Saiba o que mais as câmeras fazem além de 'multar'
Foto: ReproduçãoWednesday, 15 March 2017
Em um primeiro momento, a preocupação da população tem sido essa. Mas elas têm muitas outras aplicações para a gestão e o planejamento do trânsito. Bem usadas neste sentido, ele se beneficia em muitos outros aspectos. Inclusive no de multar os infratores, pois o acidente é a infração que deu errado.
Daqui a dois meses os motoristas de Blumenau e os que passarem pela cidade e cometerem infrações começarão a ser autuados pelos agentes de trânsito que operam as câmeras de monitoramento de uma central no Seterb. Mas, a questão principal que se vê abordada muito pouco até por quem deveria abordar e encabeçar campanhas educativas e preventivas explicando à população sobre todos os usos das câmeras, isso ainda não se viu. E olha que elas estão em testes desde o ano passado! O fato é que a única utilidade dessas câmeras não é multar (a câmera permite flagrar a infração, o agente autua e a autoridade de trânsito é quem multa), e a novidade vem sendo colocada de forma em que a fiscalização, a multa e a penalidade lideram o centro de tudo. Afinal, a fiscalização eletrônica vai educar, condicionar comportamentos ou modificá-los para que as práticas sejam mais seguras no trânsito? Elas só servem para 'multar'?
Na graduação em Segurança no Trânsito e na especialização em Planejamento e Gestão do Trânsito eu tive muitos professores e com praticamente todos aprendi que o acidente é a infração que deu errado. Deixe de cometer infrações que você evita o acidente. Simples assim. Mas, infelizmente, não é dessa forma que a população encara a função da fiscalização, mas sim, como uma fábrica de multas com foco na arrecadação. Muitas vezes, esse olhar e essa forma de pensar se dá por culpa concorrente, também, de quem deveria buscar a população como parceira, orientar, esclarecer, informar, e aplicar direito o dinheiro que arrecada com as multas. Mas, isso é um mal que já vem lá de cima, do governo federal, que tanto arrecada com multas em todo o país e tranca a grana para pagar outras contas. É assim que o desvio de finalidade vem sendo aprendido pelos demais entes em todo o país.
Câmeras que 'multam' não educam
Câmeras espalhadas pela cidade são a expressão da tecnologia da informação aplicada aos sistemas de segurança no trânsito. Câmeras não educam. Quem educa é pai e mãe ou responsável porque educação para o trânsito começa de berço, de casa, ensinando a olhar para os dois lados quando atravessa a rua e desde cedo abrindo os olhos da garotada para a pegadinha do “vir na contramão”, seja na vida ou no trânsito.
Educação para o trânsito começa segurando a criança pelo punho, parando em algum cruzamento, rotatória ou vias bastante movimentadas da cidade e observando junto com a criança o comportamento das pessoas. Começa ensinando o certo: a ser educado, respeitoso, a não pegar o que não lhe pertence, a dar a vez ao outro, pedir licença e dar bom dia. Começa ensinando a ser tolerante com os erros dos outros como gostaria que fossem com os seus erros, a saber esperar, a atravessar na faixa, a não atravessar com a sinaleira vermelha nem que não venha carro, moto ou bicicleta. Educar para o trânsito é ensinar desde cedo a criança para que ela tenha compromisso sério com a responsabilidade e tenha desde pequena a certeza de que todos os seus atos na vida e no volante têm consequências que devemos assumir. E vamos: seja pelo amor ou pela dor.
É ali, observando o trânsito com a criança, e depois de ter explicado o certo ouvi-la dizer que o pedestre fez errado porque se atravessou na frente do carro, porque estava com pressa e depois de esbarrar em outros pedestres não pediu desculpas olhando nos olhos. Ou mesmo, ouvindo da criança a cobrança de que, dirigindo, o adulto que está com ela passou no sinal amarelo. E como os adultos e políticos gostam de repetir isso em tudo que esteja ligado a educação para o trânsito!
E assim vai parecendo que ser educado e se preocupar com os outros no trânsito é coisa só de criança, a quem também é jogado sobre os ombros a tarefa de educar os adultos quando, desde que o mundo é mundo, é adulto que educa criança. Olhamos para a educação para o trânsito como coisa do futuro e como se a geração atual, adolescentes, jovens, pessoas de meia idade e idosos não precisassem ser educados para o trânsito. Ficam ao desamparo da falta de ação e de visão de muitos formadores de opinião e gestores país afora.
Câmeras que 'multam' condicionam comportamentos
Seja lombada eletrônica, pardal, secador de cabelo, radar ou seja lá o nome que derem, e mesmo as câmeras que fiscalizam o trânsito operadas por agentes, condicionam. E isso é bom quando elas estão espalhadas por toda a cidade, diferente das lombadas, em que o sujeito e a sujeita vêm dirigindo bem acima da velocidade e reduzem para aqueles cerca de 20km/h e depois que passou pelo equipamento torna a atochar o pé no acelerador. Pois é bem assim que fazem muitos motoristas.
As câmeras dão estímulos e reforço negativo para atitudes positivas no melhor estilo: “se não respeitar a fiscalização será multado.” Por isso, tanta gente tem necessidade de querer saber onde estão os radares, as lombadas, os secadores de cabelo e as câmeras de monitoramento: para aliviar o pé quando passarem por elas e retomarem a acelerar o ritmo para além da velocidade regulamentar da via. Despreocupado mesmo é quem não precisa se condicionar à existência dos medidores e fiscalizadores de velocidade: esse segue o ritmo de sempre, dirigindo na velocidade ou abaixo da velocidade da via mesmo que esteja empunhando o volante de um carrão potente.
Como as câmeras de fiscalização do trânsito estão por muitas ruas da cidade, cruzamentos, Via Expressa, e até onde alcançarem, serão os olhos dos agentes que as operam para flagrar as infrações, autuar, multar e punir os infratores. A primeira preocupação do motorista será: “estou sendo visto cometendo a infração ou a “roubadinha” habitual no trânsito? E assim, pelo simples fato de desconfiar que esteja sendo visto, quem sabe, as práticas se modifiquem positivamente no trânsito sob pena de sentir na parte do corpo que mais dói: o bolso.
O desafio de trazer a população como parceira
Assim como a população é a protagonista dos acidentes de trânsito, ela também pode ser a protagonista de práticas de condutas preventivas no trânsito. Sim, essa frase é minha, e é mais do que uma frase autoral: é uma convicção. Esquece que vai ser departamento de trânsito, órgão de trânsito, meia dúzia de abnegados ou algum voluntário ou especialista em trânsito que vai resolver o problema da acidentalidade e da violência no trânsito. É a própria população. Mas, para isso a população precisa ser informada, orientada, esclarecida, senão ela não se torna parceira dos gestores e do trânsito seguro. Senão ela não entende que a finalidade não é só multar, mas evitar que as infrações se transformem em acidentes.
Nesses tempos em que os acidentes de trânsito são tratados com naturalidade e as vítimas são apenas “mais uma” parece que vai havendo uma despersonalização coletiva e o grande desafio está em reformar o pensamento, dar temporalidade diária às campanhas educativas de trânsito e estabelecer indicadores de avaliação para obter o feedback. Uma população que não recebe estímulos para a aprendizagem de comportamento seguros e defensivos, que não é envolvida e que não reconhece o seu papel de protagonista em ações e em políticas públicas se torna menos responsiva aos apelos. À todo tipo de apelo, seja para exercer os autocuidados, seja para respeitar as leis de trânsito e até para compreender o que significam as câmeras que “multam”. E isso quem diz não é só a Márcia Pontes, mas também a Política Nacional de Trânsito, que norteia todas as ações educativas e preventivas no país e que representa a oportunidade e a possibilidade de intervenção pela via da educação.
Cansei de ouvir frases da boca de meus pares, institucionalizados ou não, de que “a população é cabeça dura”, “a população não entende, não adianta explicar”, para tentar justificar tudo o que vem de cima para baixo e que a população tratada como tapada deve cumprir reclamando ou não. Não é assim que tratamos um parceiro tão importante para evitar acidentes. A população é protagonista dos acidentes de trânsito e se for bem orientada, informada, se sentir-se valorizada, vai atender responsivamente aos apelos para a segurança e a prevenção.
Vejam as oportunidades que estamos perdendo
“A minha escolha faz a diferença no trânsito.” Esse é o tema e o cronograma das campanhas educativas de trânsito no país em 2017, aprovado pela Resolução 654, de 10 de janeiro desse ano. Junto com a Política Nacional de Trânsito estão todos os fundamentos, os pilares, os balizadores para as campanhas educativas de trânsito que primam pelo seguinte: sempre que algo diferente, que uma novidade, que uma alteração ou mudança no trânsito interferir, modificar a rota, a rotina das pessoas no trânsito, deve-se agir antecipadamente no sentido de orientar a população. E isso não vale só para um desvio temporário ou permanente em alguma via; para uma alteração de rota; para a instalação de lombadas eletrônicas ou colocação de novas placas de sinalização. Não é só para colocar agentes de trânsito e cavaletes nas ruas por alguns dias, orientando, para depois começar a multar.
Estamos falando de educação para o trânsito, um dos principais compromissos de todos os gestores no país. E o que fazem os profissionais do trânsito, que também carregam a marca de educadores de trânsito? Eles orientam a população não escolar também; eles esclarecem, eles informam, eles tentam explicar as mudanças por meio de estratégias bem pensadas e de largo alcance para que chegue a cada morador da cidade e a cada visitante sem distorções.
O diálogo com a população é uma das mais poderosas ferramentas e um dos mais difíceis para alguns, pois, assim como em outros aspectos na vida, sempre terá quem não vai querer entender. Mas, quem quer e precisa entender não pode ser privado da orientação.
Enquanto os representantes da sociedade multissetorial se encontram em reuniões para decidir o que vamos fazer no Maio Amarelo, olha que belíssima oportunidade estamos perdendo de começar a fazer um diálogo franco com a população o ano todo, inclusive acerca da novidade das câmeras eletrônicas que fazem muito mais do que 'multar'.
Saiba o que mais as câmeras fazem além de multar
A iniciativa de esclarecer à população sobre o que representam as câmeras de fiscalização para o trânsito e o quanto isso pode beneficiar à todos, institucionalmente falando, não pode demorar. As abordagens não devem valorizar apenas a fiscalização, pois as câmeras auxiliam em outros aspectos do planejamento e da gestão do trânsito, que para ser seguro depende de outros dois pilares: engenharia de tráfego e educação à população. Sabendo que os equipamentos estão sendo testados desde o ano passado, senti falta desse diálogo de apresentação dos novos equipamentos à sociedade. Não para falar que vão multar, mas para explicar as contribuições que eles trazem.
Assim como as lombadas eletrônicas e os secadores de cabelo, as câmeras de fiscalização do trânsito ajudam sobremaneira o trabalho dos técnicos da Secretaria de Planejamento a complementar pesquisas de contagens de veículos, de bicicletas, fornecem elementos para cálculos de trafegabilidade, fluidez e densidade da via. Ou seja, o quanto essa via suporta de tráfego, inclusive por tipos de veículos, para se estudar outras soluções para a mobilidade.
Esses olhos eletrônicos que não servem só para multar ajudam a coletar dados para as pesquisas de origem e de destino, ajudam a monitorar o trânsito em tempo real, a identificar gargalos, no planejamento das melhores rotas, desvios, o posicionamento estratégico dos agentes na via para organizar o trânsito em horários de pico.
Esses olhos eletrônicos fiscalizadores operados por agentes de trânsito ajudam a identificar os pontos críticos de acidentes de trânsito e aqueles em que a fluidez se compromete ao ponto de trancar tudo, deixar o trânsito parado, sem andar nem para a frente e nem para trás e a compreender os motivos quando isso é sazonal ou atípico. Assim, se pode orientar melhor os condutores e outros usuários das vias na cidade, inclusive em tempo real, por meio de boletins de rádio a qualquer hora em que seja necessário passar a mão em um microfone e orientar as pessoas sobre as condições do trânsito na cidade naquele momento. A imprensa é parceira, os canais estão abertos e é só saber usar essas ferramentas.
As tais câmeras que permitem fazer um montão de coisas além de “multar” também servem para registrar os flagras cotidianos não só de motoristas que fazem lambanças, que cometem infrações ou tentam as “roubadinhas” e trapaças no trânsito, mas também para divulgar amplamente as gentilezas que as pessoas são capazes. Como bem se faz em Recife, em que as câmeras registram momentos de gentileza, de tolerância, de ajuda mútua, momentos de humanidade explícita aos quais não estamos acostumados, mas que contagiam. Veja o vídeo abaixo.
Dizer que as câmeras só “multam” tentando justificar que só leva multa quem comete infração é muito pouco e não chega perto da complexidade e dos benefícios que esses equipamentos podem trazer para todos, além de flagrar a infração e torná-la visível ao agente que opera os equipamentos à distância. Em todo o país, por não saber se comunicar com a população, por não saber ganhar a sua confiança, muitas vezes, paga-se o preço de não tê-la como parceira e de ser mal compreendido. Importante é que todos entendam que as câmeras têm uma infinidade de utilidades que beneficiam o trânsito como um todo. Inclusive autuar os motoristas infratores.