Leis de trânsito em Blumenau: quando querem mudar as regras e o jogo

Leis de trânsito em Blumenau: quando querem mudar as regras e o jogo
Foto: Reprodução

Monday, 26 June 2017

Não demora, ela cai e os homens que fazem as leis na cidade passam por nova vergonha.

Já em 2015, quando a lei inconstitucional que pretende converter automaticamente multa em advertência ainda era uma ideia na cabeça dos políticos, eu já avisava: é inconstitucional! Não faz! Vai passar vergonha! A primeira tentativa de aprovar tombou por parecer inconstitucionalidade, só que 2 anos depois o Executivo encaminhada a patuscada de novo, o parecer jurídico é contrário, mas os vereadores aprovaram e o Executivo, cujo chefe é advogado de formação, passa por cima também e sanciona mesmo sabendo inconstitucional.

Agora são obrigados a ler publicamente a resposta do Detran SC: goo.gl/jHrAZw. 

A próxima é a lei municipal que tenta obrigar a distribuição gratuita de imagens de infrações flagradas por câmeras de videomonitoramento e autuadas pelos agentes de trânsito. Não demora, ela cai e os homens que fazem as leis na cidade passam por nova vergonha.  

Conta a história que a única bola do jogo pertencia a um menino que não jogava muito bem. Era perna de pau mesmo, daqueles que pisam na bola e tomam olé da própria sombra. Ninguém queria o tal menino no time de tão ruim que era, mas ele era o dono da bola e se escalava a si próprio. Das duas uma: ou o aceitavam no time ou ele ficava emburrado, queria mudar as regras, abraçava a bola e ia embora. Daí pronto: acabou o jogo e ninguém mais brinca. Na teimosia de impor regras fáceis o menino dono da bola determinava que o outro lado jogaria sem goleiro. Era tão persuasivo por ser o dono da bola que até quem era prejudicado por um jogador a menos concordava com as novas regras do jogo, mesmo sabendo-as injustas. Havia até quem comemorasse, corresse e abraçasse o dono da bola mesmo quando não era ele quem fazia o gol. Realmente, isso era muito feio quando se tratava de meninos. 

Desde cedo aprendemos que na vida em sociedade há regras para tudo, muitas delas, impostas pelo Direito e pelos Códigos e Diplomas Legais que temos de respeitar. No caso do trânsito, o nosso campo agora é de asfalto esburacado em muitos trechos e que ganhou um juiz (Ministério Público) para evitar os abusos dos meninos que se acham os donos da bola. Justamente para que eles não mudem, por gosto, por marra, por birra ou por qualquer outro motivo as regras do jogo que não podem ser mudadas para que fiquem à seu favor. Se alguns insistem é porque sabem que haverá na plateia quem corra para abraçá-lo simplesmente por serem (ou se acharem) os donos da bola, mesmo que ainda tropecem nas próprias pernas. 

Não se pode desrespeitar a hierarquia das leis: primeiro a Constituição Federal, a quem o artigo 22 determina ser de competência exclusiva legislar sobre trânsito; o Código de Trânsito Brasileiro, o Conselho Nacional de Trânsito – Contran (por mais que de vez em quando pise na bola), bem como as suas Resoluções e Portarias do Denatran.  Leis federais valem e devem ser cumpridas em todo o país; leis estaduais em todo o estado e leis municipais em cada município. Uma não passa por cima e não atropela a outra. 

No que tange aos municípios, as suas atribuições estão descritas no artigo 24 do CTB e não podem sair desses limites. Em alguns assuntos de trânsito (e não são todos), cabe ao Executivo municipal legislar, quando possível, em assuntos estritamente relacionados à estacionamento, parada e circulação. Em assuntos de fiscalização cujas regras do jogo são feitas por órgãos autônomos e superiores, valores, penalidades ou nulidades de multas, nunca! 

Como se não bastasse vergonhoso para o país vereadores insistirem em legislar e propor projetos de lei inconstitucionais a partir de uma leitura míope do artigo 30 da Constituição Federal, alguns deles sendo advogados, mais vergonhoso ainda é passar por cima de decisões jurídicas, de pareceres jurídicos das próprias Câmaras Municipais, neutralizando aqueles profissionais que estão à serviço dessas casas legislativas, de seus representantes, da constitucionalidade das leis e da sociedade. Prova disso são as 8 páginas de robusta fundamentação legal da assessoria jurídica da Câmara Municipal de Blumenau tentando mostrar e ensinar aos vereadores porque a lei que tenta distribuir gratuitamente as imagens de videomonitoramento é inconstitucional. E mesmo assim, os vereadores ignoram, passam por cima, aprovam um projeto de lei inconstitucional que jamais deveria ser apresentado, o aprovam e encaminham para sancionamento. E pasmem! Um advogado de formação sanciona a inconstitucionalidade. 

E aí vem a pergunta: para que servem as assessorias jurídicas das Câmaras de Vereadores? Porque pagá-las e mantê-las se os seus pareceres não são respeitados quando não agradam ou vão contra os interesses dos vereadores? 

Vergonhoso destacar um artigo do CTB e fazer em cima dele um Projeto de Lei que nada mais é do que um arremedo mal feito e inconstitucional para votar e transformar em lei municipal. Mais vergonhoso ainda que políticos advogados de formação assinem embaixo daquilo que sabem ser inconstitucional. Como meninos birrentos que não sabem jogar bola, mas, impõem a sua presença no campinho, querem passar por cima das regras, determinar que o outro time jogue sem goleiro ou até sem time, pois o que importa é vencer o jogo, custe o que custar. 

Fazem leis de trânsito que não têm autoridade e legitimidade para fazer, como é o caso da lei da gratuidade das imagens das infrações por videomonitoramento. No que confiam? Que o Ministério Público vai demorar para ser provocado, acatar e encaminhar uma denúncia de inconstitucionalidade? Confiam na falta de conhecimento da população, tão fácil de ser manipulada e enganada? 

O fato é que tem muito político que fala de videomonitoramento sem ter colocado os pés na sala de operações das câmeras, sem conversar com os técnicos da Secretaria de Planejamento, de Sinalização Viária, de gestão do trânsito, para saber o quanto esses equipamentos auxiliam para a tomada de decisões estratégicas e que servem para muito mais do que orientar o agente a autuar uma infração. 

Ousam fazer projetos de lei sem sequer ter aberto um CTB, sem conhecer as Resoluções do Contran, as Portarias e Resoluções do Denatran, do Contran e do Cetran de seus estados. Sem conhecimento e sem propriedade, fazem posicionamentos públicos prometendo acabar com a indústria da multa porque sabem que é isso que muitos eleitores querem ouvir. Só que são os mesmos que vociferam em tribunas e em redes sociais quando os cruzamentos ficam trancados na hora do rush. Nossa, como o trânsito de Blumenau está violento! Vamos cobrar de quem? Que tal começar cobrando pela própria consciência na hora de prestar desserviço à segurança no trânsito e afagar a cabeça dos infratores que dão votos? Pois, se não sabem, cada acidente é a infração que não deu certo, que deixou de ser flagrada e autuada pelos agentes. 

Prestam desserviço quando dificultam o trabalho dos gestores do trânsito na cidade e tentam, à todo custo, aprovar leis inconstitucionais que mais prejudicam do que ajudam. Então, para tentar esclarecer o rol de inconstitucionalidades em torno da lei sucupiresca que praticamente acabou com o videomonitoramento na cidade, lá vai: 

  1. O fornecimento de imagens da infração só é obrigatório para equipamentos metrológicos, ou seja, quando o próprio equipamento eletrônico flagra e emite a infração (como no caso das lombadas eletrônicas);
  2. As câmeras de videomonitoramento da Polícia Militar são equipamentos não-metrológicos: eles não medem nada, eles não registram nada sozinhos! Eles permitem visualizar a infração, mas quem autua é o agente de trânsito por trás das câmeras! Portanto, vale a fé pública do agente, como bem determina a Constituição, o CTB e o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito;
  3. Somente a Resolução 532 do Contran poderia, caso fosse transformada, exigir que se apresentasse imagens da infração por videomonioramento, por equipamento não metrológico; mas, não exige porque é inconstitucional e tiraria a fé pública do agente;
  4. Vereador não pode legislar em assuntos de trânsito e apresentar projetos de lei mesmo clamando pelo artigo 30 da Constituição Federal, sobre legislar em assuntos de interesse local;
  5. Por força do artigo 24 do CTB o Executivo pode tomar decisões em relação ao trânsito na cidade sem a necessidade de encaminhamento de projetos de lei: basta fazer uso do dever de ofício;
  6. A lei que obriga apresentar imagens é municipal, mas a dona das câmeras e das imagens é a PM, e PM é estado (o município não pode obrigar o estado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa);
  7. Tanto que a PM é dona das câmeras, que cobra uma taxa de R$ 50,00 para liberação das imagens e o condutor ainda tem que levar um pendrive para gravação. 

Será que ninguém pensou nessas questões estruturais, legais e constitucionais antes de propor, aprovar e sancionar uma lei impossível de aplicar?  Qual era a ideia? Acabar com o videomonitoramento? Pois, é isso que já está acontecendo, e em breve os que criaram o imbróglio jurídico irão a público reclamar, bufar e vociferar porque estão trancando os cruzamentos em horário de pico, contra o alto número de colisões porque alguém fez uma conversão em local proibido ou trocou de faixa sobre linha contínua embaixo de semáforo. 

A indústria da multa é uma chorumela antiga e a última tentativa de muitos desesperados com a carteira cheia de pontos por infrações que eles mesmos cometeram. Vão se passar 300 anos e o assunto nunca deixará de ser pauta, motivos de discursos apaixonados e de tentativas de acabar com a fiscalização. 

Podem encher os motoristas de imagens que muitos deles sequer saberão começar a primeira linha de sua defesa ou recurso de multa porque não aprenderam, porque não são orientados e porque, assim como muitos que insistem em fazer leis que não podem por impedimento legal, não têm conhecimento. 

O trânsito vai continuar ruim, caótico nos finais de tarde? Vai. E tende a piorar. Esse sim, é o grande desafio que deixaria a comunidade ainda mais satisfeita caso fosse resolvido. Acabar com a fiscalização na cidade só vai aumentar a quantidade de acidentes, os abusos dos condutores e a simpatia dos eleitores a quem presta este enorme desserviço à sociedade. 

Parabéns! Queriam acabar com o videomonitoramento na cidade para cair no gosto de parte da população? Conseguiram! Por pouco tempo, mas conseguiram. Agora não esqueçam de reclamar bastante em redes sociais e nas tribunas quando o trânsito não andar porque os motoristas trancam os cruzamentos. Não esqueçam de reclamar bastante quando o risco aumentar por conta de quem fura o sinal vermelho ou do aumento das colisões por parte de quem faz conversão em local proibido. 

Para quem quiser conhecer melhor as razões da inconstitucionalidade da lei municipal sucupiresca que obriga sem poder obrigar a gratuidade de imagem de equipamento não metrológico, seguem as 8 páginas de fundamentação legal que mais são uma aula de Direito elaborada pela assessoria jurídica da Câmara. A mesma assessoria jurídica que foi ignorada pelos próprios vereadores que deveriam ser orientados por ela e pelo Executivo que sancionou a patuscada. 

Eu só não entendo o seguinte: a prefeitura gasta uma baba por mês para manter o convênio com a PM para usar as câmeras de monitoramento, encheu a cidade de placas permitindo a fiscalização por câmeras, anuncia aos quatros cantos que o videomonitoramento chegou, que é um avanço, uma melhoria, que vai diminuir infrações e acidentes, e o próprio Executivo sanciona por meio de uma lei inconstitucional o seu fim. Se as câmaras pertencem à PM, assim como as imagens, que para serem obtidas necessitam do pagamento de uma taxa de R$ 50,00 à Polícia Militar, como o Seterb vai distribuir de graça imagens que não lhe pertencem de infrações captadas por equipamentos não metrológicos? 

É por essas e outras iniciativas, projetos de lei e leis inconstitucionais que o trânsito não é levado a sério em Blumenau. Desse jeito não melhora nunca! Ou será essa a intenção?


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Márcia Pontes

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