'Esporte pode ser motor do desenvolvimento econômico do País'

'Esporte pode ser motor do desenvolvimento econômico do País'
Foto: Divulgação

Tuesday, 21 August 2018

Thiago Braz conquistou no salto com vara a única medalha de ouro do atletismo do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio.

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, poderiam ter marcado uma virada para o esporte nacional. Seríamos um país apaixonado por competições, com atletas de alto nível e com chances de medalhas em diversas modalidades. Porém, a expectativa não se confirmou. A meta estipulada pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) era ficar entre os dez melhores no ranking de medalhas. A 13ª colocação - mesmo que seja um recorde na história do País - não foi considerada satisfatória pelos órgãos que controlam o esporte.

Com a grave crise financeira enfrentada pelo País, o esporte foi uma das primeiras áreas escolhidas para uma série de cortes determinadas pelo governo federal nos anos de 2017 e 2018. Quem mais sofreu com as reduções foi a CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), que assinou a renovação de contrato com a Caixa Econômica Federal, com um corte milionário nos investimentos para o próximo ciclo olímpico. 

Se para a Rio-2016 a verba repassada foi de R$ 90 milhões, para Tóquio-2020 será de R$ 60 milhões. Vale lembrar que o atletismo rendeu uma medalha de ouro inédita para o Brasil na Rio-2016, com Thiago Braz, no salto com vara masculino. Outras confederações sofreram cortes importantes, que podem afetar diretamente no próximo ciclo olímpico e nos próximos Jogos Pan-Americanos, que serão disputados em Lima, no Peru, em 2019. A crise nos Correios gerou ainda queda na receita e corte de verba nas confederações brasileiras de Tênis, Handebol e Desportos Aquáticos. 

O governo federal seguiu a linha das empresas estatais. No dia 12 de junho foi publicada a Medida Provisória (MP) 841, que visava mudar o destino de parte da arrecadação das loterias, destinada à cultura e ao esporte, e repassá-la ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Além dos problemas para os atletas profissionais, a MP cortaria recursos de secretarias estaduais e do próprio Ministério do Esporte, o que prejudicaria a continuidade de projetos sociais ligados às modalidades esportivas. 

A pressão pela manutenção dos recursos no esporte foi encabeçada pela ONG (organização não governamental) Atletas Pelo Brasil, que tem entre seus integrantes nomes famosos como Raí, Gustavo Borges, Hortência e Ana Moser. De acordo com a diretora-executiva Louise Bezerra, houve uma "união jamais vista dos atletas brasileiros para que esse retrocesso não fosse aprovado". No início do mês, o governo federal editou uma nova medida provisória, a 846, que garante os repasses das loterias para o esporte e a cultura. 

A representante da organização falou à FOLHA sobre a luta dos atletas brasileiros pela manutenção do repasse de recursos públicos às modalidades e às políticas públicas do esporte, mas também abordou a apreensão por um possível novo corte de gastos. 

Como a Atletas pelo Brasil trabalhou em relação aos possíveis cortes do governo ao esporte? 
Nós conseguimos participar da organização de uma mobilização inédita, especialmente dos atletas, contra esses cortes. Da nossa parte, a principal motivação para isso foi defender para que houvesse um fortalecimento do Ministério do Esporte. Nós mobilizamos muito as pessoas, organizamos um manifesto que foi assinado por 70 organizações relacionadas ao esporte, fomos para Brasília com os atletas, marcamos reuniões com os presidentes da Câmara, do Senado e com o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. Conseguimos realizar uma mobilização concreta em torno desse tema. 

Por que o esporte se mantém tão dependente do dinheiro público? 
É um quadro bem complexo que se desenha quanto a isso, mas posso falar sobre alguns pontos. O primeiro é que existe ainda a falta de um sistema que organize o nosso esporte, então nós temos as coisas muito pouco organizadas, há uma rejeição a esse tipo de monitoramento. Nós não temos definidos quais são as competências dos Estados e dos municípios em tudo isso. O que os municípios têm que fazer em relação ao esporte? E o Estado, o que tem que fazer? E o que o governo federal tem que fazer? Entre esses três poderes não há comunicação, o investimento acaba sendo muitas vezes na mesma coisa e não há uma medição disso tudo, é um investimento muito mal aplicado nesse setor. 

Outro ponto que eu toco é que em todos os países do mundo se tem um montante de dinheiro do Estado no esporte. O esporte também pode ser um motor do desenvolvimento econômico de um país, por exemplo. No Brasil, inclusive, é um direito constitucional previsto no artigo 217, que fala que todos deveriam ter acesso à prática esportiva, mas o Estado ainda não conseguiu organizar um sistema para que essas coisas fluam de uma maneira melhor e para que esse investimento seja melhor utilizado. 

Por outro lado, a gente teve uma crise que ficou muito clara no ano passado após o escândalo envolvendo o COB [o ex-presidente Carlos Arthur Nuzman chegou a ser preso, acusado de fazer parte de um esquema de compra de votos na escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016] e outras confederações também. Isso gerou uma falta de confiança por parte do mercado. Como ainda há uma demora no processo de profissionalização desse tipo de gestão, as empresas privadas têm receio de investir. 

Como está essa aproximação com o campo privado visando futuros patrocínios? 
Nós participamos da idealização do primeiro acordo entre patrocinadores privados pelo esporte. O acordo chama-se "Pacto pelo Esporte" e foi lançado em 2015. Reúne 31 empresas, entre elas algumas são as maiores investidoras em esporte no País, como o Itaú e o Bradesco, por exemplo, que são concorrentes. Esse tipo de empresa se une por esse acordo porque acredita que se houver uma melhora na gestão das entidades esportivas, melhora-se o esporte e todo o entorno vai ficar mais saudável para a volta desse investimento. É preciso fazer alguma coisa do gênero aqui no País e essa iniciativa mexe com todo mundo. Estamos tentando fazer isso nesse momento, crescer essa ideia. 

Também lançamos, em fevereiro, o primeiro Rating Integra, que é uma ferramenta criada para que entidades esportivas consigam medir em qual grau de maturidade elas estão em relação à governança, gestão e transparência. Estamos tentando aumentar a iniciativa nesse campo também para fomentar a profissionalização. 

No início de agosto, o presidente Michel Temer voltou atrás nos cortes. Antes ele havia cortado cerca de R$ 500 milhões do esporte com a MP 841. Alguma medida foi tomada para que houvesse essa reviravolta por parte do governo? 
Seriam cortados recursos do Comitê Brasileiro de Clubes, da Confederação Brasileira de Desporto Universitário e da Confederação Brasileira de Desporto Escolar. Também seria cortada parte da verba que era direcionada às secretarias estaduais de esporte e parte do que iria para o Ministério do Esporte. Isso é muita coisa. Nós tivemos que fazer muita mobilização em torno disso, o setor nunca tinha conseguido se unir dessa forma. É uma pena que tudo tenha sido feito dessa maneira pela presidência como foi, sem conversar com os ministros, tanto da Cultura quanto do Esporte, mas eles se manifestaram publicamente. A presidência não teve o cuidado, mas por outro lado são situações como essas que ocasionam essa união inédita. Fomos para Brasília lutar por isso e construímos uma campanha com vídeos nas redes sociais. Isso foi importante para estabelecer essa mudança. 

A MP 846 garante o investimento de R$ 630 milhões no esporte, mas mexe na distribuição desses recursos. Qual é o posicionamento da Atletas para o Brasil sobre esse novo plano? 
Nós estamos estudando as proporções desse novo cálculo, mas provavelmente vamos sugerir algumas melhorias, especialmente para que aumentem a verba que irá para as secretarias estaduais. Dentro dessa reorganização com a MP 846, as secretarias estaduais voltaram a receber recursos, mas menos do que antes. Defendemos que as secretarias estaduais recebam mais porque o trabalho delas é fundamental para proporcionar acesso de toda a população ao esporte. 

O presidente ainda usou o termo "estamos construindo uma nova página do esporte". Essa nova medida provisória realmente resolve o problema ou há apreensão por uma possível mudança de planos? 
A gente recebe todo tipo de informação com cautela e receio, principalmente pela forma como foi conduzida a medida provisória 841. Nós vamos aguardar porque ainda terá uma comissão para analisar a MP 846. Vamos acompanhar esse trabalho de maneira muito próxima para entender se realmente haverá essa consolidação da importância do esporte ou se podem aparecer novos cortes. 

Nesse momento é muito difícil afirmar que não haverá mudança porque as coisas podem mudar totalmente. Temos que acompanhar, ficar muito atentos, mas principalmente estarmos sempre unidos para agirmos juntos caso algum retrocesso seja colocado em pauta novamente. 

Essas oscilações podem afetar a preparação para a disputa das próximas grandes competições, como os Jogos Pan-Americanos de 2019, no Peru, e os Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio? 
Isso influencia diretamente quando se fala em qualquer disputa de competição - mesmo que nosso foco seja o trabalho com as políticas públicas - mas você precisa ter planejamento e monitoramento para obter resultados. Se você planeja o ciclo de quatro anos para disputar os Jogos Olímpicos, por exemplo, e você tem no meio desse ciclo um corte, isso acaba com todos os planos. Outra coisa fundamental é o número de competições das quais os atletas podem participar, é fundamental que eles possam treinar em um nível internacional e essa dúvida sobre o futuro atrapalha toda a preparação.


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Redação

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