Economistas questionam se Guedes deixou de ser liberal
Foto: DivulgaçãoTuesday, 10 August 2021
Para alguns, o braço direito de Bolsonaro tornou-se um gastador.
Economistas passaram a questionar em relatórios para clientes e em debates acadêmicos se a política econômica do governo Bolsonaro está exagerando nos gastos públicos, sem garantia de recursos para bancar propostas como o novo Bolsa Família. Essa guinada é definida tecnicamente como política fiscal expansionista. Na prática, o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, que pregava a redução de gastos, começa a ser questionado se não virou "gastador".
Entre as propostas que podem aumentar os gastos do governo e reduzir a arrecadação, estão a criação de um novo programa social, com aumento no valor do Bolsa Família para R$ 300, a reforma tributária e o adiamento no pagamento de precatórios, que são dívidas do governo reconhecidas após decisão da Justiça.
No primeiro caso, o governo não detalhou como pagará o reajuste do Bolsa Família. Não há estimativa de quanto seria o gasto total. Na reforma, as estimativas divulgadas até agora apontam para uma queda da arrecadação (menos R$ 57 bilhões em dois anos). Na prática, o governo terá menos dinheiro em caixa para pagar servidores e as suas despesas normais. Em relação ao adiamento dos precatórios, analistas de mercado e acadêmicos têm considerado a proposta um calote.
Procurado, o Ministério da Economia informou que a criação de um programa de renda básica nacional é uma determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).
Segundo o ministério, a criação do teto e o respeito a ele mostram o comprometimento do governo com a responsabilidade fiscal e são fatores que contribuíram para a melhora das expectativas de resultado do governo e da relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto).
O ministério disse que as despesas com precatórios passariam de R$ 54 bilhões em 2021 para R$ 90 bilhões em 2022. Isso consumiria os recursos para o novo Bolsa Família. O envio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) com a possibilidade de parcelar esses pagamentos resolveria esse problema. Sobre a reforma tributária, o Ministério da Economia informou que as alterações propostas pelo relator estão em análise.
Alta de gasto público pode reduzir crescimento
O economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, declarou que as propostas em discussão pelo governo, como aumento de gastos públicos com programas sociais e parcelamento de precatórios, indicam a adoção de uma política fiscal expansionista. Em relatório distribuído aos clientes, ele afirmou que as ações do governo podem impactar negativamente a economia brasileira.
Como consequência do aumento dos gastos públicos, ele afirmou que os investidores podem retirar recursos do país, há risco de um aumento ainda maior de juros por parte do BC (Banco Central) e possível redução do ritmo de crescimento da economia.
"Os investidores podem exigir uma taxa de juros maior para comprar títulos públicos para financiar o país. O descontrole fiscal pode prejudicar a recuperação da economia brasileira. Tivemos várias sinalizações negativas nas últimas semanas que levaram ao debate sobre uma mudança do Ministério da Economia na direção de uma política fiscal expansionista", disse.
Riscos ainda não são realidade, diz economista
Em relatório divulgado para os clientes, o economista-chefe da XP, Caio Megale, analisou as medidas que poderiam ser consideradas expansionistas. Procurado, ele declarou que os fatos disponíveis até o momento não são suficientes para afirmar definitivamente que o governo passou a adotar uma política fiscal expansionista. Entretanto, ele declarou que essa discussão é importante para avaliar os efeitos práticos da política do Ministério da Economia.
"O debate atual é se governo flerta com o aumento de gastos e redução de impostos. Isso tornaria a política fiscal expansionista. Por enquanto, temos mais discussões do que algo concreto. Acho que faz sentido apontar os riscos mais do que dizer que estamos, de fato, nesse caminho", declarou.
Debate ocorre em entidades que defendem o liberalismo
A proposta do governo de adiar o pagamento de precatórios e de criar um novo programa social também tem sido debatida em entidades que defendem ideias liberais. O Instituto Millenium, que tem entre os fundadores o ministro Paulo Guedes, tem feito uma série de debates com especialistas em finanças públicas.
A entidade não divulgou um posicionamento oficial sobre o tema, mas os analistas ouvidos têm alertado que as duas medidas têm impactado negativamente os preços dos ativos no mercado. No caso do adiamento no pagamento dos precatórios, os analistas ouvidos pelo Millenium apontam que a medida pode ser considerada um calote.
Guedes usa frase de caloteiro, diz economista
O economista Roberto Ellery, professor da UnB (Universidade de Brasília), declarou que o governo tem dado sinais claros de que pretende aumentar os gastos públicos.
Segundo ele, as propostas de reforma tributária, com queda na arrecadação, de aumento no valor do Bolsa-Família e reajuste no salário de servidores são exemplos de uma política fiscal expansionista.
Além de classificar o governo como "gastador", Ellery declarou que a equipe de Paulo Guedes abandonou o rigor fiscal ao propor o parcelamento dos precatórios, que são dívidas com empresas e pessoas reconhecidas após decisão judicial.
Segundo ele, a frase usada pelo ministro de que deve, não nega e paga quando puder, é tradicionalmente usada por "caloteiros".
"Essa proposta de parcelamento dos precatórios fora do teto de gastos é uma nova versão da contabilidade criativa. Eu defendo o teto de gastos, e há quem seja contrário. O governo deveria fazer um debate sério sobre possibilidades de mudanças nas regras do teto de gastos. E não criar exceções para enfraquecer o teto de gastos", disse.