Havan desiste de estreia na Bolsa de Valores

Havan desiste de estreia na Bolsa de Valores
Foto: Divulgação

Wednesday, 07 October 2020

Falta de operação digital forte e polêmicas do fundador Luciano Hang pesaram na disposição dos investidores.

A rede de varejo catarinense Havan decidiu mesmo suspender a abertura de capital na B3. A companhia pretendia fazer sua estreia avaliada em 70 bilhões de reais, mas o mercado só estava disposto a pagar entre 50 bilhões de reais e 60 bilhões de reais. O plano era realizar uma oferta pública inicial com uma parcela primária, ou seja para o caixa da empresa, e outra secundária, que vai para o bolso do dono.

O IPO da Havan tornou-se um dos mais conhecidos e esperados de 2020 depois que pessoas próximas à operação falaram que o negócio poderia ser avaliado em 100 bilhões de reais, o que equivaleria a um múltiplo de 130 vezes o lucro líquido de 756 milhões de reais registrado em 2019 — considerando que o desempenho deste ano está pior, devido à pandemia. O resultado dos primeiros meses deste ano foi de 86 milhões de reais, uma queda de 75% em relação ao lucro do primeiro semestre do ano passado.

Se alcançasse o valor ventilado no mercado, a companhia seria a sexta não-financeira da B3 com capitalização de centena de bilhão. Além de Petrobras, Vale, três dígitos só aparecem em Ambev, Weg, B3 e Magazine Luiza, entre as 337 empresas da bolsa. No preço que os investidores estavam dispostos a pagar, a Havan valeria entre 67 e 80 vezes o lucro do ano passado.

Depois que tornou seu prospecto público, a companhia passou a ser questionada por não ter uma operação digital forte o suficiente para buscar múltiplos que os investidores só estão oferecendo para companhias com potencial de crescimento ativado pela tecnologia. No ano passado, de uma receita líquida de 7,9 bilhões de reais, as vendas pelo site (o aplicativo ainda está em desenvolvimento) somaram apenas 77 milhões de reais.

Outro ponto que incomodou bastante foi a própria forma como Luciano Hang se apresentou. Apesar de ser descrito como um potencial problema no próprio prospecto, na seção fatores de risco, o empresário ao mesmo tempo tentava se vender como um fator de sucesso do negócio. Os investidores já estão calejados de controladores centralizadores no Brasil — nosso histórico corporativo foi construído sobre esse modelo de propriedade e poderes concentrados.

“Nosso presidente e acionista controlador já foi e é parte em processos relativos a condutas supostamente inapropriadas, e/ou ofensivas, inclusive decorrentes de sua opinião pessoal nas redes sociais, sendo que alguns tiveram ou podem ainda ter potenciais desdobramentos na esfera criminal. Em caso de decisões desfavoráveis, a reputação da companhia poderá ser afetada de maneira adversa, o que pode gerar efeito negativo sobre negócios e resultados operacionais. Não podemos assegurar que novos inquéritos ou ações envolvendo nosso presidente e controlador não surgirão no futuro”, diz o documento na seção sobre riscos.

Mas em um trecho antes, o documento da oferta pública coloca Hang como fator crítico do sucesso da empresa. “Atitude de dono e agilidade na tomada de decisão: somos uma companhia administrada, desde sua concepção, por nosso sócio fundador, o Sr. Luciano Hang. A forte presença e atuação de nosso fundador garante a nós uma série de diferenciais, dentre eles: (i) direção ágil na definição de estratégias e tomada de decisões; (ii) direção acessível e presente no cotidiano da companhia, o que resulta em um elevado índice de engajamento e sentimento de pertencimento para o restante da administração e colaboradores em geral; e (iii) relacionamento próximo, desburocratizado e intimista com clientes, fornecedores, terceiros e produtores integrados, refletindo na harmonia e longa duração de nossas relações comerciais.”

Apesar de impressionar quando fala, essa percepção positiva do empresário não prevaleceu entre os potenciais compradores, devido às aparições públicas de Hang serem, muitas vezes, em situações polêmicas ou embaraçosas. O empresário já se envolveu com sonegação fiscal. Em 2003, foi condenado a três anos, 11 meses e 15 dias de pena privativa de liberdade, além de multa por sonegar 10,4 milhões de reais em contribuições. A punição foi substituída por prestação de serviços comunitários e pagamento de dez salários mínimos mensais durante o período da condenação. Antes de ser obrigado a começar a cumprir as penas, o empresário fez acordo para pagar parte do débito e parcelar o restante.

Além disso, é investigação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por disseminação de fake news e ainda foi alvo do Ministério do Trabalho, por tentativa de coação dos funcionários durante a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Nesse ano, Hang não vem mais. Em 2021, é outro ano.


>> SOBRE O AUTOR

Redação

>> COMPARTILHE