Qual o saldo da viagem de Bolsonaro à Argentina?

Qual o saldo da viagem de Bolsonaro à Argentina?
Foto: Divulgação

Monday, 10 June 2019

Mercosul, hidrelétricas binacionais e até Guerra das Malvinas. Os temas discutidos pela comitiva brasileira com a diplomacia argentina durante a primeira visita oficial do presidente Jair Bolsonaro ao mais importante parceiro comercial do Brasil na região foram amplos.

Antes de deixar o país, na manhã de sexta (7), o presidente confirmou que discutiu com empresários a possibilidade de adoção de uma moeda única entre Brasil e Argentina, que seria chamada de peso-real.

Ele disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, teria dado o primeiro passo para o "sonho" da unificação monetária entre os dois países.

Guedes comentou que o tema interessaria mais aos argentinos neste momento. O ministro já escreveu sobre o assunto, entretanto, em 2008. Em uma coluna na revista Época, defendeu que uma moeda regional forte, que ele já chamava de peso-real, poderia ocupar um eventual vácuo deixado pelo dólar, no auge da crise financeira.

O Banco Central brasileiro emitiu nota afirmando que "não tem projetos ou estudos em andamento para uma união monetária com a Argentina" e que o que houve foi um diálogo "natural na relação entre os parceiros sobre estabilidade macroeconômica".

A comitiva

Bolsonaro levou a Buenos Aires sete ministros, entre eles o próprio Guedes e a titular da pasta da Agricultura, Tereza Cristina, além dos ministros de Minas e Energia e da Defesa.

Eles foram acompanhados do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que disse ter se juntado à comitiva para discutir o fomento do intercâmbio turístico entre argentinos e flumineses, do deputado federal Eduardo Bolsonaro e de Michelle Bolsonaro, que fez sua primeira viagem oficial como primeira-dama.

Fim do 'jejum' de Mercosul

O Mercosul foi um dos principais temas do encontro. De acordo com o Itamaraty, o foco daqui para frente será concluir três negociações hoje em curso: com o Canadá, a European Free Trade Association (EFTA), formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, e com a União Europeia.

A negociação do acordo com a União Europeia se arrasta desde 1999. Já foi travada e reaberta diversas vezes, justamente porque as partes não conseguem entrar em consenso sobre os termos do tratado de livre comércio, desde as tarifas até as cotas para exportação.

Para o Brasil, seria uma oportunidade para embarcar mais carne e outros bens primários para o continente. Já a União Europeia enxerga a oportunidade de aumentar a entrada de seus industrializados no mercado sul-americano.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse em Buenos Aires que espera que a assinatura aconteça ainda neste mês, na reunião técnica entre os blocos marcada para os dias 27 e 28 de junho na Bélgica, em paralelo à reunião da cúpula do G20.

A atenção dada ao Mercosuil quebra um jejum no discurso da política externa dos primeiros seis meses de governo, em que pouco se falou sobre a aliança entre os países da região, como observa Guilherme Casarões, professor da Fundação Getulio Vargas nas áreas de Administração Pública, Ciência Política e Relações Internacionais.

Para Virgílio Caixeta, pesquisador do Núcleo de Estudos do Mercosul da Universidade de Brasília (UnB), a sinalização de que o governo está atento ao bloco "não deixa de ser um afago ao setor industrial brasileiro", já que a região é o principal destino dos nossos bens industrializados, que têm tido dificuldade para serem escoados no mercado interno diante do ritmo fraco da economia.

As negociações com o Mercosul refletiriam, portanto, a "necessidade de pragmatismo" do governo diante dos indicadores ruins de atividade, que se refletiram em uma queda do PIB do país no primeiro trimestre de 2019.

"Pode ser um ponto de inflexão (na política externa)", ressalta o especialista.

Guerra das Malvinas e o 'velho Itamaraty'

Nesse sentido, também chamou a atenção de Caixeta o fato de o Brasil reiterar o apoio à soberania do vizinho sobre as Ilhas Malvinas, controladas pelo Reino Unido desde o início dos anos 80, após o conflito militar que marcou o fim da ditadura argentina.

O tema não chegou a ser destacado por Bolsonaro durante a visita, mas teve espaço na declaração conjunta emitida pelo Itamaraty.

"O Presidente da República Federativa do Brasil reiterou o respaldo de seu país aos legítimos direitos da República Argentina na disputa de soberania com o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, relativa às Ilhas Malvinas, Geórgias do Sul e Sandwich do Sul e aos espaços marítimos circundantes", diz o comunicado.

Ainda segundo texto, o presidente Mauricio Macri teria agradecido "o permanente apoio do Brasil à posição argentina na questão das Ilhas Malvinas, refletido na posição tradicional do Brasil sobre os acontecimentos de 1833 e nas numerosas declarações adotadas nos foros regionais e multilaterais nos quais a questão foi tratada".

Apesar de o posicionamento não ser novo, ele é importante no contexto atual porque "vai contra a ideia automática de alinhamento com os americanos (que vinha marcando a política externa brasileira)", diz Caixeta. Os Estados Unidos declaram apoio à soberania britânica sobre o arquipélago.

Do KC-390 às hidrelétricas no Rio Uruguai

De acordo com o Itamaraty, durante a visita também foram reafirmados compromissos antigos entre os dois países, como a cooperação na área de energia nuclear, por ocasião dos 25 anos do acordo quadripartite, e a aliança entre a Força Aérea argentina e a Embraer na construção do cargueiro militar KC-390.

Foram retomadas ainda as discussões sobre a viabilidade de construção de duas hidrelétricas na fronteira entre Rio Grande do Sul e Argentina, no rio Uruguai.

Eleições e protestos

Durante a visita, Bolsonaro voltou a falar sobre as eleições argentinas. No comunicado conjunto com Macri, realizado na Casa Rosada na manhã de quinta-feira (6), pediu aos argentinos que votassem com a "razão" e não com a "emoção".

No pronunciamento de pouco mais de 4 minutos, disse ainda que "a América do Sul está preocupada que tenhamos novas Venezuelas na região". A insinuação de que a eleição da chapa da opositora de Macri, Cristina Kirchner, pode levar o país a situação semelhante ao do regime de Nicolás Maduro vem sendo repetida pelo presidente há algumas semanas.

Ao contrário de outras ocasiões, entretanto, ele não citou o nome de Cristina, que hoje é senadora e se apresentará como candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Alberto Fernández.

Questionado sobre os comentários e sobre como ficará a relação Brasil-Argentina caso a chapa da ex-presidente vença as eleições de outubro, Bolsonaro disse que não estava em Buenos Aires "para falar de política interna".

"Mas tivemos uma experiência bastante triste no Brasil, semelhante à da Argentina, e a democracia e a liberdade têm que falar mais alto por ocasião das eleições", acrescentou, em conversa com jornalistas após o almoço com Macri.

Em maio, Kirchner anunciou que seria vice na chapa de Fernández, que foi seu chefe de gabinete por um curto período. A decisão da senadora de não ser cabeça de chapa, que surpreendeu o mundo político argentino, foi considerada uma estratégia da ex-presidente para tentar contornar o nível alto de rejeição à sua figura.

A jogada também foi interpretada como um aceno aos eleitores de centro, já que Fernández é visto como peronista moderado.

A agenda do presidente brasileiro se dividiu entre a Casa Rosada, na parte da manhã, a Embaixada brasileira e o hotel Alvear, onde se hospedou. No começo da noite, enquanto Bolsonaro estava reunido com empresários no hotel, brasileiros e argentinos protestavam contra a visita na Plaza de Mayo, a cerca de 3 km do local.


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Redação

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