O perigo da selfie em pista de rolamento

O perigo da selfie em pista de rolamento
Foto: Ilustrativa (não se trata da foto indicada no texto)

Tuesday, 21 February 2017

Uma foto que circulou pelas redes sociais e já foi apagada mostrava um grupo de adolescentes sorridentes em uma foto tirada sentados no meio de uma pista de rolamento de mão e contramão de uma rodovia no Alto Vale. Ainda que vazia, sem nenhum tráfego, pista de rolamento é passarela natural de veículos e mesmo no acostamento são muitas as mortes ano a ano.

No país que é 1º em violência, mortes e sequelados no trânsito na América Latina e 4º no mundo em números absolutos, e em que a segurança no trânsito não é levada a sério, fazer, falar, orientar e prevenir sobre acidentes e sobre os riscos dos comportamentos inadequados, com frequência nos dá o título de chatos do trânsito. Pela minha rede de contatos acompanhei uma polêmica regada a bate-boca, insultos e ofensas por conta de uma foto de um grupo de adolescentes bem no meio da pista de rolamento de uma rodovia no Alto Vale. Não importa se era alguma BR ou SC, o que importa é que, de fato, era uma rodovia e nela trafegam veículos. Por mais que naquele momento enquanto todos faziam a foto a via estivesse vazia. Mas, o pior de tudo, e o que provoca essa reflexão é o fato de alguns pais não terem gostado nada do alerta e do questionamento: e se viesse um veículo em alta velocidade? Será que daria para o grupo de cerca de 10 adolescentes (alguns agachados) saírem a tempo de evitar o atropelamento em massa? 

Não são poucas as notícias de pessoas que morreram atropeladas por veículos em ruas e rodovias aparentemente vazias ou em composições de vagões de trem durante uma selfie. Aliás, muitas mortes também já foram registradas pelos próprios donos dos cliques, seja dirigindo em alta velocidade ou em outras situações em que a atenção deveria ser máxima e as duas mãos e a atenção deveriam estar no volante ou no guidom da moto. 

Talvez tentando colocar em prática o que aprendeu na aula de Física um dos adolescentes apresentou as suas contas: afirmou que estavam em uma reta (onde os motoristas mais gostam de afundar o pé no acelerador) com cerca de 2km de visualização para cada lado (só que estavam todos de costas para um dos lados). Pelas contas do guri, o veículo demoraria “quase” 1 minuto para atropelar todo mundo e eles precisariam de cerca de 5 segundos para sair da via e irem para o acostamento. A pergunta é: daria tempo das pessoas que estavam ajoelhadas, em inércia total, levantarem-se, colocarem-se de pé e iniciar a marcha de corrida até o acostamento? 

O fato é que tudo no trânsito é muito rápido! Grande parte dos motoristas dirige muito rápido, tudo “acontece” ou é provocado em questão de segundos. Só o pedestre é que não é rápido por natureza. Em desabalada carreira e levando algum tempo para pegar impulso um pedestre comum que não seja o Usain Bolt alcança cerca de 10km/h somente. Os veículos sempre 5, 6, 7, 10 ou mais vezes do que isso em uma rodovia. Isso explica tantos atropelamentos. Ainda mais que em uma selfie ou em uma foto com mais pessoas, com algumas sentadas, ajoelhadas ou mesmo de pé em uma pista de rolamento de rodovia e de costas para um dos lados de onde pode “surgir” o veículo, a regra principal de ver e ser visto no trânsito foi ignorada no caso em questão. 

O olho humano alcança cerca de 180 metros de visualização de objetos com alguma definição e amplo espectro de cores. Já para um adulto com 1m80 a imagem do horizonte fica a 5km de distância e os objetos vão perdendo o foco conforme o olhar busca o horizonte. 

Os veículos em movimento (e isso é pura lei da Física) mudam constantemente de posição. Trafegando a 144km/h um veículo percorre 40 metros por segundo e precisará de 120 metros até a parada total sem esbarrar em nada ou em ninguém. A 80km/h um carro percorre 22 metros em um único segundo (só o tempinho de piscar o olho). Em uma emergência, entre perceber o problema, tomar a decisão de frear, acionar o pedal de freio e o veículo parar totalmente, serão necessários, pelos menos, 70 metros.

Já um veículo que trafegue a 70km/h precisará de 70 metros em pista seca e com tempo bom até a parada total para evitar um atropelamento. Se estiver a 50km/h, precisará de 45 metros, e nessa velocidade já é o suficiente para que uma vida se perca na colisão com um veículo. 

No Brasil mais parece que funciona assim: se temos vias bem pavimentadas, aí é que o sujeito (e a sujeita) corre. Não são poucas as fotos e flagrantes das polícias rodoviárias mostrando autuações a 170 ou até mais de 200km/h em trechos movimentados de rodovias. Imaginem em trechos não movimentados. 

Um dos adolescentes que estava na foto tirada sobre a linha contínua dupla que separava mão e contramão na rodovia em questão, ao ser alertado sobre os riscos de selfies ou fotos em grupo nas pistas de rolamento sequer entendeu o bom conselho. A um contato meu nas redes sociais, enviou por mensagem privada frases como “Ninguém solicitou a sua opinião”, pediu para acabar com o falso moralismo, “Vá cuidar da sua vida” e “a postagem é minha e não se meta nela.” Ah, a juventude e os seus arroubos! Ainda precisamos encontrar uma linguagem que nos aproxime dos mais jovens e permitam que compreendam os perigos da via e da vida! 

Como profissional da segurança no trânsito só me restou dizer à minha amiga que tentou alertar sobre os riscos de fotos em pistas de rolamento, ainda que vazias, o seguinte. Muitas vezes, não se trata de opinião, algo pessoal, que defendemos ou não conforme as nossas crenças. Trata-se de leis de trânsito que determinam que lugar de pedestres, isolados ou em grupos, não é ajoelhado em pista de rolamento fazendo pose para a foto. Ainda mais de costas para o perigo que pode vir a mais de 100km/h e ter como consequência um atropelamento coletivo. 

Trata-se de “pura lei da Física” como mencionou o garoto da fotografia: você é um pedestre em posição de inércia total, com velocidade zero prestes a ser potencialmente atingido por um suposto veículo cujo condutor enxergue na pista vazia a oportunidade de acelerar até o talo do acelerador com velocidade muito acima da permitida e que vai colidir com o grupo de pedestres sorridentes para a foto em questão de segundos. 

Trata-se da lei do bom senso: lugar de pedestre não é em pista de rolamento, em uma reta, sentado em cima da linha contínua dupla dando mole para o risco e para o atropelamento. 

Mesmo em acostamentos o que não faltam são notícias de acidentes em que as pessoas são arrastadas por veículos em alta velocidade. Tanto é que as orientações de direção preventiva são de que ao parar em acostamento que o seja por motivo de emergência, em que o condutor deve ligar o pisca-alerta e afastar-se do veículo. Imaginem no meio de uma pista de rolamento, passarela exclusiva de veículos na mão e contramão. 

Não se trata de cuidar só da própria vida porque no trânsito formamos uma rede de interações em que as consequências da imprudência de um afetará a vida de tantos outros além da vítima. Sim, nós os chatos e chatas do asfalto queremos continuar lavando nossas louças em paz porque é muito menos dolorido do que lavar lápides de jovens mortos em acidentes de trânsito. 

Faça a selfie que quiser e eternize os melhores momentos da sua vida. Fotografe o almoço de domingo, o sushi de sábado, a alegria contagiante da juventude, só não fotografe sozinho ou em grupos no acostamento ou nas pistas de rolamento de vias urbanas e rodovias. Além de brincar com o perigo, há um grande risco de que seja a sua última foto.


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Márcia Pontes

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