Livro contendo incesto é retirado de escolas

Livro contendo incesto é retirado de escolas
Foto: Divulgação

Monday, 19 June 2017

Mesmo após duas semanas do início da polêmica, alguns ainda parecem se negar a ver - ou admitir - o quão grave e delicado é o assunto.

Em 2014 – ainda no governo da presidente cassada Dilma Rousseff (PT) – o Ministério da Educação e Cultura (MEC) subsidiou, através do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) a publicação e distribuição do livro ‘Enquanto o Sono não Vem’, de autoria do escritor e contador de histórias José Mauro Brandt.

A obra traz oito contos e foi voltada para a alfabetização de crianças entre os seis e os oito anos de idade. Foi aí que a polêmica começou.

Um desses contos, chamado ‘A Triste História de Eredegalda’ narra a paixão de um rei por sua própria filha mais velha e, diante da negativa da moça em casar-se com ele e tornar sua própria mãe uma serva, é punida, acabando por morrer de sede no final. Além de um viés trágico e cruel o conto ressalta, sobre tudo, a asquerosa prática do incesto.

Tornando a situação um pouco pior, a obra foi aprovada pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – instituição altamente respeitada – e indicada ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Logo que chegou a Blumenau, a obra foi imediatamente questionada pelo vereador Ricardo Alba (PP), que conversou com a secretária municipal de Educação, Patrícia Lueders, que imediatamente percebeu a abominação de disponibilizar aquele tipo de literatura aos alunos da rede pública, mandando retirar todos os exemplares da escolas municipais.

Em seu pronunciamento posterior ao episódio, Alba foi apoiada quase unanimemente pelos demais vereadores de Blumenau. O líder do governo, Sylvio Zimmermann (PSDB) – que jamais assinou qualquer moção de repúdio que fosse – chegou a sugerir uma moção nesse sentido para demonstrar a perplexidade com a qual a cidade recebeu a notícia. O vereador Professor Gilson (PSD) afirmou que há outros livros em escolas que também deveriam ser reavaliados, sugerindo que fosse feito um pente-fino. Até o presidente da casa, Marcos da Rosa (DEM) – que procura sempre manter neutralidade comedida – se posicionou veementemente contra a obra.

O único que perdeu a chance de ficar quieto foi o vereador Almir Vieira (PP) – aquele do ‘Tapete Negro’ – que afirmou com todas as letras: “incesto é crime”. Não. Não é. É moralmente repreensível e civilmente proibido de acordo com o Art. 183 do Código Civil, mas não é punível. Logo, não pode ser qualificado como crime (por mais que assim devesse). Com isso Vieira mostrou, mais uma vez, seu total desconhecimento sobre o Direito.

Pouquíssimo tempo após os livros serem retirados das escolas de Blumenau – e de milhares de outros municípios pelo Brasil – o MEC, que hoje está sob outra administração, admitiu o quão grotesca é a idéia de alfabetizar crianças com histórias de incesto e tortura.

De acordo com o órgão, o processo de seleção de livros didáticos e paradidáticos deverá passar por uma longa revisão que vise a melhoria do material distribuído nas escolas.

O autor diz que está surpreso com a polêmica e joga a responsabilidade para longe de si, afirmando que é a incompetência dos professores em interpretar o texto e contá-los que faz o conto parecer imoral. Completamente longe de qualquer senso de ridículo, Brandt chega a se comparar com os irmãos Grimm e com Monteiro Lobato, afirmando sofrer censura.

Censura ele sofreria se a publicação fosse proibida em todo o território nacional. Enquanto o que está acontecendo é apenas um redirecionamento do público-alvo e a justa decisão de preservar crianças pequenas do contato com histórias moralmente densas.

Ao tentar se comparar com grandes nomes da Literatura ele parece esquecer que os Grimm, a citar, apenas compilaram e até mesmo amenizaram contos de terror que eram parte do folclore de regiões no centro da Europa. E ao afirmar que “as pessoas acham que o material literário é o mesmo que didático, mas o literário é arte” demonstra sua total incapacidade pedagógica ao não considerar que crianças em idade de alfabetização não fazem distinção entre metáfora e fato, muito menos entre arte e lição.

Várias autoridades, incluindo dezenas de professores, psicólogos e delegados, condenaram o livro por banalizar o ato do incesto – que deveria, ao contrário, ser combatido ferrenhamente nas escolas – e por colocar em situação de vulnerabilidade psicoemocional crianças que já tenham passado por esse trauma.

Em nota, a Universidade Federal de Minas Gerais demonstrou insensibilidade, ao afirmar: “Aparentemente, alguns leitores desavisados consideraram que, por conta dessa temática, a narrativa seria inadequada para crianças. O mesmo pode acontecer com o tema do sequestro, presente na narrativa 'Canta, canta meu surrão'. Trata-se, em ambos os casos, de um julgamento indevido construído por leitura equivocada do romance, do reconto, da tradição oral e do lugar da literatura na formação da criança” sem parecer se importar com o fato de que, estatisticamente, é muito mais provável se encontrar uma criança que sofreu abuso do que foi seqüestrada.

Contudo o conto não está proibido. É apenas inadequado (além de pobremente escrito). Jovens e adultos podem lê-lo à vontade. Logo, não há censura alguma.

Em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, é comum encontrar literatura juvenil inapropriada para crianças, como é o caso do selo Vertigo da editora DC Comics (que publica Batman, Superman, Mulher Maravilha, entre outros)... nesse selo especial as histórias abordam temas moralmente fortes, visualmente agressivos ou politicamente incorretos.

Se o Governo Federal continuasse no caminho em que estava no governo Dilma – com livros pra criança contendo pênis, insinuações de gênero, pedofilia e incesto – talvez MEC e Ministério da Cultura pudesse se unir para criar uma nova pasta: o Ministério do Turismo Sexual para Pedófilos. Hediondo? Com certeza. Mas pelo menos teria um nome mais honesto.


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Ricardo Latorre

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