Imagine um canal de vídeos com mais de mil videoaulas sobre direção significativa e preventiva, com ajuda prática, coaching emocional e direção preventiva, que esclarece dúvidas sobre legislação e direção para o dia a dia. Agora imagine que esse canal inclusivo com quase 60 mil inscritos e que beira os 15 milhões de visualizações em 171 países dos 5 continentes seja todo legendado para atender um público muito especial: a comunidade surda em fase de habilitação ou que já dirige, mas tem imperícia e facilidade de se envolver em acidentes de trânsito. Pois é esta a novidade deste Maio Amarelo 2017 para motoristas com diferentes graus de surdez em Blumenau e no mundo.

Clique no link para conhecer o canal: https://www.youtube.com/user/marciapontesdefensiv. Ele existe desde 2010, ficou 4 anos parado para a testagem científica dos conteúdos e desde então não parou de gerar conteúdos exclusivos para ajudar pessoas com imperícia a evitar acidentes. 

A proprietária do canal e geradora de conteúdos é a especialista em trânsito e em medo de dirigir, Márcia Pontes, autora de 3 livros sobre o assunto. O canal, inclusive, foi premiado pelo Denatran em concurso nacional de educação para o trânsito no ano de 2013 e apoia o trabalho do grupo presencial de apoio a pessoas com medo de dirigir, em Blumenau e a proposta de transformação pedagógica de formação de condutores no país e concorre ao Prêmio Inovação do Detran de Goiás (GO) ainda no mês de abril. 

“Todo o escopo e foco deste trabalho é identificar as pessoas que vão dirigir em via pública com medo de dirigir e imperícia, conscientizá-las para tirá-las das ruas (pois representam risco potencial para si próprias e para os outros) e propor gratuitamente o atendimento emocional e planejamento dos treinos para a construção da prática e da autonomia”, diz Márcia.  

 O canal, até então, só atendia motoristas ouvintes, mas neste Maio Amarelo 2017 passou a atender também a comunidade surda. 

Público diferenciado 

Os surdos são um público diferenciado quando se trata de dirigir. As dificuldades começam já pela invisibilidade frente aos demais condutores. Nem todos os surdos são oralizados e se comunicam por meio da faça combinada com gestos, geralmente indivíduos independentes, dominam o português falado e escrito ou dispensam intérpretes. 

Quando se fala e se dirige no trânsito a tendência é considerar sempre os motoristas ouvintes, aqueles para os quais se tem o hábito de acionar a buzina, seja para dar um toque de aviso ou mesmo a buzinada que traduz um xingamento. Embora seja obrigatório o uso do adesivo com o símbolo universal da surdez (Lei 8.160, de 8 de janeiro de 1991), nem todo condutor ouvinte o identifica quando dirige, alguns porque desconhecem ou porque o adesivo por ser fixado tanto no vidro traseiro do veículo quanto no vidro dianteiro, para facilitar a visualização dos agentes de trânsito durante uma operação de fiscalização. 

O que muito condutor ouvinte também não sabe é que qualquer solicitação ao motorista surdo deve ser feita acionando o farol alto intermitente, a famosa piscada de faróis, em vez de buzinadas, gestos, gritos, xingamentos ou qualquer outro meio. Apenas os condutores surdos que utilizam um aparelho auditivo especial podem dirigir nas demais categorias fora a A e B, inclusive para transporte de carga e passageiros. 

Mais atenção para a aprendizagem 

Se a comunicação entre instrutor e aluno ouvinte já fica truncada às vezes, imagine com um candidato à primeira habilitação que seja surdo: nem sempre fica fácil e compreensível o que um quer do outro em termos de ensino e de aprendizagem. Não é obrigatório que o instrutor seja intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) ou a presença de um intérprete durante as aulas teóricas e práticas; geralmente, os candidatos surdos vão para as aulas acompanhados de pessoas da família e amigos que sejam surdos oralizados (conseguem se comunicar pela fala e compreendem bem a leitura labial). 

Detrans como o estado do Espírito Santo estão credenciando profissionais especializados para acompanhar os candidatos surdos durante as provas teóricas e práticas. O intérprete de Libras acompanha o candidato no banco de trás do veículo de aprendizagem, traduz o que o examinador solicita e explica ao candidato o resultado da prova prática. O intérprete também auxilia nas provas teóricas. No restante do país, nem todos os Detrans disponibilizam esse serviço. 

Desafios da semana 

No canal de ajuda emocional e videoaulas agora também para os surdos, eles assistem palestras emocionais, de autoajuda, com exercícios emocionais, mentais e práticos para a superação da ansiedade e do nervosismo, que costuma ser maior do que no caso de alunos ouvintes. Os surdos também vão acessar os desafios da semana, legendados, que ajudam tanto os aprendizes quanto os condutores habilitados a praticar exercícios e treinos para domínio do veículo em baixa velocidade, em rua calma e tranquila antes de irem para o trânsito. 

Os surdos acessam os mesmos desafios semanais a serem realizados pelos ouvintes dentro de uma sequência pedagógica de treinos emocionais e práticos. É um exercício por semana a ser praticado com a ajuda do instrutor no CFC ou pelo próprio condutor habilitado: apenas quando o condutor domina o exercício anterior e consegue executar o fundamento sem erros é que ele passa para o próximo exercício. “Primeiro o carro come na mão do aluno ou condutor, depois é que ele vai aos poucos para o trânsito”, explica Márcia Pontes, idealizadora da estratégia e que também recebe os vídeos dos alunos ouvintes e surdos via whatsapp, corrige os treinos e orienta com novos exercícios e treinos. 

No caso dos surdos, nem sempre a família aprova que ele inicie o processo de habilitação. Alguns, por superproteção, outros por receio de envolvimento ou acidentes, mesmo sendo a visão o sentido mais requisitado nos exames de avaliação médica do Detran,sem desmerecer a importância da audição para detectar os ruídos estranhos no veículo e os demais sons do trânsito (buzinas, sirenes, etc). No entanto, pessoas surdas, independente do grau de surdez, seja ela profunda ou residual, têm plenas e seguras condições para dirigir desde que bem orientadas. 

É essa a proposta do canal de vídeos do youtube: acolher as pessoas surdas nas suas dificuldades para aprender a dirigir, oferecer ajuda emocional gratuita, videoaulas, treinos, exercícios e acompanhamento pedagógico para candidatos à primeira habilitação e para condutores habilitados surdos. Tudo legendado e com foco em evitar os acidentes por imperícia. 

O canal iniciará em maio uma campanha com produção de filmes orientando os condutores ouvintes a melhor compreenderem o universo e as características dos condutores surdos, para saberem como se comunicar com eles no trânsito e para buscar uma convivência inclusiva e harmônica.