Programa de passaporte biológico já está em curso na ABCD

Programa de passaporte biológico já está em curso na ABCD
Foto: Divulgação

Monday, 12 June 2017

Na prática, o programa funciona assim: em um determinado período, o atleta tem seu material biológico coletado e as amostras são analisadas minuciosamente levando-se em consideração alguns parâmetros pré-estabelecidos.

Um dos programas mais recentes na cruzada antidoping, o passaporte biológico já está em processo de implantação no Brasil. Desde 11 de março, o uruguaio José Veloso Fernandez, 56 anos, médico especializado em medicina do esporte e controle de dopagem, com 35 anos de experiência na área, trabalha como consultor na equipe da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) e caberá a ele a responsabilidade de coordenar o programa no país.

“O passaporte biológico é uma pesquisa que analisa dados indiretos que podem apontar o possível uso de doping”, resume o Dr. Veloso. “Nós não buscamos detectar diretamente o uso de uma determinada substância proibida e, sim, traçar um perfil individual e longitudinal (vários dados em uma mesma análise), preferencialmente em vetores de sangue e vetores esteroidais na urina”, continua o especialista.

Diretor-médico da Organização Antidopagem do Uruguai, Dr. Veloso acumula uma longa experiência e em seu currículo consta a atuação em cinco Jogos Olímpicos: Atlanta 1996, Sydney 2000, Atenas 2004, Londres 2012 e Rio 2016. No Uruguai, ele iniciou, em 2011, o trabalho com passaporte biológico.

A utilização do passaporte biológico foi formalizada pelo comitê executivo da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) em 1º de dezembro de 2009, mas sua aplicação na América Latina ainda está em estágios iniciais.

Na prática, o programa funciona assim: em um determinado período (em geral de um ano), o atleta tem seu material biológico (sangue e/ou urina) coletado e as amostras são analisadas minuciosamente levando-se em consideração alguns parâmetros pré-estabelecidos.

“Os dados são obtidos pelo módulo hematológico (sanguíneo) de análise de glóbulos vermelhos e outros elementos do sangue, como hematócritos e hemoglobina, por exemplo. Na urina, são obtidos dados pelo módulo esteroidal. A partir daí, nós traçamos um perfil para cada atleta”, detalha o Dr. Veloso.

Exemplo de um perfil dentro da normalidade de um passaporte biológico. Foto: reproduçãoExemplo de um perfil dentro da normalidade de um passaporte biológico. Foto: reproduçãoPara todos os dados analisados, há um limite mínimo e máximo no qual os parâmetros sanguíneos e de urina podem oscilar. Caso os resultados das análises ultrapassem esses limites, uma junta de três especialistas é estabelecida e a partir de suas interpretações o atleta pode se tornar suspeito de uso de doping.

“A análise dos dados é feita por um painel de três especialistas que devem ser unânimes no veredito em um mesmo tempo. Os especialistas não afirmam o uso de doping. O que eles fazem é descartar a hipótese de que as modificações no perfil se devam a condições patológicas (doenças) ou genéticas por conta de raça, sexo ou idade. Isso nos permite chegar à conclusão de que há uma suspeita de doping”, explica o uruguaio.

Essa junta de especialistas deve ser formada, nos casos de análises sanguíneas, por um hematologista clínico, um médico do esporte e um fisiologista do exercício. No caso das análises de urina, é necessário um especialista em análises de laboratório, em doping com esteróides e em endocrinologia clínica.

“O programa do passaporte biológico é o que há de mais moderno no controle de dopagem”, destaca Rogério Sampaio, secretário nacional da ABCD. “A WADA preconiza que as principais NADOS (National Anti-Doping Organizations, organizações nacionais antidoping de cada país, no caso do Brasil a ABCD) dêem início a esse programa e como nós não temos no Brasil alguém com conhecimento nessa área, conseguimos trazer o Dr. Veloso por meio de um convênio com a Unesco. Ele é consultor internacional e vai nos ajudar a implantar o programa do passaporte biológico. Esse ano, o programa já entra em atividade e vai se fortalecer no país nos próximos anos”, continua Rogério.

“A ideia é fazer nesse ano aproximadamente 40 passaportes biológicos, 30 de sangue e 10 de urina. Em cada passaporte nós teremos, nesta fase inicial, aproximadamente quatro controles com o mesmo atleta. Com esse programa, o Brasil se aproxima cada vez mais das principais NADOS do mundo e eu acho que esse passo em direção da execução do passaporte biológico é tão importante quanto a instituição do Tribunal de Justiça Antidopagem. Nós temos avançado a passos largos para que o controle de dopagem no Brasil seja o mais moderno, o mais seguro e que trabalhe no sentido de garantir o jogo limpo para todos os atletas”, prossegue o secretário.

O ministro do Esporte, Leonardo Picciani, também destacou a importância do programa de passaporte biológico no Brasil. “A ABCD toma uma medida muito importante de estar atualizada com as principais técnicas do controle de dopagem, com o que há de mais moderno para garantir o jogo limpo e a segurança e a saúde dos atletas. Receber como consultor um profissional do quilate do Dr. Veloso é algo que certamente engrandecerá muito esse trabalho coordenado pela ABCD”.

Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem

Para o uruguaio, o fato de o Brasil possuir um laboratório acreditado pela WADA, o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), um dos legados dos Jogos Rio 2016, será determinante para o sucesso do programa brasileiro de passaporte biológico.

“Isso é um pressuposto fundamental para o programa. Nesse caso, o controle da temperatura das amostras é fundamental. Uma vez coletadas, as amostras devem chegar ao laboratório em no máximo 36 horas para terem valor para o passaporte biológico. Então, ter um sistema ágil de transporte é fundamental e a ABCD tem um plano de transporte de amostras já implantado por conta dos Jogos Rio 2016 que vai ser muito útil”, elogia.

José Veloso Fernandez foi contratado para um período de dez meses de trabalho junto à ABCD. Ele explica que na primeira fase do projeto o objetivo é capacitar flebotomistas, os profissionais que atuam na coleta de amostras de sangue.
Na semana passada, o Dr. Veloso, acompanhado de uma equipe da ABCD, esteve em Manaus capacitando flebotomistas, a exemplo do que foi feito no fim de maio, em Porto Alegre. “O objetivo é que esses oficiais estejam certificados e recertificados (aqueles que já possuem certificação pela ABCD deverão ser reavaliados) em quatro meses para que já em setembro a ABCD comece com os primeiros passaportes”, adianta o Dr. Veloso.

“O Brasil entra em um novo estágio na luta contra o doping com o passaporte biológico”, afirma Alexandre Velly Nunes, diretor de operações da ABCD. “Nossa perspectiva é de que nos próximos 10 a 12 meses nós já tenhamos os primeiros resultados e com certeza seremos destaque na América do Sul no trabalho com passaportes biológicos”, conclui o dirigente.


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