A infiltração do crime organizado na economia formal

A infiltração do crime organizado na economia formal
Foto: Imagem meramente ilustrativa

Wednesday, 30 July 2025

Riscos para a atividade econômica e para os investimentos.

A reportagem intitulada "Faria Lima começa a medir ‘risco PCC’ em investimentos e negócios"[1], publicada na Folha de S.Paulo no último dia 29 de junho, mostra a crescente preocupação com a presença do crime organizado em vários setores econômicos.

A Folha entrevistou empresários, investidores, gestores de fundos nacionais e internacionais, economistas e líderes, tendo identificado um receio comum: “As facções estão encontrando brechas na economia formal, ameaçando não apenas os ganhos de grandes empresas que atuam na legalidade, mas também a segurança do ambiente de negócios”. “A leitura é que, se os criminosos chegarem a comprometer grandes companhias de São Paulo, perde-se o Brasil.”

Embora se mencione o risco PCC e a chamada “ala business do PCC”, é evidente que a preocupação é com o risco do crime organizado como um todo, o que abrange igualmente o CV (Comando Vermelho) e outras estruturas semelhantes.

Como se sabe, a relação entre crime organizado e negócios é antiga, até diante da necessidade de mecanismos de lavagem de dinheiro e canais de distribuição de produtos ilegais obtidos por meio de roubo, contrabando, adulteração e falsificação. O que tem mudado mais recentemente é a forma como o crime organizado agora está se infiltrando e consolidando nos negócios usuais da economia formal.

Em reportagem anterior, a revista Veja já havia identificado que o PCC estaria expandindo seus tentáculos para o mercado formal e suas atividades criminosas para além do tráfico de drogas, tendo se tornado uma verdadeira multinacional[2].

Além de atividades ilícitas diversificadas, como garimpos ilegais na Amazônia e crimes cibernéticos como o estelionato digital e a lavagem de dinheiro por meio de criptomoedas, a facção estaria avançando em diversos mercados da economia formal, como imóveis, agências de artistas e jogadores de futebol e contratos do serviço público. Daí a conclusão de que estão cada vez mais confusos os limites dos negócios formais e dos negócios do crime.

O Globo também já havia destacado operação do Ministério Público que investigou a atuação do crime organizado em mercados formais e chegou a resultados assustadores em São Paulo, dentre os quais os de que pelo menos 250 loteamentos imobiliários, mais de 300 postos de combustíveis e pelo menos 60 clínicas odontológicas já estariam sob o controle de criminosos[3].

Além disso, o crime organizado controlaria as empresas UPBus e TransWolff (TW), que transportam quase 700 mil pessoas por dia e receberam quase R$ 80 milhões em remuneração da Prefeitura de São Paulo. A reportagem entrevista o promotor Lincoln Gakiya, que esteve à frente da operação, para quem o PCC tem assumido contornos de máfia, cuja característica principal é a infiltração nos poderes do Estado.

Em sentido semelhante, reportagem do UOL já havia apontado que, de acordo com o Coaf, empresas usadas pelo PCC movimentaram R$ 32 bilhões em quatro anos e estavam consolidando a sua atuação também no mercado econômico e financeiro, sendo exemplo disso a Rede Boxter de postos de combustíveis[4].

Vários desses dados foram consolidados na recente reportagem da Folha[5], cuja conclusão é no sentido de que “operações policiais já indicaram que as facções estão se infiltrando em áreas tão diversas quanto refino, distribuição e venda de combustíveis, mercado imobiliário, transporte privado e público, clínicas odontológicas e diferentes serviços, como de internet, saúde, limpeza urbana, coleta de lixo e até no setor financeiro.”

No setor imobiliário, antes de ser assassinado a tiros no Aeroporto de Guarulhos, o empresário Antônio Vinicius Lopes Gritzbach explicou como o crime organizado estava usando os FIPs – fundos de investimento em participações – para ter acesso à economia formal[6].

Para além disso, a internet e os novos negócios vêm propiciando, especialmente a partir da pandemia, novas frentes de atuação para o crime organizado, inclusive por meio de soluções inovadoras, como é o caso das fintechs e bancos digitais. Não é sem razão que a Polícia Federal descobriu que bancos digitais usados pelo PCC já movimentaram R$ 7,5 bilhões[7].

Esse preocupante processo vem ocorrendo de forma rápida e com algumas características que merecem nota. A primeira delas é a total falta de transparência. Um dos exemplos citados pela reportagem da Folha é que “uma investigação identificou gente ligada ao PCC em agencias que cuidam da carreira de funkeiros, sem que os artistas tivessem a menor ideia".

A segunda é o grau de organização. A reportagem da Folha mostra que a Operação Fim da Linha, responsável por identificar o PCC em empresas de ônibus que chegaram a transportar cerca de 700 mil passageiros diários nas zonas sul e leste da capital paulista, apurou que a facção se infiltrou nas licitações de transporte público a partir de uma estrutura sofisticada, que envolve a formação de uma rede de advogados especializados em concessões públicas, bem como a criação de empresas e perfis que possam disputar e ganhar licitações[8].

Diante desse contexto, Fabio Bechara, integrante do Gaeco do MPSP, apontou que “se antes os criminosos precisavam enterrar dinheiro, agora alguns já lavam recursos por meio de uma fintech aberta por parceiros; se antes saqueavam transportadoras para vender segurança ou ter influência sobre a empresa, agora tentam manter as suas próprias frotas”.[9]

Tal diagnóstico é bastante preocupante porque, com o embaçamento das fronteiras entre os negócios formais e os negócios do crime, as organizações criminosas podem se aproveitar de importantes sinergias e vantagens da economia formal para dinamizar ainda mais a atividade criminosa e operacionalizar mais facilmente lavagem de dinheiro e outras práticas ilícitas.

Ao lado do fomento das atividades ilícitas, a participação do crime organizado também traz consequências nefastas para a economia formal, a começar pelo problema de concorrência desleal, uma vez que os negócios financiados pelo crime costumam apresentar inúmeras vantagens indevidas sobre os demais, o que pode comprometer a rivalidade por parte dos agentes econômicos que procuram cumprir a lei.

Além das medidas de direito penal, o contexto descrito enseja também importantes reflexões sobre falhas regulatórias específicas e brechas na lei que podem estar sendo utilizadas para a penetração espúria do crime organizado na economia formal. Essa tem sido uma realidade no mercado de combustíveis, por exemplo, o que vem abrindo espaço para práticas ilegais como adulteração, sonegação, fraudes em medição de bombas, importação ilegal de nafta, dentre outras.

Mais do que isso, o contexto descrito suscita a discussão sobre se e em que medida o déficit de transparência das atuais estruturas societárias e de veículos de investimento, ao possibilitarem uma certa anonimização dos verdadeiros controladores e investidores – ou pelo menos ao facilitarem a sua ocultação ou dificultarem sua identificação – também não tem sido poderoso incentivo e instrumento facilitador para a crescente presença do crime organizado nos negócios formais.

Considerando que o crime organizado também procura se infiltrar nos poderes estatais, ainda é preciso ficar atento ao fato de que legisladores, reguladores e mesmo juízes podem estar a serviço das facçoes, o que pode direcionar a própria produção e aplicação do direito em prol dos interesses dos criminosos.

Como visto, é urgente uma reflexão mais aprofundada sobre o problema descrito, a fim de se mapear soluções eficientes, que necessariamente precisam ser estruturais e multidisciplinares. Afinal, há boas razões para se entender que o direito penal, sozinho, dificilmente conseguirá conter a crescente infiltração do crime organizado na economia formal sem que a regulação jurídica da atividade econômica – incluindo as regras jurídicas societárias e de investimentos – faça também a sua parte.


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Redação

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