Psicodália: uma sinfonia artística e cultural

Psicodália: uma sinfonia artística e cultural
Foto: Gabriel Floss

Monday, 19 February 2018

Seja bem-vindo ao Psicodália! Tenha um ótimo festival!

Assim foram recebidas as mais de 6 mil pessoas, vindas de diversos cantos do país, para a 21ª edição do Psicodália, um evento multicultural independente, que aconteceu em Rio Negrinho/SC neste último feriado de carnaval, dos dias 09 a 14 de fevereiro de 2018.

Para o público, tudo começa meses antes, quando a organização do festival passa a divulgar as atrações de uma nova edição. O aquecimento para o Dália envolve estudar o setlist de artistas que irão se apresentar, providenciar o necessário para os dias e noites felizes de acampamento, e convidar amigos para vivenciar esta experiência deslumbrante. Pois não se vai apenas ao Psicodália; vive-se o Psicodália.

A sensação de pertença ao festival vem à tona a medida que se adentra a cidade e nota-se as simpáticas plaquinhas indicando o caminho para a Fazenda Evaristo, onde tudo acontece. As curvas da estrada de chão ensaiam o balanço das ondas sonoras que vibram por toda a extensão do lugar. A atmosfera mista de alegria e receptividade se instala em cada ser, assim que se chega à entrada do festival. O entusiasmo se intensifica ao caminhar pelo terreno e perceber o sorriso amigável de todos que lá estão, que parecem compartilhar do mesmo sentimento.

Cores, sons, risos, movimentos, texturas. Entrar no Psicodália é imergir em uma sinfonia multicultural e sensorial. Nesse grande encontro artístico, diversas linguagens, performances, pessoas e culturas se reúnem, dialogam, fluem e se experimentam. A 21ª edição contou com 200 atrações diversificadas, sendo elas apresentações de música e teatro, exibição de filmes e curtas, recreação, esporte e oficinas.

A recreação infantil é um diferencial do festival. Durante todos os dias, houve uma programação lúdica voltada aos pequenos e pequenas. A criançada é um número expressivo do público, uma vez que famílias inteiras vêm ao Psicodália.

Os artistas de rua, atrizes e atores tiveram grande visibilidade no festival, dispondo de um palco exclusivo para apresentações de peças e espetáculos. Intervenções ao ar livre também aconteciam por toda parte da fazenda. Artesãos, artesãs e artistas plásticos formaram um linda vilela com suas produções.

Nesse ano, o festival agraciou o público com quatro palcos oficiais, no quais grandes artistas se apresentaram. Uma novidade foi o Palco do Lago, construído a partir de uma bela estrutura de bambu. Os shows ali aconteciam pela manhã e início da tarde. O público podia assisti-los sob a cobertura do palco ou confortavelmente pelo gramado ao redor.

O Palco do Sol, onde aconteceram as apresentações vespertinas, merece destaque pela decoração criada. Por toda a extensão de sua cobertura, tecidos coloridos formavam um charmoso degradê de cores, atraindo olhares para seu interior, onde árvores secas formavam um belo cenário.

As atrações principais, que iniciavam por volta das 19h, se apresentaram no Palco Lunar, onde fizeram shows memoráveis. Tutti-Frutti subiu ao palco para reproduzir o disco Fruto Proibido (1975), um dos grandes álbuns do rock nacional. O público balançou com os clássicos marcados pela voz de Rita Lee. Por sua vez, Mundo Livre S/A (PE) trouxe a energia do manguebeat ao sul do Brasil, fazendo todos seguirem seu swing.

Lô Borges tocou o disco "Tênis" (1972) na íntegra e, em seguida, apresentou algumas de suas composições do Clube da Esquina, o que levou a plateia ao êxtase.

Os paulistanos do Bixiga 70 fizeram o Psicodália vibrar, empolgando a todos com seus batuques, solos de metais e o contagiante bordão "Uh uh", que acabou se tornando um emblema dessa edição. A banda, que tem inúmeras participações em festivais estrangeiros e nacionais, como o Rock in Rio, enalteceu o Psicodália como o melhor festival do país.

Zé Ramalho apresentou seus grandes clássicos, além de uma bonita homenagem a Raul Seixas. Ele e a Banda Z tocaram "Gitâ" e o "Medo da Chuva", que foram acompanhadas em coro absoluto pela plateia, bem como as do seu próprio repertório.

Jorge Ben Jor também levantou a galera e fez um show inesquecível. O ícone da Tropicália chamou Tim Maia, Os Alquimistas, levou todos ao Taj Mahal e ao ápice da alegria com suas canções contagiantes.

A extensão vocal, o carisma e a performance visceral no palco fizeram da apresentação de Tulipa Ruiz um show impressionante. A artista se aproximou bastante da plateia, dialogando com todos nos intervalos de suas músicas. Ela destacou o festival como "atemporal" e como forma de "resistência".

Arrigo Barnabé e sua banda foram maestrais e prenderam a atenção de todos durante toda a apresentação do nada convencional "Clara Crocodilo", disco de 1980. Apesar da figura marcante do compositor, foram as mulheres da banda que fizeram o espetáculo no palco.

A propósito, um aspecto relevante da 21ª edição do Psicodália foi a grande participação e protagonismo de mulheres artistas, de todos os segmentos. O discurso político de empoderamento feminino e de ruptura com o machismo estrutural esteve evidente nas apresentações musicais - com destaque para Mulamba e Francisco El Hombre -, nos temas de algumas oficinas, intervenções teatrais e nas manifestações das mulheres do público do festival, fosse por mensagens em camisetas, expressão corporal e cantos.

A inserção de artistas da nova geração, como as duas citadas acima e os exuberantes Boogarins e Carne Doce, demonstraram que é possível renovar o festival, agregar novo público e novas sonoridades, sem que a essência musical seja perdida. Tudo isso, mantendo figurinhas carimbadas como Bandinha Di Da Dó, Confraria da Costa, Terra Celta, Pedra Branca, Apicultores Clandestinos, entre tantos outros, na programação.

O Som Nosso de Cada Dia, banda expoente do rock progressivo brasileiro dos anos 70, retornou aos palcos do Psicodália para apresentar músicas do grandioso disco "Snegs" (1974) e também do "Som Nosso" (1977). Em sua recente formação, a banda, composta por integrantes do Casa das Máquinas, Terreno Baldio e Violeta de Outono, concebeu aos seus fãs momentos únicos.

Paralelamente aos shows oficiais, havia muita música rolando nas diversas tendas e palcos alternativos espalhados por todo o festival. Esses espaços receberam bandas independentes interessadas em se apresentar. Além disso, nessa edição, o Saloon fora reativado com a mesma proposta. Artistas como Oros Boros e Manouche Manolo se tornaram queridos entre o público por conta dessa iniciativa.

Na madrugada, a atividade continuava nesses espaços ou no Palco dos Guerreiros, onde os shows se estendiam até o amanhecer.

De modo geral, toda a infraestrutura do Psicodália recebeu grandes melhorias, prezando pelo conforto das pessoas e zelo com o meio ambiente. A equipe do Biodália teve um papel fundamental na manutenção do bem estar de todos no acampamento, cuidando da questão do lixo (orgânico, recicláveis e resíduos), conservação dos banheiros e espaços comuns. Algumas atitudes simples, como espalhar serragem pelas áreas enlameadas por conta da chuva, revelam o interesse e esforço da organização em deixar todos à vontade.

A excelência musical, toda a efervescência artística e a preservação da natureza podem ser percebidos em cada aspecto do Psicodália. Contudo, a convivência harmoniosa entre todos e o clima comum de respeito e bem-querer são o grande diferencial desse festival, tornando seu público a sua verdadeira atração.

Até mais, Psicodália!

Texto: Penelope Junckes e Gabriel Floss


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