Disparada do dólar traz à memória crise de 2002
Foto: ReproduçãoFriday, 08 June 2018
Para conter essa espiral, o Banco Central começou a subir os juros e levou a taxa de 18% para 26,5%.
O comportamento do dólar, que se aproximou hoje um pouco mais dos R$ 4,00, e dos juros de longo prazo faz o mercado reviver o mesmo clima de incerteza que dominou os negócios em outro ano eleitoral: 2002. À época, a ameaça de que um candidato de esquerda ganhasse o pleito e determinasse o calote da dívida externa - a grande fragilidade do país naquele momento - alimentou uma forte fuga de investimentos, que levou o dólar à máxima de R$ 3,99 e forçou o Tesouro Nacional a rolar a dívida pública com emissões de curtíssimo prazo.
Para conter essa espiral, o Banco Central começou a subir os juros e levou a taxa de 18% para 26,5%. Neste momento, o mercado não descarta o risco de o BC ter de volta a elevar a taxa Selic - que opera hoje na mínima histórica, a 6,5% - caso a deterioração prossiga, a despeito do quadro de atividade tão fragilizado.
A eleição presidencial marcada para outubro também é vista como uma ameaça. Não de um calote, mas de que o presidente eleito não ofereça a solução para o que é o grande nó da economia neste momento: o déficit fiscal que, se não for controlado, ficará insustentável. O receio do mercado é que os candidatos que aparecem com maior chance de vitória não tenham uma agenda à altura desse desafio ou, mais que isso, não consigam implementá-la.
Analistas consultados, alguns em condição de anonimato, fazem uma série de ressalvas sobre a comparabilidade entre 2018 e 2002. Mas, de forma geral, reconhecem que a tensão antes das eleições, combinada com um cenário externo menos amigável, ameaça conduzir os ativos para uma dinâmica ainda mais perigosa. Em algum grau, isso já está acontecendo, à medida que até mesmo o Banco Central de Ilan Goldfajn tem sido alvo de críticas - tanto pela gestão recente da política monetária quanto pela forma como atuou no mercado cambial -, o que tem se refletido na piora acentuada no câmbio e nos juros.
"Eu diria que, comparando os dois momentos, o país vive deficiências diferentes", diz o profissional de uma grande asset em São Paulo.
O nível de reservas internacionais é uma das diferenças mais lembradas. Hoje, o país dispõe de mais de US$ 380 bilhões em reservas cambiais. No melhor momento de 2002, esse colchão de liquidez não chegou a US$ 43 bilhões e caiu US$ 7 bilhões em apenas quatro meses - entre junho e outubro -, em meio às tentativas do Banco Central de conter a disparada do dólar.
Mas, se hoje o financiamento externo é mais um ponto de alento do que preocupação, o papel de algoz do mercado foi substituído pelas contas públicas. O déficit nominal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) era da ordem de 2,5% em meados de 2002. Já em 12 meses até abril de 2018 (último dado do BC), o rombo é de 7,51%. A dívida bruta do governo geral também subiu no período. Nas contas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil encerrou 2001 com dívida bruta de 70,1% do PIB, que aumentou para 78,9% em 2002. Para 2018, a expectativa é que essa proporção salte para 87,3% e alcance 96,3% em 2023. Em todo esse período, a dívida bruta combinada dos países emergentes se mantém em torno de 50% do PIB.
"Uma grande semelhança entre os períodos é a grande incerteza do mercado sobre como os candidatos na dianteira das pesquisas [eleitorais] vão lidar com o problema do momento", diz o profissional da gestora. Ele lembra que, em 2002, o medo do mercado era que, vitorioso, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva deixasse de honrar compromissos com investidores estrangeiros. "Hoje, a questão é como Bolsonaro ou Ciro vão tratar o rombo das contas públicas. E até agora não há clareza sobre como vão ajustar a dinâmica do fiscal, que só piora", completa.
O medo sobre trajetória da dívida, associado a um movimento global de reprecificação de ativos, está no centro da deterioração dos mercados locais neste ano. O dólar já sobe 15,80% neste ano e, ontem, fechou no maior patamar em mais de dois anos. Hoje, a cotação tocou uma nova máxima, a R$ 3,947, levando o BC a anunciar um novo leilão discricionário de swap.
Ao mesmo tempo, as taxas de juros negociadas no mercado dispararam. Na B3, o juro com vencimento em 2029, por exemplo, chegou a acumular alta de 366 pontos-base desde a mínima do ano, saindo de 9,78% ao ano, em março, para uma máxima ontem de 13,44%.
A falta de confiança é, para o sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, o que torna comparável o momento atual com 2002. "Há muita dúvida sobre a disposição dos candidatos que lideram as pesquisas de fazer as reformas necessárias", afirma Figueiredo, à época diretor de Política Monetária do BC. Mas o executivo destaca que, hoje, o que está em questão não é um risco de ruptura, como em 2002. "Ninguém está vindo com ideias de calote. A dúvida é se o plano que os candidatos estão apresentando é o correto e se eles vão conseguir implementá-lo."
Ainda assim, a piora acentuada dos ativos tem levado alguns agentes a classificar o mercado já como disfuncional, assim como em 2002. "O mercado está começando a ficar disfuncional, e essa instabilidade deve durar até a eleição", afirma o gestor de um fundo. Embora o país tenha hoje um nível de reservas muito mais elevado e contas externas saudáveis, o especialista considera que a situação seja tão frágil quanto era há 16 anos, porque o problema fiscal é muito grave e há pouca margem de manobra para lidar com ele. "Cortar despesas é quase impossível."
Trabalhando em 2002 na mesa de câmbio do Banco Bilbao Vizcaya, Reginaldo Galhardo diz que a sensação no mercado naquela época era de "terror", já que, para o mercado, a vitória de Lula significaria uma ruptura, à esquerda, em relação à política econômica então vigente. Para ele, os períodos são comparáveis, mas hoje a melhora dos fundamentos externos não deixa margem para um sentimento de "terror", como na época. Ainda assim, ele não descarta a possibilidade de os ativos ingressarem de forma mais duradoura numa espiral negativa. "Com o atual desenho para as eleições, o que temos ainda é uma incógnita, a exemplo de 2002. E se o mercado não tiver as dúvidas respondidas, não vai poupar nem câmbio, nem juros."
A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, alertou que o futuro da política econômica vai depender da capacidade de articulação do próximo governo, o que ainda é uma dúvida. O que diferencia o cenário atual de 2002, entretanto, é a maturidade do debate econômico. "O risco de 2019 não é um colapso nem justifica repetir o ano de 2002, mas há a preocupação de que economia seja apenas medíocre", diz. Ela destaca, inclusive, não há um clamor da sociedade por uma grande reversão de políticas econômicas. "As ruas estão vazias e ainda temos uma política econômica responsável, apesar do nervosismo e da turbulência no mercado", acrescenta.