Cadeira de rodas para cães com barras flexíveis e baixo custo

Cadeira de rodas para cães com barras flexíveis e baixo custo
Foto: Divulgação

Wednesday, 13 July 2022

Projeto incrível foi desenvolvido por designer da UFSC.

Uma cadeira de rodas para cachorros de baixo custo, com tamanho e cores personalizáveis, design inspirado em carros esportivos e hastes flexíveis que permitem a movimentação lateral do animal, enquanto mantém sua coluna estável. Tudo fabricado por impressão 3D. Essa é a Petwheels, desenvolvida pelo designer de produto Artur Donadel Balthazar como parte de seu projeto de conclusão de curso na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação de Regiane Trevisan Pupo, professora do Departamento de Expressão Gráfica e coordenadora do Pronto 3D – o Laboratório de Prototipagem e Novas Tecnologias Orientadas ao 3D. 

O invento, que teve sua patente depositada junto ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi) em fevereiro deste ano, encontra-se em fase de testes, mas já é possível destacar uma série de diferenciais em relação às cadeiras de rodas disponíveis atualmente no mercado. O principal deles são suas barras laterais: ao mesmo tempo em que garantem a estabilização da coluna, elas são maleáveis e permitem que o animal mexa seu tórax para os lados, um movimento natural dos cachorros, impedido pelas cadeiras de rodas comuns.

“Isso é um diferencial que nenhuma outra cadeirinha apresenta, e que eu percebi durante a etapa de observação. A questão do cachorrinho é muito difícil, porque tu não tens um ser humano com quem tu podes conversar e perguntar o que está sentindo. O cachorrinho, tu tens que observar e tentar te colocar no lugar dele. Durante a pandemia, eu fiquei bem limitado em termos de poder visitar locais, então observei muito pela internet e tentava sempre entender o que o cachorrinho estava sentindo ali. Uma coisa que eu percebi bastante forte é justamente essa questão da imobilidade dele. Uma vez que ele está com a cadeirinha, ele fica imóvel. Parece que ele não consegue se mexer para lugar nenhum. Ele está ali tendo que fazer aquele movimento travado”, relata Artur. 

As barras flexíveis resolvem, ainda, outro problema: ao viabilizarem a movimentação do tórax, elas eliminam a necessidade dos rodízios giratórios, como os de carrinhos de supermercado, usados atualmente para as rodinhas da frente. A questão é que, com a imobilidade das hastes rígidas, os rodízios nas rodas da frente costumam ser a solução para possibilitar que o cachorro vire para os lados. Mas eles, em geral, são muito pequenos e trancam em desníveis. “Com a barra flexível, a roda pode ser grande, ou seja, ela consegue passar em degrau, meio-fio e consegue virar também, conforme a intenção do cachorro”, comenta o designer.

Com cores personalizáveis e formas inspiradas em carros esportivos, a aparência do produto também chama a atenção. “Essas geometrias complexas não se consegue numa cadeirinha de barra de alumínio, por exemplo. E a estética é uma questão que eu percebi muito forte no público que tem o cachorrinho, porque ele gosta de deixar o cachorrinho bonitinho, colocar uma roupinha, alguma coisinha assim. Então, um produto com uma carinha de brinquedo assim, é um valor interessante para o consumidor”, adiciona. O nome, Petwheels, aliás, é uma referência aos famosos carrinhos Hot Wheels.

Impressão 3D, customização e baixo custo

Com exceção dos parafusos, de uma coleira peitoral, que prende a cadeira no cãozinho, e das pequenas coleiras que seguram as patinhas, todo o produto pode ser produzido por uma impressora 3D. A montagem, segundo Artur, é a mais simples possível. “Eu fiz ela toda assim, imprimível, pensando justamente na questão de um modelo de negócio.”

Isso permite a adaptação às medidas de cada animal ainda na etapa de projeto, possibilitando tiragens únicas e eliminando a necessidade de muitos mecanismos de ajuste de altura, comprimento e largura após a fabricação. “Por exemplo, um cachorrinho linguiça tem uma uma coluna bem longa e uma patinha bem curtinha. Essas dimensões eu consigo utilizar no projeto, e então fazer uma cadeirinha exatamente neste modelo, porém com um pezinho bem pequeno e uma coluna bem longa”, ilustra o designer. Também há a possibilidade de passar as rodinhas para a frente, e mesmo de usar as quatro rodas.

“O problema hoje das cadeirinhas [produzidas pelos meios tradicionais] é que elas são de difícil fabricação, porque cada cachorro tem uma condição específica, tem uma anatomia específica e tu não consegues fazer um produto universal, um produto que sirva para todos os cachorros. Isso não existe. Cada fabricação é muito artesanal, e acaba sendo muito difícil, às vezes, conseguir material, conseguir fazer no tamanho específico, naquela condição específica. A fabricação digital [com impressoras 3D] surge como uma uma solução para esses casos, que precisam ser muito personalizados e de baixo custo. Tu podes até fazer uma cadeirinha muito personalizada [pelos meios tradicionais de fabricação], mas provavelmente vai ter um custo bem alto de projeto e desenvolvimento. A fabricação digital diminui bastante esses custos e facilita bastante nesse sentido”, explica Artur.

Para a cadeirinha que ele apresentou como trabalho de conclusão de curso, voltada a um cachorro de pequeno porte, foram gastos aproximadamente 80 reais em materiais de impressão 3D, mais os parafusos e a coleira. É claro que aí não estão inclusos os valores dos equipamentos e da mão de obra. 

Os preços das cadeiras de rodas disponíveis para venda atualmente no mercado variam bastante. Para cadeiras personalizadas, com as medidas específicas do cachorro, Artur conta que “o mínimo seria em torno de 300 reais para uma pessoa que fabrica, que ganha dinheiro com isso, para um cachorrinho muito pequeno. Tem cadeirinhas no mercado que são feitas com impressão 3D, mas elas são praticamente uma cópia da cadeirinha simples, porém com a impressão 3D, então eu não vi muito benefício. Nesse caso, dessas cadeiras com impressão 3D, eu vi coisa de mil reais para cachorrinho pequeno, 2 mil para cachorros grandes”.

Vale ressaltar que os custos da impressão 3D para cachorros muito grandes podem aumentar consideravelmente, além de exigirem impressoras maiores – mais difíceis de encontrar e manusear. “[O projeto] é adequável para todos os portes, no entanto é mais fácil de fazer para pequenos e médio portes por causa do custo de fabricação. Na impressão 3D,  o custo não é linear, ele é exponencial, porque quando se aumenta o volume, está aumentando em três dimensões. Então para uma peça de custo X, com o dobro do volume, [o custo] vai passar para, 4 ou 5 X”, explica Artur.

Cachorrinha Nina, entrevistas e testes

Foi em 2018, no início de sua graduação, que Artur fez seus primeiros trabalhos sobre cães com deficiência. A motivação inicial, ou “a fonte de tudo”, nas palavras dele, foi Nina, a cachorrinha de sua tia que nasceu sem as duas patas da frente. “Sempre foi um desafio bem grande, para ela, achar uma solução, porque o pior caso de problema de locomoção do cão é quando ele não tem o movimento das patas da frente, que é onde é colocado o maior peso. A solução mais difícil sempre foi essa. Então, ela veio falar comigo porque sabia que estava começando a surgir esse negócio da impressão 3D para próteses e tal. (…) Numa ocasião de uma disciplina lá no começo do curso, eu trabalhei numa prótese, e até virou um artigo, que eu apresentei no Ensus [Encontro de Sustentabilidade em Projeto] de 2019, mas ficou por isso. E aí chegou no PCC [projeto de conclusão de curso], e me voltou isso, que era um tema bem interessante de trabalhar o design social”, recorda.

Infelizmente, a cadeira criada por Artur não contempla as especificidades da situação de Nina. “Ela acabou ficando muito tempo sem uma solução definitiva e isso acabou atrofiando demais a coluna dela. Então, não conseguiu mais se adaptar a nenhuma outra cadeirinha, a nenhum outro dispositivo”, conta. 

A partir daquela instigação inicial, contudo, o jovem buscou identificar as principais demandas de tutores de cachorros com deficiência, ONGs e veterinários. “Então eu fui tentar conversar com essas pessoas, fui em grupos de Facebook, que têm bastantes ONGs. No caso da pandemia, eu visitei pessoalmente muito pouco, mas em 2018, quando fiz aquele projeto anterior, visitei uma ONG também. (…) Com veterinários, também conversei bastante por telefone, e fiz uma chamada de vídeo com um desses veterinários lá do Rio Grande do Sul”, relata.

Até o momento, a cadeirinha só foi testada em duas cadelinhas sem deficiência: Pitty e Teresa Cristina, mais conhecida como Tetê. Por terem plena mobilidade nas quatro patas, nenhuma das duas se sentiu muito à vontade com as patinhas presas e um dispositivo estranho junto ao corpo. Mas a etapa é importante para verificar se as dimensões estão corretas, se há necessidade de ajustes, entre outras questões. 

O próximo passo são os testes com diferentes cães com deficiência. Artur já está em contato com cuidadoras de animais com paralisia nas patas. A ideia é fabricar algumas cadeirinhas para os cães que precisam, sem custos, e aproveitar para validar o projeto com uma amostra maior de animais. 

“Esse é um tipo de projeto que representa uma realidade, que não é um projeto simplesmente acadêmico, que morre numa apresentação de um trabalho final de graduação. É um trabalho que tem um cunho muito importante social. (…) Ele pode simplesmente ser fabricado, distribuído, utilizado e ajudar diversas pessoas que têm animais nessa condição. É um exemplo de que, sim, a pesquisa na universidade é muito importante”, enfatiza a professora Regiane. “Acho que o trabalho do Artur tem tudo para dar certo como um exemplo bem real de que a pesquisa vale a pena, de que a pesquisa tem como ajudar a sociedade”, complementa.


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