Vila Germânica Rock Festival e a polêmica

Vila Germânica Rock Festival e a polêmica
Foto: Reprodução

Monday, 10 April 2017

Artistas se dizem desrespeitados com o convite para tocar sem cachê, mas qual dos lados está certo? Há um lado certo? Ou um não soube se expressar e o outro não soube entender?

E eis que na sexta-feira (07/04) uma discussão tomou conta das redes sociais (em especial Facebook) da região, abrindo espaço para uma discussão muito maior: a correlação entre festivais que oportunizem bandas iniciantes (ou nem tanto) de mostrar seu som autoral e a dificuldade que existe em reconhecer a necessidade de remunerar músicos.

O talentoso multi-instrumentista Filipe Burgonovo compartilhou indignado o print do regulamento de um festival de rock organizado pela Vila Germânica que no quarto inciso de seu segundo parágrafo diz que “não será fornecido cachê ou destinado qualquer pagamento/reembolso pela organização do evento às bandas selecionadas”.

Foi o suficiente para que a discussão tomasse a proporção que teve, tanto dos músicos acalorados (e cansados da desvalorização que sofrem no mercado) quanto de pessoas (ligadas ou não à prefeitura) defendendo a proposta.

Um lado argumentava que ‘o evento só serve para explorar profissionais da música e dar lucro para os organizadores’ enquanto o outro lado contra-atacava dizendo que ‘toca quem quiser’. E ambos os lados estão errados, trazendo defesas paupérrimas consigo.

"Músicos serão explorados para a organização lucrar"

É mentira. Essa não é a primeira edição do evento e, provavelmente, não será a última. A entrada é gratuita e em 2016 foi um total de 60 inscrições para se apresentar no festival, contando com bandas como Divergente, HessexAlone, Simples Assim, TauntingGlaciers, Soulthern e OverBlack.

O Parque Vila Germânica lotou, mas o evento acabou dando prejuízo aos cofres da Secretaria de Turismo por conta de gastos como os de manutenção do espaço.

É compreensível que se diga que a Oktoberfest é feita para lucrar (e tem que ser assim, mesmo), mas não esse tipo de evento. A idéia, ache ela boa ou ruim, é dar plataforma e divulgação a músicos que querem alavancar suas carreiras além do que a internet tem feito.

"Toca quem quiser"

Toca. De fato. E isso é um problema. Você prostitui um mercado inteiro quando 90% de profissionais perdem oportunidades porque 10% aceitam trabalhar por esmola. Para ninguém dizer que não sabemos como é, portais de notícias passam por isso: sites e blogs até bem acessados fazem propaganda gratuita por camaradagem e com isso a idéia de ter plataformas de notícia online sérias e profissionais na região parece a cada vez mais inviável.

E eu, particularmente, já trabalhei como desenhista e sei o quanto soa irritante ouvir alguém pedindo pela sua arte e oferecendo em troca ‘a imperdível chance de se divulgar’.

Mas então qual é o cerne da questão?

Falta de comunicação. De todas as formas possíveis, falta de comunicação. Por parte da Vila Germânica – que mandou um regulamento aos músicos que mais parecia um edital – e por parte dos próprios músicos, que acalorados e fartos da desvalorização, acabaram respondendo com uma indignação enorme sem parar exatamente para analisar a proposta ou tentar uma contraproposta.

É inquestionável que o presidente do Parque Vila Germânica, Ricardo Stodieck, é um amante das artes. Tanto é que ele, enquanto presidente do Teatro Carlos Gomes (que não é um teatro público, aliás) traz consigo eventos extremamente ecléticos e bem-sucedidos que juntam toda a classe artística, como é o caso do Colméia (que praticamente tapou o vazio deixado pelo VamuSiuní).

A forma como o texto do regulamento foi escrito explica pouco sobre a finalidade do evento e se lido com paixão ou sem atenção soa como ‘sua oportunidade de tocar de graça’.

A vantagem

Você imagina o quanto deve sair caro alugar um espaço como a Vila Germânica para fazer um festival de bandas? A proposta o oferece gratuitamente e com tudo que ele traz consigo, como uma excelente infraestrutura e até ar-condicionado.

Muitos músicos – incluindo os profissionais – reclamam da dificuldade que é para conseguir que alguma casa noturna os deixe fazer som autoral, ou seja, mostrar seu repertório próprio. E é compreensível, porque as casas precisam mostrar o que os clientes querem e os clientes, na esmagadora maioria das vezes, querem cover (interpretações de músicas já conhecidas de grandes bandas ou artistas). Essa é uma chance de mostrar trabalho autoral para um número enorme de pessoas.

É um jeito de chegar na festa com tudo já montado e ir embora sem ter que arrumar nada, mostrando o seu trabalho a pessoas que provavelmente ainda não tiveram a oportunidade de conhecê-lo. Sob esse aspecto o projeto é ótimo e sua intenção é boa.

A desvantagem

Ausência de remuneração.

Crê-se que todo evento tenha apoiadores. “A Vila Germânica tem um monte de patrocinadores”, alguém citou. Não. Não tem. A Oktoberfest tem. É fundamental não confundir as duas coisas.

Mesmo assim tocar sem receber por isso é algo que incomoda os músicos e que, certamente, depõe contra seu mercado de trabalho. Alguns comentam que se poderia usar verbas do Fundo Municipal, mas a burocracia por traz disso é grande e a data do evento está próxima (além de não ser a Vila Germânica quem lida com esse fundo).

Situação peculiar

No entanto, o mercado musical é peculiar em seu todo. Se é inviável para o Executivo ‘pagar’ as bandas da forma mais tradicional, ou seja, com dinheiro, formas alternativas não podem e nem deveriam ser descartadas, como usar a enorme estrutura pública para divulgação. A presença da hegemonia do poder público municipal nos bairro é um agente com potencial de propaganda gigantesco. Algo que pode divulgar essas bandas como jamais poderiam ser.

A Vila Germânica conta com uma competente equipe de assessores de impressa que poderia, sim, dar aporte às bandas participantes em sua busca por público e reconhecimento.

Em última instância, se for realmente inviável pagar os músicos e os mesmos se negarem a receber qualquer tipo de benefício que não seja financeiro, por que ambos os lados não se sentam e pensam em formas de contornar a situação como, por exemplo, cobrar ingresso pelo evento e deixar que as bandas participantes dividam igualmente entre si a bilheteria?

O que não pode acontecer é o evento não ocorrer porque não houve consenso.

Particularmente, conheço muitos dos músicos que se indignaram e entendo que a forma como a proposta lhes foi apresentava os tenha irritado (ainda mais quando defendida em redes sociais por pessoas que já se queimaram no cenário musical de Blumenau e passaram a falar pelo evento como se fizessem parte da organização). Mas também conheço a diretoria da Vila Germânica e sei que a proposta teve simplesmente a intenção de fomentar a arte e oportunizar a divulgação de novas bandas.

Se por um lado custaria caro para o evento pagar os profissionais, por outro seria tão caro quanto (talvez até mais) para os profissionais alugarem um espaço como o que lhes está sendo oferecido. Sem falar que não há muitos produtores culturais na região (talvez não haja nenhum) que pretenda criar um evento musical gratuito e autoral no momento.

Nenhum artista deve ceder sua arte por querela, mas também é necessário saber reconhecer boas oportunidades e, principalmente, tentar argumentar com quem pode resolver o problema (ao invés de meramente xingar na internet) para tentar encontrar um ponto pacífico entre ambos.

E quem tem mais a ganhar? A Vila Germânica que fez um festival sem cachê? Os músicos que se apresentam em uma enorme estrutura sem pagar aluguel? Nenhum dos dois. Quem ganha é Blumenau, que fica com mais uma opção de lazer. Quem ganha ou quem perde.

Agora resta esperar os ânimos esfriarem e torcer para que daqui a alguns meses a festa comece, porque eu quero rock’n’roll a noite toda e festa todo dia (parafraseando o Kiss).


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Ricardo Latorre

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