Cinema nacional prova que quem lacra não lucra
Foto: DivulgaçãoSunday, 03 November 2019
A redação do Enem, ocorrido ontem, abordava o espinhoso tema que ninguém quer tocar: como a Esquerda quase faliu o cinema brasileiro enquanto a direita ganha prêmios no exterior.
Para a surpresa de muita gente, a redação do Enem – Exame Nacional do Ensino Médio – acontecida ontem, teve como tema a ‘Democratização do Acesso ao Cinema no Brasil’. Faz tempo que a Cultura não era abordada na prova.
Isso foi o bastante para pessoas se dividirem nas redes sociais. Alguns apoiando, outros lamentando. O surgimento dos memes, como sempre, foi quase imediato. Grandes veículos de comunicação entrevistaram cineastas brasileiros que, na maioria, reclamaram da concorrência que consideram desleal dos blockbusters estadunidenses, clamando apoio público.
Curiosamente, o cinema mais bem-sucedido do mundo – o dos Estados Unidos – não precisou de ajuda para nascer, crescer e se tornar a potência que é. Começou com monopólio de Thomas Edson, uma empresa chamada MPPC que fabricava as câmeras, os rolos de filme, os projetores e até os estúdios. Não tinha governo, tinha um empreendedor. Foi nessa época que surgiu o lendário George Méliès, autor de ‘A Viagem Á Lua’ (1902).
Tentando abocanhar parte desse lucro milionário, alguns empreendedores foram à Hollywood (Califórnia) onde os juízes não eram tão condescendentes ao monopólio de Edson e fundaram os primeiros grandes estúdios: MGM, Warner, Fox, Universal, Paramount, Columbia e RKO. Grandes filmes, como ‘Luzes da Cidade’ de Chaplin (1931), ‘Drácula’ de Béla Lugosi (1931), ‘E o Vento Levou’ (1939), ‘O Mágico de Oz’ (1939), ‘O Grande Ditador’ (1940), ‘Cidadão Kane’ (1941), ‘Casablanca’ (1943) e ‘Cantando na Chuva’ (1952) surgiram nessa época.
Na Era de Ouro as telas exprimiam o american way of life, sem que houvesse qualquer apoio financeiro público para isso. O cinema deixa de ser mudo, aparecem as animações, surge a Disney e a arte enfim se torna uma indústria. Uma indústria bilionária, aliás.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, e a milagrosa recuperação econômica através do New Deal de Rooselvelt na década de 30, o cinema começou a se tornar o principal entretenimento da América. Os estúdios, que nunca foram bobos, viram a glamourização da máfia e começaram a lançar muitos filmes com a temática, como ‘Scarface, a Vergonha de uma Nação’ (1932). Durante o período entre a Quebra da Bolsa e o New Deal – chamado de ‘A Grande Depressão’ – as pessoas passaram a gostar dos criminosos, como aconteceu com o casal Bonnie e Clyde, por citar.
Contudo surgiu a Segunda Guerra Mundial. O patriotismo ganhou um fôlego novo. As revistas pulp criavam heróis vestidos com as cores da bandeira americana como ‘Capitão América’ (1940), ‘Shield’ (1940) e ‘Uncle Sam’ (1940). As salas de exibição passavam boletins sobre as batalhas nos campos europeus. Não havia televisão, então o noticiário audiovisual era lá. Isso aumentou ainda mais a popularidade dos cinemas e criou o costume de frequentá-los.
Com isso surgiram as primeiras grandes estrelas, como Audrey Hepburn, Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e Grace Kelly. Com a explosão dos astros, esses artistas sentiam que não tinham autonomia o suficiente com os estúdios e as produtoras e fizeram uma espécie de associação, a United Artists, da qual o próprio Charlie Chaplin foi um dos fundadores.
Mas nem tudo ia bem: a televisão já tinha surgido e com a primeira transmissão em cores feita pelo canal NBC em 1954, Hollywood começava a sentir o peso da concorrência. Foi então que, nos anos 60, apostaram na demissão de nomes muito caros e nas primeiras superproduções, como ‘Ben Hur’ (1959), ‘Cleópatra’ (1963) e ‘Lawrence da Arábia’ (1963), além dos musicais.
Com a retomada do prestígio dos estúdios, começam a aparecer os primeiros cineastas que estudam profundamente o assunto e, com eles, surgem filmes mais autorais e diretores mais emblemáticos como Stanley Kubrick, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Brian De Palma, Steven Spielberg e George Lucas. Claro que para produzir tais filmes – com orçamentos gigantescos – era necessário buscar investidores. Mas, perceba: investidores, não governo.
Enquanto isso, aqui no Brasil, a coisa era bem diferente.
Em 1908 o cineasta luso-brasileiro Antônio Leal criou o primeiro filme não-documental brasileiro, ‘Os Estranguladores’. O cinema tupiniquim ia bem, com curtas-metragens nacionais muito bons, até os anos 30, quando explodiram as produções de Hollywood.
Ainda assim houve produções brasileiras respeitáveis, como ‘Limite’ (1931) de Mário Peixoto, ‘A Voz do Carnaval’ (1933) de Ademir Gonzaga em parceria com Humberto Mauro e ‘Ganga Bruta’ (1933) também de Humberto Mauro. Eram produções modestas com orçamentos limitados, mas certamente tinham uma excelente qualidade técnica e proporcional.
Nos anos 40 o cinema nacional finalmente parecia engrenar, com as inesquecíveis chanchadas – que era um estilo de películas cômico-musicais – imortalizando nomes como Oscarito, Grande Otelo e Anselmo Duarte. Eram filmes engraçados – até puros – inspirados num misto dos musicais estrangeiros, nossa embrionária identidade nacional e o imortal personagem Carlitos, de Chaplin. Destacaram-se ‘Moleque Tião’ (1941), ‘Tristezas Não Pagam Dívidas’ (1944) e ‘Carnaval de Fogo’ (1949).
O ditador Getúlio Vargas (e não adianta chamar de outro nome) decidiu inventar a cultura nacional que ele achava que seria boa. Investiu uma fortuna para profissionalizar o futebol, popularizar o carnaval e começou a bancar o cinema como divulgador dessa nova identidade nacional brasileira. Foi ele, grosso modo, que criou a dependência entre cinema e governo no Brasil.
O estúdio Vera Cruz foi criado, parcialmente com esse intuito, e filmes abordando a temática brasileira surgiram, descaradamente como propaganda. Assim ‘O Cangaceiro’ (1953) tentava popularizar a figura desse tipo de criminoso para contrastar com os caubóis dos primeiros filmes de faroeste de Hollywood, o primeiro filme colorido do Brasil, ‘Destino em Apuros’ (1954) se valia sutilmente do nosso folclore para rebater os filmes de monstros da Universal e a ‘Tristeza do Jeca’ (1961) abordava a vida simples no interior. Dessa época, o maior destaque é Mazzaropi, que pode ser visto como uma espécie de Chaplin brasileiro.
Até esse momento, apesar dos investimentos públicos de cunho moral duvidoso, o cinema brasileiro tinha grande qualidade. Então o presidente Jânio Quadros renunciou, seu vice João Goulart foi deposto porque era um comunista declarado e os militares iniciaram um Regime de Exceção em 1964, que só viria a se tornar uma ditadura em 1968, com a instauração do AI-5.
Os progressistas – na época identificados como esquerdistas, socialistas ou comunistas – encontraram na arte uma primeira forma de propagar seus ideais, assim como Getúlio fez. Surgia o Cinema Novo, que se propunha a abordar temas sociais e políticos.
Repleto de figuras da Esquerda (como está até hoje), o cinema brasileiro apresentou filmes como ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ (1964) de Glauber Rocha. Abertamente militantes à esquerda, os cineastas iniciaram sua revolução contracultural glorificando criminosos como em ‘O Bandido da Luz Vermelha’ (1968) de Rogério Sganzerla.
Os militares entenderam que os seus opositores estavam usando o cinema como propaganda ideológica assim como Getúlio usou, então apoiaram a criação da Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes) em 1969, voltando a financiar a sétima arte tupiniquim.
Com uma qualidade cada vez menor, os cineastas brasileiros se inspiraram nas comédias eróticas italianas e criaram a vulgar e conhecida pornochanchada, que usava o sexo para atrair público e de forma subliminar disseminar ideias revolucionárias e marginais. Surgiam assim ‘A Viúva Virgem’ (1972), ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976) e ‘A Dama do Lotação’ (1978). Filmes sem qualidade e apelativos, que revelaram nomes como o da esquerdista Sônia Braga, que tentou repetir o sucesso de Carmem Miranda nos Estados Unidos e fracassou miseravelmente.
Com o fim do Regime Militar, nos anos 80, coincidindo com a popularização do VHS no Brasil, o cinema nacional sofreu uma enorme queda. Películas cada vez menos bem-feitas tornavam cada vez mais explícitas as ideias progressistas e surgiam ‘Jango’ (1984) tentando retratar o comunista deposto da Presidência do Brasil como uma vítima e ‘Pixote, a Lei do Mais Fraco’ (1980), onde Hector Babenco cria a cultura do ‘marginal vítima da sociedade’, além do aclamado e premiadíssimo documentário ‘Ilha das Flores’ (1989), onde Jorge Furtado mostra o contraste entre pessoas de classe média e pobres, delineando uma luta de classes etérea. Nessa época, ironicamente, os únicos brasileiros a fazer sucesso nas telonas eram os Trapalhões.
Collor – o ex-presidente que literalmente roubou as poupanças de milhões de brasileiros (que não retomaram esse dinheiro até hoje) – acabou com as agências públicas que fomentavam o cinema nacional e, sem esse dinheiro fácil, nossa produção audiovisual caiu em declínio.
Criada a Lei do Audiovisual em 1993, voltaram a acontecer filmes nacionais mais bem produzidos, como ‘O Quatrilho’ (1995), o progressista ‘O Que É Isso, Companheiro’ (1997) onde Bruno Barreto tenta humanizar os terroristas comunistas que sequestraram o embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick em 1969 e ‘Central do Brasil’ (1998), de Walter Salles. Este último, inclusive, sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Aliados à lei supracitada, a Lei Rouanet e à Rede Globo, novos diretores tentaram imprimir em tela – e com dinheiro público – suas ideologias, culminando em ‘Cidade de Deus’ (2002) onde Fernando Meirelles glorifica os criminosos, ‘Carandiru’ (2003) no qual Babenco faz a mesma coisa e ‘Tropa de Elite’ (2007), que era para ser uma crítica àquilo que José Padilha via como truculência policial, mas acabou ganhando o público com o herói capitão Nascimento, interpretado pelo declaradamente socialista Wagner Moura. Um tiro no pé.
Parte dessa pós-retomada do cinema se deve, além das leis de incentivo fiscal, dos investimentos estatais e de órgãos protecionistas como a Ancine, ao sistema de Cota de Tela, que determina qual a porcentagem de filmes nacionais uma sala de exibição deve passar para cada filme estrangeiro (o que viola a Iniciativa Privada).
A maioria dos cineastas entrevistados pela velha mídia – pessoas de cunho progressista forte – afirmaram que o cinema brasileiro foi afetado pelo não cumprimento de tal cotas. Quem não se lembra do vexatório chilique da Ingrid Guimarães, cujo filme estreou nos cinemas ao mesmo tempo que ‘Vingadores Ultimato’. O filme de Ingrid pode até não ser ruim, mas ‘Ultimato’ bateu o recorde mundial como filme mais lucrativo de todos os tempos. É óbvio que qualquer dono de sala de cinema vai dar preferência a exibir o que dá mais dinheiro. E esse é o ponto: essas pessoas estão tão acostumadas com o paternalismo estatal, que começam a chorar copiosamente quando o governo não as protege de uma obra de real qualidade.
E não adianta bater o pé e dizer – “o Brasil tem ótimos filmes e diretores” – porque, na grande maioria dos casos, não tem. E quer uma prova? Depois do sucesso estrondoso que fez com ‘Tropa de Elite’, José Padilha foi contratado para dirigir um reboot do clássico dos anos 80 ‘Robocop’ (2014). Em Hollywood. Com toda a tecnologia e orçamento milionário. E o filme foi tão ruim, fracassando tão vergonhosamente, que estão planejando um reboot do reboot para poder desconsiderar o filme de Padilha da franquia, ainda sem previsão de estreia.
Contudo, outros filmes nacionais – bons e de direita – como ‘Eu Matei Lúcio Flávio’ (1979), ‘Mauá, o Imperador e o Rei’ (1999), ‘Simonal: Ninguém sabe o Duro que Dei’ (2009), ‘Caro Francis’ (2010), ‘Real: o Plano por Trás da História’ (2017), ‘Os Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro’ (2018) e ‘1964: O Brasil Entre Armas e Livros’ (2019) nunca são citados. Como se fosse um sacrilégio falar de filmes de direita ou conservadores no Brasil.
O problema está justamente no foco. Os militares, quando assumiram nos anos 60, concentraram suas forças no confronto armado contra milícias comunistas e grupos terroristas, deixando a Esquerda se infiltrar na Cultura (música, cinema, literatura e televisão), bem como na Educação (escolas e universidades). Isso é refletido até hoje. No auge do cinema de super-heróis, quantas histórias em quadrinhos são conservadoras? No Brasil? Nenhuma. Mesmo canais famosos de animação do Youtube, como o bem produzido ‘Sociedade da Virtude’ tem mensagens progressistas. E cresce. Enquanto canais conservadores como o do cartunista André Guedes cai e os de Direita como o ‘Carne Moída TV’ nem existem mais.
O atual Governo Federal tem se concentrado em combater o crime e garantir o crescimento econômico. O que é ótimo. Uma Economia Liberal é uma economia saudável. Mas enquanto eles ignorarem os produtores de conteúdo e os professores, nenhum bom trabalho será lembrado.
Sabe aquele seu professorzinho maconheiro que organiza baderna no DCE da faculdade? Amanhã é esse sujeito que vai estar escrevendo os livros de história. Sabe os telejornalistas engomadinhos que criticam enquanto fingem isenção? São eles que falam para a grande maioria pouco esclarecida do país no que eles devem acreditar (mesmo que não seja verdade). E sabe aquele hippie que faz quadrinhos alternativos e fanzines? Talvez seja ele, no futuro, que invente uma narrativa chamando a Dilma de gênio incompreendido e o Temer de ignorante. Afinal, essas pessoas tentam negar que tentaram, nos anos 60, uma Ditadura Comunista e vendem a si mesmos como ‘lutadores pela Democracia’, desmentido pelo próprio Gabeira.
E isso não é irreal. Basta lembrar que a Esquerda só chama os conservadores de fascistas porque, na Segunda Guerra Mundial, os maiores inimigos dos comunistas eram os integralistas (que admiravam o fascismo). Então eles distorcem hoje uma informação de 70 anos atrás para te chamar de uma coisa que você não é sem você sequer entender o porquê.
Não adianta fazer sem divulgar. Hitler, Stalin, Getúlio e Lula sabiam disso. E você? Sabe?