu. Então não soa justo – universalmente falando – que tenha sido ele.

Não lembro todos que conhecemos. Além dele e do Bina, lembro do Paulino (ainda meu amigo), o Mello, a Dani Souza, o Diogo, o Sílvio Morestoni, o Guilherme, a Priscila, a Lisi, a Monique, a Suela (ainda uma amiga muito querida), as Bárbaras, a Débora, a Gicelle (ainda uma amiga querida), o Nélio, o Irê, a Jéssica e o Rafael, outro amigo que já faleceu.

Como se numa música do Johnny Cash que diz que todos que conhecemos se vão, no final.

Fingir força ou insensibilidade é um exercício estúpido de futilidade. Então, não posso dizer que está sendo fácil escrever esse texto. Mesmo sem falar com ele a anos, ele fez parte da minha vida. Teve importância. Ainda tem. Talvez eu não consiga dizer tudo que eu gostaria de colocar para fora e se houver erros de concordância ou digitação, que o professor Dalmir Seraphim me perdoe.

O assassino foi preso. Isso não consola, mas pelo menos traz um leve acalanto de que a Justiça talvez seja feita. O demente foi capturado ao ir para o hospital cuidar da ‘patinha’ baleada depois de matar meu amigo, onde foi preso em flagrante pela Polícia Militar.

Ele foi indiciado por homicídio agravado pelo motivo fútil e responderá por porte ilegal de arma por conta da utilizada no crime, um revólver .38 sem registro que usou como qualquer covarde usaria. O assassino deverá passar por uma Audiência de Custódia nesta terça (22/05) para que a Justiça determine se decretará sua prisão preventiva ou passará a mão na sua cabeça.

Com o perdão das próximas palavras – mas me dando o direito do desabafo de um amigo que sente que se afastou indevidamente de outro amigo – se esse verme não for preso gostaria muito que entrasse em contato comigo, viesse até minha casa com sua arma ilegal e tentasse fazer comigo o que fez com Douglas. Gostaria de mostrar para ele qual de nós acabaria no necrotério e qual iria preso. Dizem que a comida da cadeia não é tão ruim. Poderia me acostumar. E, não, não é apologia à violência. É revolta. Ele matou meu amigo. Tente comigo. E, aos nossos milhares de leitores diários, POR FAVOR peço perdão por esse desabafo hostil, mas cada um lida com a dor da forma que sabe lidar. Espero que possam me entender.

O velório começou às 19h dessa segunda no Cemitério Jardim da Saudade e prossegue até amanhã às 10h. É nossa chance de dar um último adeus ao nosso amigo ‘Ceará’. A um cara que todo mundo gostava e que, por motivo repugnantemente fútil, não está mais entre nós.

Deixo aqui uma tirinha que desenhei há duas décadas sobre ele e meu amigo Bina e, por acaso, ainda tinha guardada. Uma das muitas lembranças que mesmo que virem pó sendo soprado pelo vento ainda vão ser histórias para contar. E que quando nos encontramos de novo, meu amigo, saiamos novamente na porrada para relembrar a primeira vez. Quando a amizade começou.

 


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Ricardo Latorre

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