Você é vítima de um relacionamento abusivo?

Você é vítima de um relacionamento abusivo?
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Thursday, 26 July 2018

Suspeito de matar ex-namorada na frente da ex-sogra se entregou à polícia ontem, mas a questão está aberta como uma ferida pungente: você reconheceria se estivesse sofrendo abuso?

Por volta das 14h20’ de quarta-feira (25) as forças policiais foram acionadas para atender a uma ocorrência de uma jovem de 29 anos que havia levado um tiro no rosto. Chegando ao local – a Rua Ângela Leicht (Itoupava Central), uma transversal da Rua Guilherme Scharf – policiais e bombeiros já encontraram a moça sem vida.

A vítima era a artista plástica Bianca Mayara Wachholz, que estava na casa de sua mãe quando foi atingida por um tiro que acertou a região de seu nariz, vindo morrer no banheiro: último local onde tentou socorro para que sua vida não se esvaísse. Infelizmente, sem sucesso.

Engajada em movimentos sociais e idealizadora do projeto ‘Entre Elas’ (que aconteceria pela primeira vez hoje e visava debater temas importantes para o mundo feminino, revertendo as rendas para o combate à violência contra a mulher), Bianca deixou literalmente uma marca para a posteridade: um mural no Fashion Lab (Itoupava Seca), em frente à Cremer.

O local se tornou um ponto de vigília à brutalidade do crime.

O autor do crime seria, de acordo com a polícia, um covarde de 31 anos, ex-namorado da vítima. O moleque com aparência de adulto, mas sem nenhuma hombridade, teria confessado o crime ao próprio pai em ligação telefônica. Algo que não surpreendeu os investigadores.

De acordo com amigos e conhecidos de Bianca, ela vivia em um relacionamento abusivo. O suposto criminoso, Éverton Balbinott de Souza, foi descrito por quem os conhecia como alguém obsessivamente ciumento, que apreendia o celular da jovem, monitorando cada um de seus passos. Mesmo assim ninguém imaginava que alguém cuja voz bradava tão alto no combate à violência contra a mulher era vítima de agressões e abusos domésticos.

Geralmente o que as pessoas deixam de dizer fala mais sobre suas vidas do que aquilo que elas dizem. Assim sendo, é doloroso pensar que a luta de Bianca era, em parte, um ato de autolibertação.

Quando finalmente se viu amparada e conseguiu forças para se ver livre dos grilhões que a silenciavam, Bianca terminou o relacionamento de um ano com o moleque que, como todo frouxo, só tinha coragem de erguer a mão contra uma mulher desarmada porque sabia que seria partido com um graveto caso se atrevesse a tentar contra alguém que pusesse bater de volta.

Numa atitude previsível da personalidade de um psicopata, Éverton não soube lidar com um ‘não’ e disse, segundo amigas da jovem, que “se ela não fosse dele, não seria de mais ninguém”. Então, duas semanas depois de término, rumou à casa da mãe da vítima e ceifou sua vida com uma bala.

Provando que é um covarde, o criminoso (com a foto ilustrando a parte de cima da matéria) fugiu. Ele se apresentou à polícia ontem, mas por conta da falta de flagrante prestou depoimento e foi embora. Caso sinta vontade de dar-lhe uma surra, procure evitar. Se não conseguir evitar, entendemos você. Mas a revolta não vai trazê-la de volta.

Alerta

Muitas vezes pessoas vivem em relacionamentos abusivos e sequer dão conta. Geralmente começa com a outra pessoa objetificando você e tomando posse. Daí para frente virão os insultos, gritos, ofensas, xingamentos e, não demorará muito, surgirá a primeira agressão física.

Alguns homens também são vítima de relacionamentos abusivos, mas o mais comum, sem sombra de dúvidas, é a ocorrência desse crime contra mulheres. E vale para toda e qualquer orientação sexual.

Perceba o tipo de ciúme que a pessoa com quem você está sente. É comedido? Ou exagerado? O ciúme pode ser sinal de uma demonstração (negativa) de paixão, claro, mas também denota nitidamente um sentimento de posse. Primeiro vai tentar ilhar você do meio. Afastar você de seus amigos e família. Depois vai implicar com colegas de trabalho ou estudos. Por fim vai querer limitar seu acesso ao mundo, como à internet. Isso porque sabe que no mundo exterior você perceberá o abuso e terá ajuda.

Quase sempre seus rompantes de ciúme vêm de maneira dissimulada escondido por detrás de acusações. “Com quem você estava?”, “Quem é aquela pessoa?” ou “Quem foi que te deixou feliz assim”. O intento é fazer você sentir culpa. Se funcionar, vai exigir que você bloqueie amigos de redes sociais ou exclua amigas do contato telefônico. Se você deixar, tudo vai piorar.

Geralmente insegura e repleta de complexos, uma pessoa abusiva vai exigir que você viva por ela. Implicará com seus familiares e sempre vai lhe obrigar a tê-la como o centro das atenções. Funciona como cultos ou doutrinas que fazem ‘lavagem cerebral’ em seus membros.

Em parte ele faz isso porque sabe que ao se afastar você vai perceber o abuso. Mas também faz porque tem noção de que ao ser livre você irá conhecer novas e interessantes pessoas. Então tentará atacar sua autoestima e lhe fazer achar que ele é o único que lhe quer. Não acredite. Você não precisa de alguém assim. Na verdade precisa se afastar o quanto antes.

Quando confrontado ele tentará ser agressivo para manter a razão. Uma deplorável tentativa de ‘mostrar quem manda’. Se não conseguir, vai chorar. Apelar para a sua piedade. Jurar que vai mudar. Mas não vai. É apenas mais um engodo para que você não se afaste.

Talvez ele não bata em você e nem xingue, mas pode tentar lhe aplicar ‘castigos’ de outras formas: privação de intimidade emocional, ‘greve’ de sexo, ‘tratamento’ de silêncio, embargos financeiros ou apenas sutilmente lhe fazer achar que não seria nada sem ele, usando como argumento coisas que, por ventura, tenha feito por você. Mesmo que você não lhe tenha pedido.

Abusadores agem das mais diferentes formas. Alguns, os mais criminosos, chegam a ameaçar entes queridos e animais de estimação de suas vítimas. Outros fazem chantagem emocional e pode te levar a achar que poderão cometer suicídio se você for embora. Não irão. Eles mentem.

Não tenha medo de buscar ajuda para denunciar um abusador. Tampouco tenha vergonha de contar para alguém que vive num relacionamento abusivo. Eu – homem, ex-lutador profissional, militar, ensino superior completo e adulto – estive por dois anos em um meramente por pena da outra pessoa, uma jovem que certamente não agia por maldade e tampouco percebia o mal que causava. E não há do que se envergonhar. Não querer ferir alguém que diz amar você é nobre, mas permitir que te firam não. E esse ‘amor’ geralmente está relacionado à obsessão. É destrutivo em múltiplos níveis.

Não permitamos que a única marca da vida de Bianca seja uma bela pintura de Frida Kahlo numa parede. Que seu exemplo de vida e libertação ajude outras pessoas que passam por situação similar a mudar. Também se libertar. Antes que o pior aconteça.

E quanto ao criminoso: muitos estão raivosos agora. É natural que estejam. Mas revanchismo não vai mudar o que aconteceu. Uma moça jovem e talentosa foi brutamente assassinada e nada vai mudar isso. Certamente a Polícia Civil logo encontrará indícios contra o covarde. O respeitado delegado Bruno Effori é uma prova de que o crime não compensa. Deixe que Éverton responda à Justiça aqui fora. E, se condenado, à sua versão distorcida na cadeia.

Mas agora – nesse exato momento – o que podemos fazer por Bianca é consolar a família (àqueles que a conheceram bem) ou divulgar a mensagem pela qual ela viveu e deu a vida.

Se você reconheceu os padrões acima e acha que pode estar num relacionamento abusivo, procure ajuda profissional. Mas se você tem certeza de que está vivendo um abuso, mas não tem ninguém com quem contar porque te isolaram, entre em contato conosco pela fanpage.

Não vamos tolerar que mais ‘Biancas’ morram pela covardia de um doente.

Abaixo reproduzimos uma fotografia do painel pintado por ela para que sua obra – seja artística, seja social – tenha mais impacto do que sua morte. E que todos sejamos, hoje, Bianca.


>> SOBRE O AUTOR

Ricardo Latorre

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