Vacina russa teve boa resposta e sem efeitos adversos

Vacina russa teve boa resposta e sem efeitos adversos
Foto: Divulgação

Friday, 04 September 2020

Cientistas russos observaram que uma das limitações foi a falta de grupo controle, e que mais testes são necessários para comprovar a eficácia da vacina para Covid-19.

A vacina da Rússia para a Covid-19 não teve efeitos adversos e induziu resposta imune, indica um estudo com resultados preliminares publicado na revista científica "The Lancet", uma das mais importantes do mundo, nesta sexta-feira (4). Os cientistas russos reconheceram a necessidade de mais testes para comprovar a eficácia da vacina.

Chamada de "Sputnik V", a imunização foi registrada no mês passado na Rússia, mas a falta de estudos publicados sobre os testes gerou desconfiança entre a comunidade internacional.

O diretor do Fundo de Investimento Direto Russo, (RDIF), Kiril Dmitriev, anunciou à imprensa que a Rússia vai liberar a tecnologia para a vacina começar a ser produzida no exterior em novembro.

No Brasil, o governo do Paraná firmou uma parceria para desenvolver a vacina russa e, nesta sexta (4), informou que o pedido de registro do imunizante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve ser feito em 10 dias. Os testes no país devem começar em 1 mês.

Resposta imune forte e de longo prazo

Segundo os resultados publicados, referentes às fases 1 e 2, não houve efeitos adversos até 42 dias depois da imunização dos participantes, e todos desenvolveram anticorpos para o novo coronavírus (Sars-CoV-2) dentro de 21 dias.

Os cientistas do Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina, disseram à imprensa que essa resposta foi maior do que a vista em pacientes que foram infectados e se recuperaram do novo coronavírus naturalmente.

A vacina russa foi testada em 76 pessoas. Todas receberam uma forma da vacina (veja detalhes das etapas dos testes mais abaixo), sem grupo controle (o que recebe uma substância inativa, o placebo), que serve para que os resultados sejam comparados entre os dois grupos).

A médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, lembra, entretanto, que criar anticorpos não significa proteção contra a doença.

Os resultados também sugerem que a vacina produz uma resposta das células T, um tipo de célula de defesa do corpo, dentro de 28 dias. As células T têm, entre outras funções, destruir células infectadas por um vírus. Os cientistas do Gamaleya afirmaram que as respostas de células T vistas com a vacina indicam não só uma resposta imune forte, mas de longo prazo.

O fato de não haver grupo controle foi notado pelos cientistas como uma limitação do estudo. Outro ponto limitante é que, em geral, os voluntários incluídos eram relativamente jovens, com idades entre 20 e 30 anos (apesar de a idade de recrutamento ter sido entre 18 e 60 anos). Pessoas mais velhas correm mais risco de desenvolver a forma grave da doença e morrer pela infecção.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, disse que o resultado é importante, mas ressalta que ainda falta a fase 3, em que a vacina é testada em um grande número de pessoas.

Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) diz que há estudos prévios que sugerem que uma resposta duradoura está ligada à imunidade celular, e não ao anticorpo que circula no sangue.

O especialista diz que o estudo publicado na revista científica mostra que a vacina russa parece produzir um nível de anticorpos um pouco menor do que a vacina de Oxford, que está sendo testada no Brasil. "Mas, definitivamente, só depois dos resultados da fase 3 de testes a gente vai poder comparar essas diferentes tecnologias."

Etapas

As fases 1 e 2 dos testes de uma vacina buscam verificar a eficácia e a segurança delas, ainda com menos participantes que a fase 3. Normalmente, os testes de fase 1 têm dezenas de voluntários, os de fase 2, centenas, e os de fase 3, milhares.

Na fase 3, o objetivo dos testes é verificar a eficácia em larga escala. Nesta etapa, a Rússia pretende chamar 40 mil voluntários. As fases costumam ser conduzidas separadamente, mas, por causa da urgência dos resultados, várias vacinas têm sido testadas simultaneamente em mais de uma fase.

A médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, avalia que o problema da vacina russa é que a imunização foi aprovada sem os resultados da fase 3.

Ela destaca que, caso fosse essa a incidência de efeitos colaterais graves, muitas pessoas poderiam ser afetadas.

"Se eu tivesse visto esse resultado logo no início e depois passasse para a fase 3, eu ficaria entusiasmada com essa vacina", completou. "Essas fases [1 e 2] são muito limitadas. Eu não posso enfatizar o bastante a necessidade de fase 3".

Como funciona a vacina russa

A vacina russa usa dois vetores de adenovírus, que funcionam como um "veículo de lançamento" do novo coronavírus no corpo: um é o adenovírus humano recombinante tipo 26 (rAd26-S) e o outro é o adenovírus humano recombinante tipo 5 (rAd5-S), que foram modificados para expressar a proteína S do novo coronavírus. A proteína S é a que o vírus usa para entrar nas células e infectá-las.

Os adenovírus usados foram enfraquecidos, de modo que não pudessem se replicar (ou seja, é o que se chama de vetor viral não replicante) nas células humanas e não podem causar doenças (o adenovírus geralmente causa o resfriado comum).

A tecnologia é a mesma usada em uma vacina desenvolvida pela Rússia para o ebola. Com base nesses resultados anteriores, os cientistas dizem esperar que a "Sputnik V" garanta imunidade de até 2 anos para a Covid-19.

Denise Garrett explica que usar os dois adenovírus diferentes para "carregar" o vírus faz com que a vacina seja uma espécie de "duas em uma". Isso é importante porque, como o adenovírus é um vírus comum, usar apenas um deles pode fazer com que o sistema de defesa do corpo não o reconheça como um "invasor" e não produza uma resposta imune tão forte contra ele.

Duas "versões" da vacina foram testadas: uma congelada, destinada a cadeias de produção globais, e outra liofilizada (desidratada), destinada a locais mais difíceis de alcançar.

A vacina liofilizada pode ser mantida em uma temperatura entre 2ºC e 8ºC, segundo os cientistas russos.


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Redação

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