Como a Americanas criava contratos falsos para turbinar lucro?

Como a Americanas criava contratos falsos para turbinar lucro?
Foto: Divulgação

Tuesday, 13 June 2023

A fraude ocorrida no valor de R$ 21,7 bilhões parece se tratar de um esquema de criação de contratos totalmente “frios” de bonificação para a rede se apropriar da redução do custo de mercadoria vendida.

A fraude ocorrida na Americanas, por meio de contratos de verba de propaganda cooperada, no valor de R$ 21,7 bilhões, parece se tratar de um esquema de criação de contratos totalmente “frios” de bonificação para a rede se apropriar, no seu resultado, da redução do chamado custo de mercadoria vendida (CMV).

A informação dada hoje pela Americanas, em comunicado, fala em acordos de bonificação sem contrato com fornecedores e “sem lastro”, ou seja, indica a existência de criação de verbas totalmente fictícias.

Em geral, pelos casos já noticiados no setor, essa manipulação de dados nas demonstrações podem envolver contratos completamente inventados, que nunca ocorreram, ou contratos existentes, e manipulação do valor das verbas de acordos fechados.

Executivos de varejo, a par das informações sobre fraude divulgadas hoje pela Americanas, afirmam que esse modelo de maquiagem de números usando verbas de propaganda, negociadas com a indústria, tem sido foco de problemas em diferentes balanços do setor nos últimos anos — Carrefour foi um desses casos, em 2010, mas em volume muito menor, de R$ 1,2 bilhão, e não eram verbas de contratos totalmente “frios”.

Um esquema fraudulento consegue ser implementado nas empresas porque tratam-se de contas administradas basicamente pelo comercial e pelo financeiro, que envolvem milhões de entradas e saídas de receita e verbas acertadas, em termos de valor e prazo, o que abre espaço para fraudes.

Formatos de manipulação

Há diversas formas de “turbinar” o resultado usando as bonificações da indústria, mas elas se concentram, basicamente, em dois modelos principais.

Inicialmente, a varejista assina um contrato de compra de produtos, normalmente anual, e acerta de pagar um valor “x” de verba promocional, e essa verba vai sendo contabilizada como desconto no produto à medida que a meta é alcançada.

Por exemplo, é acordado uma venda de R$ 200 milhões em certo produto no ano, e bonificação de R$ 2 milhões, alinhado com exposição da mercadoria em certos espaços de lojas e em tablóides. E se a venda ocorrer após as ações de marketing, os R$ 2 milhões vão sendo computados como redução do CMV, mês a mês.

Um CMV melhor melhora lucro bruto e pode elevar margem bruta, além de ter efeito positivo em toda a demonstração de resultados.

O problema é que há redes que computam essa verba já no começo do ano, o que reduz o CMV e melhora lucratividade, mas se a meta acertada de venda não ocorre em determinados meses, elas não fazem o estorno do desconto computado inicialmente e se apropriam de um ganho que nunca ocorreu.

A segunda forma são os “contratos frios”, ou seja, acordos por meio de desconto sobre o preço que nunca ocorreram — ou seja todo o contrato é falso.
“Para se chegar a uma fraude em verba de quase R$ 22 bilhões teriam que fazer um esquema de contrato frio basicamente, porque o valor é muito elevado. Não dá para lançar tudo isso em fraudes em contratos reais, até porque a indústria reagiria , já que os contratos são auditados”, diz um diretor comercial.

No comunicado, a Americanas diz que os contratos de verba “teriam sido artificialmente criados” para melhorar os resultados operacionais, mas sem a contratação com fornecedores.
Nas notas explicativas dos balanços da Americanas (do braço digital da B2W e da Lojas Americanas), a empresa fornece poucas informações de acordos de bonificação. Não há menção, nos três últimos relatórios anuais, ao valor de verba cooperada especificamente.

Mas a rede informa como trata os acordos com a indústria e indica se tratar de um contrato usual do varejo.

No último relatório anual que publicou, de 2021, a empresa diz que as contas a pagar aos fornecedores são obrigações contraídas por bens ou serviços adquiridos no curso normal dos negócios.
E essas obrigações podem ser deduzidas de recebíveis quando há acordos comerciais firmados com os fornecedores para divulgação ou realização de promoções de determinados produtos.
Ou seja, ela desconta um montante do valor a receber (negociado com as indústrias), por conta de campanha de promoções. Mas não relata a forma como isso se dá.

A rede diz também que são classificadas como passivos circulantes se o pagamento for devido no exercício de até um ano. Caso contrário, essas contas a pagar são apresentadas como passivo não circulante.

“São mensurados pelo custo amortizado com o uso do método de taxa efetiva de juros”, informa.

Além da questão das verbas cooperadas, a empresa disse hoje que, como forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações das Americanas, a diretoria que contava com o ex-diretor presidente Miguel Gutierrez contratou uma série de financiamentos nos quais a companhia é devedora perante instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, todas inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores.


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Redação

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