Criador da Marvel morre aos 95 anos

Criador da Marvel morre aos 95 anos
Foto: Divulgação

Monday, 12 November 2018

Conheça um pouco mais sobre a história e a obra de Stan Lee, uma das figuras mais icônicas da Cultura Pop.

Stanley Martin Lieber nasceu em Nova Iorque no dia 28 de dezembro de 1922. Descendente de judeus romenos, cresceu no Bronx sob os cuidados do pai alfaiate e da mãe dona de casa. Aos 15 anos – e sempre apaixonado por literatura – ele se formou na DeWitt Clinton High School e começou a trabalhar. Inicialmente entregava sanduíches no Rockefeller Center, foi office boy de uma fábrica e lanterninha do Teatro Rivoli na Broadway, até que finalmente começou a escrever obituários para pequenos jornais.

Contudo, foi na Timely Comics que ele encontrou sua grande paixão. Sob o comando do lendário Martin Goodman, Lieber teve a oportunidade de assinar um texto numa revista do Capitão América em 1941. Como o editor mais jovem até então conhecido, ele começou a carreira.

O problema é que na época os quadrinhos eram mal vistos. Pulps, comics e tiras de jornal eram menosprezadas. Atribuía-se àquela que viria a se tornar a nona arte o estigma de entretenimento barato para pessoas pouco inteligentes. Como Lieber sonhava em ser um grande escritor, decidiu assinar seus trabalhos nos quadrinhos com um pseudônimo: nascia assim ‘Stan Lee’. A maior lenda da indústria dos quadrinhos de todos os tempos.

Ele acabou servindo numa Unidade de Comunicação durante a Segunda Guerra Mundial, de onde tiraria muitas de suas inspirações. Ao voltar ele escreveu histórias de romance, ficção científica, horror e faroeste. Eram os anos 50 e um livro chamado ‘A Sedução do Inocente’ (1954), de autoria do psiquiatra Fredric Wertham acusava os quadrinhos de serem maus exemplos às crianças. Apoiado por autoridade como o senador democrata Estes Kefauver, suas teses derrubaram a popularidade de HQs que antes eram grandes campeãs de venda, como Batman, Superman e Mulher Maravilha. Terminava a Era de Ouro dos Quadrinhos.

No final daquela década a DC Comics conseguiu reinventar a indústria com a Liga da Justiça, um conceito já usado nos anos 40 com a ‘Sociedade da Justiça da América’ e que tinha como finalidade reunir no mesmo grupo os heróis mais populares (e vendáveis) de uma editora. Goodman viu o sucesso que a equipe que juntava Batman, Superman, Mulher Maravilha, Flash lanterna Verde e Aquaman fez e incumbiu Stan Lee de criar uma equipe de super-heróis.

Na época Lee estava desanimado com o trabalho e não queria criar plágios de heróis já consagrados. Então, depois de sua esposa Joan o aconselhar a fazer seus personagens “de sua forma única e individual”, ele chamou o lendário desenhista Jack Kirby.

Em seu primeiro trabalho nesse ramo, ele não queria algo clichê. Então pensou em uma família com poderes. Eram os anos 60 e só se falava da corrida espacial, enquanto na televisão o que reinavam eram as comédias familiares. Então ele criou o conceito de um cientista que foi ao espaço com sua namorada, seu cunhado e um amigo de infância, ganhando poderes que lembravam vagamente os quatro elementos (sendo a elasticidade a água e a invisibilidade o ar). Surgia assim, em novembro de 1961, o Quarteto Fantástico (levemente baseados nos Desafiadores do Desconhecido, da rival DC Comics).

O sucesso foi estrondoso.

Empolgado, ele criou outros personagens. Baseado no conto ‘O Médico e o Monstro’ (escrito por Robert Louis Stevenson em 1886) ele criou o Incrível Hulk em maio de 1962. Três meses depois, e pressionado a criar um personagem que fizesse frente ao Superman, ele desenterrou um até então obscuro personagem da mitologia nórdica: Thor, o deus do trovão. Afinal, quem seria mais qualificado para se equiparar ao último filho de Krypton do que um deus?

Mas ele queria algo melhor. Algo diferente. Decidiu criar um herói mundano, sem glamour e com problemas pessoais. Que vivesse sem dinheiro, fosse adolescente, se preocupasse com notas e tivesse uma vida afetiva turbulenta. Um herói baseado em algo que as pessoas não gostassem. Assim como Batman era inspirado em um morcego, ele decidiu usar uma aranha. O problema é que os desenhistas de quadrinhos já estavam acostumados com o estereótipo de corpo musculoso/queixo quadrado de seus personagens. Ele queria algo diferente. Um rapaz magro. Sem beleza. Procurou um desenhista chargista chamado Steve Ditko e com a sua ajuda criou um dos heróis mais importantes de todos os tempos: o Homem Aranha, que fazia seu debute nas páginas de Amazing Fantasy #15, de agosto de 1962.

Com o sucesso ainda maior que o Aranha fez, ele resolveu criar um personagem que fosse um gênio bilionário (como Howard Hughes) com o bigodinho ao estilo Clark Gable e vestindo uma armadura metálica muito semelhante ao que Kōhan Kawauchi já fazia no Japão, criando o Homem de Ferro em março de 1963. No mesmo ano, em julho, criou o mago supremo, Doutor Estranho (também com o bigode de Gable) e dois meses depois viria a dar vida a uma de suas mais rentáveis criações: os X-Men.

Numa América assolada pelo preconceito étnico-racial, ele decidiu criar um grupo composto por adolescentes que fossem uma minoria, tratados como párias da sociedade. Assim como negros e homossexuais eram tratados na época. Eles seriam os mutantes. Seres bizarros. Com pitadas de Medusa, ele criou o líder da equipe, Ciclope: um rapaz que atirava rajadas concussivas com os olhos, mas que, por não controlar seus poderes, tinha que usar óculos com lentes de quartzo-rubí o tempo inteiro. Respectivamente inspirado no Pé Grande e no Abominável Homem das Neves ele criou os personagens Fera e Homem de Gelo. Baseado nas crenças judaico-cristãs, ele concebeu outro herói, chamado de Anjo, que tinha que esconder suas asas das pessoas. E das lendas sobre fenômenos Poltergeist, ele criou a personagem Jean Grey, a Garota Marvel. Os cinco adolescentes eram tutelados pelo telepata Charles Xavier, personagem que sonhava com um mundo onde humanos e mutantes convivessem em paz e inspirado pelo pastor Martin Luther King e pelo médium brasileiro Chico Xavier. Como inimigo principal a equipe tinha Magneto, que viu os pais judeus morrendo num campo de concentração nazista e decidiu que os humanos deveriam servir os mutantes, tendo sua personalidade fortemente baseada no líder negro Malcolm X.

Um ano depois, ele voltaria a fazer história no mundo do entretenimento a criar em parceria com Bill, Everett o primeiro herói cego: Demolidor, que ficou amplamente conhecido após ganhar um seriado no serviço de streaming Netflix.

Mas sua ousadia não parou aí. Assim como a DC havia feito em ‘The Brave and the Bold #28’ (em março de 1960) unindo seus maiores heróis e criando a Liga da Justiça, Lee resolveu criar uma história na qual Loki, o deus da trapaça, se tornava uma ameaça tamanha que foi necessário seu meio-irmão Thor se unir ao Homem de Ferro, ao Hulk, ao Homem Formiga e à Vespa para vencê-lo. Surgiam assim, em setembro de 1963, os Vingadores (nome usado pelo grupo que ajudou Zorro no seu livro de estréia, de 1919). Como se não bastasse, na quarta edição do título ele trouxe de volta dois heróis criados na Era de Ouro, durante a Segunda Guerra Mundial: Namor, o Príncipe Submarino, e o simbólico Capitão América.

Com o tempo as criações de Lee foram crescendo e seu universo se expandiu. A Marvel, que antigamente era a Timely, ultrapassou a DC Comics como a maior e mais prolífica editora de quadrinhos do Ocidente e o criador de alguns dos mais amados heróis de todos os tempos se tornava uma lenda. Era o começo da chamada Era de Prata.

Sempre afeito a fazer aparições e dublagens nas adaptações de suas criações para outras mídias, Lee ainda criou a Stripperella para a Spike TV em 2000 e escreveu o mangá Heroman com o mangaká Tamon Ohta para a Shueisha em 2010, além de outras criações para televisão, internet, participações especiais em programas de televisão ou filmes (como nos Simpson, em ‘Who Wants to Be a Superhero?’ e ‘Big Hero 6’).

A similaridade entre Peter Parker (Homem Aranha), Robert Bruce Banner (Hulk), Donald Blake (Thor), Matt Murdock (Demolidor), Reed Richards (Senhor Fantástico), Stephen Strange (Doutor Estranho), Hank Pym (Homem Formiga), Norrin Radd (Surfista Prateado) e Tony Stark (Homem de Ferro) vão além de seu sucesso. Todos eram fracos e oprimidos antes que algo lhes desse poder. Isso reflete tanto a infância de bullying de Lee quanto sua capacidade de entender que a fórmula deu certo com Steve Rogers (Capitão América) porque as pessoas gostam de ver o pequeno vencendo o grande. É assim desde Davi e Golias. O mesmo não ocorreu com outras criações suas como T’Challa (Pantera Negra), Frank Castle (Justiceiro), Shang Chi, Raio Negro ou Luke Cage.

Fazendo o total de 60 aparições – sendo a primeira no filme ‘O Julgamento do Incrível Hulk’ (1982) e a última na animação ‘Teen Titans Go! To the Movies’ (2018) – ele se tornou uma figura amada por todos os entusiastas de super-heróis. Alguém que rompeu a barreira altamente competitiva entre marvetes e dcnautas chegando a recontar, sob sua ótica, a origem dos maiores heróis da concorrente DC Comics.

Hoje, aos 95 anos, ele foi levado de sua casa em Los Angeles para o Cedars-Sinai Medical Center por conta de alguns dos vários problemas de saúde que teve nos últimos anos (como uma gravíssima pneumonia). Infelizmente, no hospital, Stan Lee veio a falecer.

Sua filha J. C. Lee, que já foi acusada de maltratar e humilhar o pai, além de expô-lo a sessões de autógrafos reiteradas vezes ignorando sua condição frágil, confirmou a notícia dada pelo TMZ.

Stan deixa milhares de personagens que mudaram a história dos quadrinhos e criaram novas mitologias, além de milhões de fãs que ficaram, no dia de hoje, um pouco órfãos com sua morte. Que descanse nos salões dourados de Valhalla, excelsior Stan. Deixará saudades.


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Ricardo Latorre

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