como recuperar relações após desavenças política?
Foto: DivulgaçãoFriday, 28 October 2022
Eleições podem afetar relações pessoais e saúde mental, levando a sintomas de ansiedade e estresse, segundo psicólogos.
Às vésperas do segundo turno das eleições, marcadas por embates polarizados e animosidade entre candidatos, o sentimento entre a maioria das pessoas é de exaustão. Bem como ocorreu em pleitos anteriores, o período atual revive discussões acirradas nas redes sociais e brigas entre familiares. Entretanto, os conflitos e a estafa mental podem ser evitados, conforme explicam especialistas.
Algo importante a se considerar é que a preferência política de uma pessoa não apaga necessariamente as qualidades e os pontos em comum que ela pode ter com você, segundo explica o docente do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) Fernando Miranda, mestre em psicologia e especialista em comportamento.
“Uma assertiva clássica na mediação de conflitos é: Que tal buscarmos pontos onde nos afinizamos e onde somos semelhantes, ao invés de apenas discordar do ponto em que somos diferentes? Voltar para um ponto de concordância é um primeiro passo para sair de um conflito”, afirma o psicólogo.
Se abster de revelar suas preferências políticas também pode ser um caminho para muitas pessoas, explica o especialista em comportamento.
“Talvez seja difícil para as pessoas mais aguerridas e com mais raiva fazerem isso em redes sociais. Recomendo especialmente para essas pessoas controlar o mal pela raiz, ou seja, a desconexão de redes sociais, pois o anonimato das redes torna muito mais provável que as pessoas se manifestem agressivamente de quem discordam, como já está demonstrado em muitas pesquisas”, diz Miranda.
Se desconectar-se das redes não for possível, em razão de trabalho ou por outro motivo, outra opção seria visualizar menos as redes durante a semana.
Nos casos de relações pessoais presenciais, o professor cita que é sempre bom salientar os pontos positivos de encerrar uma etapa de conflito, mostrando que todos poderão seguir com as suas vidas e deixar a briga definitivamente para trás.
“As eleições logo chegarão ao fim, e apesar de restar divisão política, político A ou B não se importa com a sua opinião, no fundo, apesar de precisar de grupos organizados para sobreviver politicamente. A pessoa pode também compreender quais coisas e relações pode estar perdendo e o pouco que, momentaneamente, está ganhando”, afirma.
Estresse, ansiedade e insônia
O psicólogo Maycon Rodrigo Torres, membro do Laboratório de Psicanálise e Laço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de psicologia Faculdade Maria Thereza (Famath), explica que preocupações com as eleições podem causar sintomas físicos nas pessoas, principalmente associados à ansiedade.
De acordo com o psicólogo, a ansiedade é um padrão de base emocional com alterações fisiológicas e psicológicas, caracterizada por uma preocupação excessiva com o futuro.
“As eleições são um momento importante de fator social de escolha, pode acontecer a manifestação da ansiedade principalmente no que diz respeito a dores de cabeça, tensão nos músculos e dores nas costas, além de tremor e sensação de desmaio. Podem surgir também alterações associadas ao trato gastrointestinal, como dores de estômago, que são as mais comuns”, afirma.
Uma manifestação comum relatada por pessoas vivenciando algum tipo de estresse ou ansiedade é o distúrbio do sono, principalmente a insônia.
“Os sinais de estresse e ansiedade tendem a se manifestar como o principal sintoma insônia ou sensação de não descansar quando se dorme, muito em função desse excesso de preocupação que pode gerar também excesso de pensamento. Esse tipo de problema acontece por que as eleições, especialmente nesse contexto de polarização política, também se inserem em um processo de reconhecimento de identidade”, explica Torres.
O especialista explica que quando um indivíduo adere a um determinado grupo político, independente da vertente, essa identificação se torna um elemento de coerência com a própria personalidade.
“O medo de que o próximo governo não seja coerente com algum elemento de identificação da sua própria personalidade, o medo do governo ser marcado como um outro, uma outra ideologia, uma outra posição política, isso pode provocar também essa sensação de ansiedade. Há preocupação da pessoa não se reconhecer com o governante, como chegar a entender que o governante é radicalmente oposto aos valores pessoais e éticos e mais amplos que a pessoa tem”, diz.
Controle da raiva
O psicólogo Fernando Miranda recomenda quatro passos utilizados na psicoterapia cognitivo-comportamental para controle da raiva, sentimento que certas vezes está atrelado às provocações comuns deste período pré-eleitoral.
- Identificar antes o que costuma lhe aborrecer na fala ou preferência política do outro;
- Identificação de um plano de segurança sobre o que fazer quando estiver tomado por esse sentimento (sair do ambiente, ir beber uma água, retornar ao que estava fazendo antes, etc.);
- Estabelecer previamente que não fará coisas das quais possa se arrepender depois, tal atitude só servirá para deixar a própria pessoa mais frustrada e com mais raiva;
- Mudar a percepção de que muitas vezes a mente, crenças e valores do outro não são moldáveis e que eu próprio posso não estar totalmente certo em minhas escolhas. Assim, desenvolver tolerância e calma com as minhas próprias emoções talvez seja a melhor escolha.
“Bolha pessoal”
Um fenômeno clássico estudado pela Psicologia Cognitiva há anos é o “viés da confirmação”, e acontece quando uma pessoa procura e usa apenas as informações e evidências que apoiam suas próprias ideias ou crenças já existentes.
“As pessoas tendem a consumir conteúdos que reforcem as suas preferências pessoais. Então, tudo aquilo que fura a própria crença, a pessoa tende a evitar. A melhor posição em relação a isso deveria ser exposição a opiniões divergentes. Seria interessante que a pessoa se debruçasse, conseguisse ouvir e procurasse entender qual é a lógica de funcionamento do pensamento do outro”, afirma Torres.
Isso também significa que as informações que não apoiarem suas ideias ou crenças são desconsideradas, segundo explica Fernando Miranda.
“A grande questão que amplifica esse fenômeno nos dias de hoje é que as redes sociais, com seus algoritmos que apontam tendências apenas conforme escolhas de perfis e curtidas já realizadas, tende a reforçar cada vez mais essas crenças já existentes, mostrando apenas o que a pessoa quer ver”, explica.
“Significa que é mais difícil, em tempos de redes sociais, sair de sua bolha pessoal”, complementa.
Como resolver os conflitos?
Em muitos conflitos familiares é bastante comum que as partes passem a se ver como grandes inimigos. Miranda ressalta a importância em reconhecer que palavras dolorosas podem ter sido ditas, além do reconhecimento mútuo de mágoas.
“Para algumas pessoas, talvez seja importante ter um mediador isento para auxiliar a recuperar a relação, e ajudar aquelas pessoas a se recordarem que já se deram bem em algum momento em outros aspectos que não a escolha política, e que há pontos de afinidade onde são semelhantes”, diz.
Para alguns não dispostos, no fundo, a perdoar o outro, talvez seja importante buscar auxílio psicoterápico, comenta Fernando Miranda, a fim de que essa pessoa possa questionar suas verdades autoimpostas, trabalhar o perdão, e definir melhor pontos de concordância e afinidade com a outra pessoa.
O psicólogo Maycon Rodrigo Torres afirma que reconstruir os laços rompidos ao longo do processo eleitoral pode ser um desafio para a sociedade e para os próprios profissionais de saúde mental.
“Uma das vias é tentar promover discussão sobre temas sem trazer a concepção política em jogo. Tentar discutir temas pelos argumentos do próprio assunto, independente de bandeiras políticas, poderia ser uma via de construção. Um outro caminho pode ser tentar fazer um resgate de experiências positivas, a grande questão é a sensação de pertencimento. O ideal é que as pessoas possam promover encontros em que todo mundo se sinta pertencente a um determinado ambiente, independente da ideologia política”, conclui.