Dos oito óbitos no trânsito de Blumenau, seis envolveram motocicletas
Foto: ReproduçãoWednesday, 21 June 2017
De 2001 a 2017, quase 300 condutores ou passageiros de motos perderam a vida no trânsito de Blumenau só no perímetro urbano.
Parece até notícia repetida e pelo andar da carruagem continuaremos a noticiar, comentar e tentar explicar a recorrência dos acidentes envolvendo motocicletas, seus condutores e caronas. Com a morte de um passageiro de motocicleta no dia 17 de junho, sobre para 8 a quantidade de óbitos em perímetro urbano na cidade de Blumenau. Desde janeiro de 2017 até o dia 19 de junho, destas 8 mortes, 6 envolveram motocicletas: 4 eram condutores, 1 era passageiro 1 era pedestre atropelado por motociclista. Dada a gravidade do impacto na colisão, dois morreram no local e os demais no hospital. Três deles estavam alcoolizados no momento do acidente. De 2001 a 2017, só no perímetro urbano conforme estatísticas da Guarda Municipal de Trânsito, 297 condutores ou passageiros de motos perderam a vida no trânsito de Blumenau; outros 137 eram condutores ou ocupantes de veículos; 122 pedestres e 43 ciclistas. Também não é novidade que o comportamento dos usuários do trânsito seja determinante para potencializar, causar e evitar o acidente. Mas, porque será, então, que os motociclistas, motoristas e pedestres continuam provocando e sendo vítimas de tragédias no trânsito?
O Ramon era condutor de motocicleta, tinha 20 anos e faleceu em janeiro de 2017.
O Felipe tinha 17 anos, era condutor de motocicleta e perdeu a vida em fevereiro.
O Lauro tinha 67 anos, era pedestre e foi atropelado por um motociclista em março.
A Maiara tinha 22 anos, era condutora de motoneta e perdeu a vida em abril.
O Silvio tinha 52 anos, era condutor de motocicleta e morreu em junho depois de uma colisão frontal.
O Leonardo tinha 19 anos, era passageiro de motocicleta e teve a vida interrompida em junho.
Outra coisa que chama muito à atenção: o tipo de via. Ruas Engenheiro Udo Deeke, Dois de Setembro, Amazonas, João Pessoa, Bahia, Itajaí, Professor Jacob Ineichen e o cruzamento entre as ruas 25 de Julho e Dois de Setembro. Com exceção deste cruzamento, as demais vias são retões e estão entre as que mais se registram acidentes de trânsito.
Qual a explicação?
Todo acidente de trânsito não tem só uma causa: é uma somatória de fatores que envolvem o homem, o veículo, a via e o ambiente (noite, dia, chuva, sol, eventos festivos, final de semana, etc...). O comportamento de risco também potencializa o acidente e a gravidade. Por exemplo, um dos motociclistas mortos tentou se evadir da PM porque estava com o licenciamento da moto e a CNH vencida. Outra morte no início do ano se deu em condições parecidas, com o condutor sem habilitação, menor de idade, em fuga da PM, até que perdeu o controle da moto, colidiu e dada a violência do impacto, não resistiu.
Ao contrário do que dizem, as pessoas não se transformam quando assumem o guidom ou o volante: elas apenas mostram como são, agem e reagem conforme seus traços de comportamento, o seu estado emocional, conforme a educação ou a falta dela; encontram no trânsito um gatilho para despressurizar a agressividade, a raiva e a ira. Acelerar, pisar fundo, correr, demonstrar habilidades em forma de imprudência e negligência é uma forma de tentar compensar sentimentos de inferioridade ou se autoafirmar diante de si mesmos, dos outros e no trânsito.
Fatores humanos: os mais difíceis de controlar
Os fatores e falhas humanas no trânsito são apontados na literatura da Psicologia e do Trânsito como responsáveis por mais de 90% das causas de acidentes. Para a psicóloga perita examinadora do trânsito, Simone Ciotta, estes são os fatores mais difíceis de se controlar. Alguns aspectos físicos como a questão do estado e conservação das vias, os acessos, a falta de manutenção do veículo, documentação, buracos, falta de sinalização nas vias, por exemplo, podem ser corrigidos mais facilmente para eliminar determinados tipos de riscos.
“As falhas humanas, essas são mais difíceis de gerir porque estão ligadas às suas atitudes, à forma de pensar e de agir, e isso inclui: a vontade de infringir a lei, formas de extravasar uma mágoa, falta de respeito, falta de educação. As falhas humanas estão muito relacionadas a princípios e valores, e isso significa: o quanto eu respeito, o quanto eu valorizo a minha vida e a vida do próximo, o quanto eu levo em conta essas questões”, afirma a psicóloga do trânsito. “Pode-se até orientar e educar as pessoas, mas, gerenciar e eliminar as falhas 100%, isso não”, complementa a psicóloga.
A teoria do queijo suiço
A psicóloga Simone Ciotta explica a teoria do queijo suíço: um acidente acontece quando vários fatores se alinham. “O queijo suíço é aquele queijo cheio de buraquinhos, muito bem representado nos desenhos infantis: quando esses buraquinhos se alinham o acidente é provocado.” Por exemplo, cada fator representa o buraco do queijo: o buraco da estrada com a chuva, com o excesso de velocidade, com o pneu e o veículo em mau estado de conservação, com o uso do celular, com a imprudência, ou com o sono, a relação com o beber e dirigir, enfim, quando vários fatores se alinham. Esses aspectos podem ser separados de algumas formas, mas, em algum momento, irão compor o acidente.
“Eu consigo controlar alguns comportamentos e atitudes através da multa, através das mensagens de educação para o trânsito pelas quais eu me interesso, através de leis, de punição. A rua bem feita, bem sinalizada, sem buraco, o carro revisado. Já os aspectos ligados ao ser humano não se tem garantia de conseguir controlar 100%”, reafirma Simone Ciotta.
A moto e a sociedade dos inválidos
Essa é a relação que é feita pela especialista em trânsito, Márcia Pontes: “estamos nos transformando na sociedade dos inválidos devido às ocorrências e gravidade dos acidentes, sobretudo envolvendo motocicletas”.
A moto é um veículo pequeno, mais ágil que os carros, alcança mais veloxcidade em menos tempo que outros veículos e dá a falsa ideia de que passa por qualquer lugar, qualquer “buraco”, qualquer brecha no trânsito. Povoa o sonho de consumo de muitos adolescentes que começam a empinar e a fazer malabarismos já com as bicicletas pelos ganhos sociais que trazem (equivocadamente) para eles. Se autoafirmarem nos grupos de adolescentes, serem respeitados e ser reconhecidos nesses grupos, admirados pelas meninas, necessidade de se impor diante dos seus pares, prazer em infringir as regras e figuras de autoridade, e por aí vai.
Some-se a isso os reflexos da vida moderna que faz com que as pessoas estejam sempre apressadas, desatentas, cometendo infrações, as “roubadinhas” e outras corrupções do dia a dia no trânsito em busca de levar vantagem, de chegar primeiro. E é aí onde as infrações que dão errado se transformam em acidentes de trânsito que matam e ferem os infratores ou inocentes que acabam pagando a conta da irresponsabilidade do outro.
De modo geral, dentre os fatores que podem ser controlados, se as pessoas dirigissem e se comportassem com mais atenção e mais condutas preventivas no trânsito conseguiriam se antecipar aos riscos da via, deixariam de cometer erros e de provocar acidentes.
Para Márcia Pontes, o trânsito é a rede social mais antiga que existe e é marcada pela interdependência uns dos outros: o que um faz na via ou no comando do seu veículo diz respeito ao outro, afeta a vida do outro, pode decidir os seus próprios destinos e os dos outros.
A Minha Escolha faz a Diferença foi o tema do Maio Amarelo 2017 e é o mesmo tema da Semana Nacional do Trânsito, direcionando o foco das ações, mobilizações e reflexões para a responsabilidade de cada um para um trânsito seguro. Ainda que os fatores humanos sejam os mais difíceis de controlar, com mais inteligência emocional e conscientização (conscientizar é cair a ficha), cada um pode fazer a sua parte para evitar a sociedade dos inválidos de acidentes de trânsito. Sobretudo, envolvendo motocicletas.