Crivella e a censura na Bienal do Rio de Janeiro

Crivella e a censura na Bienal do Rio de Janeiro
Foto: Divulgação

Tuesday, 10 September 2019

Usando de mentiras para conseguir apreender materiais, o prefeito carioca quase causou um estrago considerável na imagem da Direita. Por sorte, ele não tem credibilidade para isso.

Nesta quinta (05/09) o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (REP) – que é líder religioso, ex-ministro de Dilma Rousseff (PT) e até cantor gospel (não ria) – mandou recolher de todos os estandes da Bienal do Livro a graphic novel ‘Vingadores: a Cruzada das Crianças’, que conta a história de versões adolescentes dos famosos heróis da Marvel e tem entre eles um casal homossexual: Hulkling (um alienígena parecido com o Hulk) e Wiccano (um mutante com poderes místicos).

Os personagens se beijam em determinado momento da história e isso teria sido a motivação. O subsecretário operacional da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP), Wolney Dias, teria declarado que a invasão de dez fiscais do órgão teria sido em busca de “material pornográfico”.

A revista – que não passa nem perto de abordar o relacionamento dos personagens como tema principal – é parte de um importante arco de histórias para sagas da editora americana e teve seus exemplares completamente esgotados depois do ato arbitrário de Crivella.

Os organizadores da bienal acionaram o Tribunal de Justiça carioca que proibiu qualquer censura, classificando a atitude do prefeito – que quando senador foi ridicularizado pelo apresentador Jô Soares em entrevista por ser bispo e senador (perguntando-o se ele seria um ‘senabispo’ ou um ‘bispador’) – como uma “ofensa à liberdade de expressão constitucionalmente assegurada”.

No sábado o clima estava denso na Bienal, apesar de todos os protestos e notas de repúdio contra o prefeito – emitidas por todos os espectros políticos. Contudo, o desembargador Cláudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ordenou que fossem de fato retiradas as obras não lacradas com temática homossexual.

Ridicularizado na internet e tendo a competência de seu governo colocada à prova, Crivella não retrocedeu e continuou defendendo sua decisão. E isso apenas desgastou ainda mais a sua imagem.

Os procuradores cariocas Marcelo Silva Moreira Marques e Paulo Maurício Fernandes Rocha haviam embasado seu pedido de apreensão do material usando como exemplo o livro ‘As Gêmeas Marotas’ (obra de gosto duvidoso que mostra personagens infantilizados praticando sexo explícito), no entanto tal obra sequer estava sendo exposta na Bienal.

Tendo isso em consideração, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, suspendeu a apreensão dos livros ainda no domingo, afirmando que a prefeitura usou de mentiras para conseguir os embargos e afirmando que não poderia permitir a censura ao livre trânsito de ideias, à livre manifestação artística e à liberdade de expressão.

Crivella continuou afirmando suas mentiras, que costumam enganar com certa facilidade pessoas predispostas à fé cega. E, agindo assim, ele apenas deu força e munição a movimentos progressistas e socialistas para continuarem atacando a direita. O youtuber Felipe Neto (notório por sua hipocrisia, oportunismo, desonestidade intelectual e pelos milhões de crianças que o seguem) afirmou, se aproveitando da situação, que distribuiria 14 mil livros com a temática homossexual e, com isso, ganharia mais alguns pontos com uma esquerda desesperada e desolada por ter perdido as eleições. Isso gerou uma fakenews envolvendo o empresário catarinense Luciano Hang que afirmava que ele doaria milhares de exemplares de uma das obras-primas de Olavo de Carvalho, o que foi desmentido por ele mesmo.

A cegueira absoluta gerada pelo desespero em angariar apoio de sua base eleitoral fez com que Crivella cometesse algo que foi classificado pelo ministro Celso de Mello como “fato gravíssimo”. Uma atitude imbecil que poderia ter maculado toda a Direita no país.

Crivella afirma que ver dois homens se beijando em uma história em quadrinhos pode influenciar crianças a fazerem o mesmo. Se essa lógica mentirosa e vigarista fizesse qualquer sentido que fosse, teríamos milhares de pessoas com as ‘fantasias’ das mais diferentes temáticas combatendo o crime pelas ruas, afinal o Batman faz... e ele nem tem poderes.

A verdade é que enquanto o prefeito do Rio, de forma míope, tenta censurar uma revista em quadrinhos por causa de um beijo, a Rede Record – pertencente à Igreja Universal – tem novelas onde personagens tentam banalizar o aborto e contra isso ele nada faz.

Revistas em quadrinhos sempre repletas de mulheres lindas quase sem roupa (ou com roupas tão coladas que parecem uma segunda pele), violência e temas adultos. Mas o problema é dois homens se beijando, aparentemente. Como disse, certa vez, uma pessoa de inteligência ímpar: “não existe homofobia na hora no pornô lésbico”. Curioso. E hipócrita.

Pessoas com esse raciocínio são os mesmos atrofiados mentais que dizem que videogames tornam os jovens agressivos. Pessoas cuja incapacidade de ver o mundo como ele é – ou mau-caratismo para fingir não ver – criam discursos torpes e repletos de incoerências.

Para a sorte da Direita ninguém leva o bispador (ou senabispo) a sério e o Rio de Janeiro ainda conta com nomes fortes como Wilson Witzel para provar que Crivella – o ex-cantor gospel – é só um ponto muito obtusamente fora da curva entre os homens públicos de Direita.

Dessa vez, tudo que o pregador conseguiu fazer foi pregar sua imagem pública no lixo.


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Ricardo Latorre

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