Operação Carne Fraca: até onde vai a responsabilidade?
Foto: ReproduçãoMonday, 03 April 2017
Informações fora de contexto, fatos fictícios e vazamentos que quase colapsaram a Economia do Brasil foram apenas a cereja de um bolo feito com carne imprópria para o uso.
Em 17 de março desse ano a Polícia Federal deflagrou a Operação ‘A Carne É Fraca’ (em referência a um documentário homônimo e que ficou mais conhecida apenas como ‘Carne Fraca’) na qual investigava crimes de advocacia administrativa , concussão, corrupção ativa, falsificação e adulteração de substância ou produtos alimentícios, lavagem de dinheiro , peculato e prevaricação.
De acordo com as investigações, alguns funcionários públicos – como fiscais, por exemplo – eram beneficiados ilegalmente para que permitissem que carnes impróprias para o consumo fossem vendidas nos supermercados e no Mercado Internacional.
Durante a divulgação da operação foi dito que “misturava-se papelão na carne” e que “uma substância cancerígena estava sendo colocada nos alimentos”. Isso, somado a informações de que carnes podres estavam sendo vendidas ‘maquiadas’ para que parecessem própria para o consumo criou uma verdadeira histeria no mercado e entre os consumidores.
Alguns dias depois explicou-se que houve um ‘mal-entendido’: o papelão que era citado em escutas telefônicas referia-se à forma de embalar as carnes e a dita ‘substância cancerígena’, identificada como ácido ascórbico era apenas a popular Vitamina C.
Logo o Polícia Federal tratou de explicar que a confusão aconteceu porque enquanto o Ministério da Agricultura estava tendo todos os seus funcionários investigados, não poderia ser consultado para elucidar as dúvidas que por ventura surgissem. Então algumas pessoas começaram a se indagar: “será que não havia nenhum especialista na área que não trabalhasse no Ministério e que a PF pudesse consultar?”. Eis a questão.
No desenrolar da operação 27 pessoas foram presas preventivamente, 11 temporariamente, houve 77 conduções coercitivas e cumpriu-se 194 mandatos de busca e apreensão num total de 309 ações que envolveram 1,1 mil policiais em seis estados do país.
Gigantes da área como a JBS (dona da Seara, Friboi, Vigor e Swift) e a BRF (dona da Sadia e da Perdigão) estavam entre as acusadas de se beneficiar, junto ao Frigorífico Peccin.
Imediatamente o consumo de carnes caiu no Brasil, mas este estava longe de ser o maior estrago econômico: nosso país é o maior produtor e exportador de carne bovina e de frango do mundo e logo outros países começaram a suspender as negociações com o Brasil, o que levou a uma onde de insegurança econômica e possível desemprego de profissionais da área.
Europa, América do Norte e Ásia (em especial a China) passaram a procurar outros fornecedores, como a Austrália e as ações das duas gigantes do ramo caíram vertiginosamente ainda no primeiro dia, contabilizando R$ 3,4 bilhões em perdas para a JBS e R$ 2,4 bilhões para a BRF.
Semanas após o alarme da operação ficou estabelecido que apenas a Peccin vendia carne estragada, que não havia nada cancerígeno, que o papelão referia-se de fato às embalagens e que as carnes não nobres usadas para fazer embutidos são algo legalizado (o que é, inclusive, de conhecimento comum, afinal quem nunca ouviu dizer que quem sabe o que vai na salsicha não come hot dog?).
Os crimes então teriam sido injetar água nas carnes para que ficassem mais pesadas (subornando fiscais para isso), doações de natureza questionável por parte das empresas investigadas para partidos (PT, PSDB, PMDB, PP e PR) e a inaptidão da Peccin para lidar com um mercado que demanda tanto cuidado e critério.
Mas aí o estrago já estava feito: na televisão cada jornal contava uma versão diferente da história e a única coisa que parecia certa era o risco de o Brasil perder os clientes que levou décadas para conquistar. O mal-estar foi minimizado, mas o risco ainda existe.
E eis que usando este grotesco equívoco da Polícia Federal o Senado volta a tentar validar o projeto que visa punir policiais federais, promotores e juízes que praticarem o chamado ‘abuso de autoridade’. E isso não é para defender o consumidor. Não. Isso é o Senado defendendo o Senado. Afinal se essa aberração virar lei há o risco de comprometer seriamente a Operação Lava Jato.
A verdade é que não houve abuso de autoridade nesse caso. Nenhum policial bateu em um açougueiro. Nenhum promotor perseguiu um fiscal. E nenhum juiz proferiu uma sentença contraditória com objetivos brumários. O que houve, sim, foi falha de comunicação. Se por má fé ou incompetência, ainda não se sabe.
A pessoa que vazou a informação pela metade para toda a imprensa nacional e mundial o fez de forma irresponsável e – com o seu intenção – poderia ter criado uma crise econômica irreparável.
Quando operações muito grandes acontecem em países sérios, todas as informações sobre elas são colocadas sob sigilo para não criar caos, avisar os investigados ou comprometer qualquer linha de busca. Mas no Brasil não. Mal terminou a operação e todo mundo já sabe – às vezes por rumores tortos ou informações parcialmente dadas – e daí noticia-se assim mesmo.
No começo do século XXI uma grande operação ocorreu na União Europeia para derrubar uma quadrilha chinesa que pretendia trazer trilhões de euros em cédulas muito bem falsificadas para aquele mercado. Se isso acontecesse o euro se desvalorizaria de forma absurda e toda a economia daquele bloco colapsaria. Mas a imprensa só soube que isso aconteceu mais de uma década depois de a Interpol ter pegado o último falsário. E por quê? Segurança.
Se as pessoas soubessem do que estava acontecendo poderiam esvaziar suas contas bancárias e levar os maiores bancos europeus à bancarrota assim como ocorreu na Crise da Bolha Imobiliária nos Estados Unidos, em 2008. Portanto dizer seria piorar o que já estava ruim.
A liberdade de imprensa deve ser respeitada e a sua importância dita um dos pilares fundamentais da Democracia. Mas ela tem que acontecer com responsabilidade. E as pessoas envolvidas em uma investigação deste porte devem ter mais responsabilidade ainda para saberem as consequências de seus atos. Sejam eles por boa intenção ou má-fé.
Houve abuso de autoridade? Aparentemente não. Mas houve, sim, a total ignorância sobre responsabilidade e, analisando sob esse prisma, a pergunta que fica é: quem foi que vazou as informações incorretas? Por quê? E o que vai acontecer com essa pessoa?
Porque se nada acontecer podemos estar testemunhando a criação de uma perigosa ‘polícia ideológica’. E daí para dizer ‘”heil” e “jawohl” vai ser um pequeno passinho.