Judiciário cria cartilha questionável para proibir palavras?

Judiciário cria cartilha questionável para proibir palavras?
Foto: Divulgação

Monday, 12 December 2022

A censura está chegando e não dá para pedir que 'afaste de mim esse cálice' porque São Francisco, aparentemente, mudou de lado.

Como se toda a censura que o país sofreu até hoje não fosse o bastante, agora o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) publicou uma ridícula cartilha onde sugere que palavras sejam PROIBIDAS do vocabulário. Sim. Como na Alemanha Nazista. Um tribunal eleitoral está tentando interferir na gramática de um país sem ser provocado e com nenhuma relação à eleição.

O texto é dúbio e impressionantemente mal escrito. Seus argumentos são imprecisos e, muitas vezes, baseados em mentiras etimológicas criadas por uma militância com exclusivos fins eleitorais. Alguns termos, claro, são ofensivos e devem ser combatidos. Mas é para isso que existe a Justiça. Outros, são acrescentados de forma tão falsa e forçosa que só podem ser definidos como imbecis.

Conheça alguns deles abaixo.

Boçal: de um tempo para cá certa militância tem defendido que esse verbete significava ‘escravo recém-chegado’ no Brasil Colonial. É discutível, porque esse sentido até foi adotado na época, mas a origem mais aceita da palavra é uma corruptela de ‘buçal’ usada em Portugal desde antes das Grande Navegações e significava um pequeno cabresto, uma carapuça ou focinheira. Querer mudar o sentido de um sinônimo de ‘ignorância’ é, não apenas ignorante, como também uma idéia extremamente boçal;

Criado-mudo:  essa palavrinha tão especial vem do inglês (americano) dumbwaiter e é o nome de um pequeno elevador usando para transportar comida entre dois andares de um imóvel. Vão dar várias explicações diferentes para a palavra com o intuito de ligá-la a escravos, mas a verdade é que mansões, hotéis e restaurantes inventaram esses elevadorzinho bem útil. E só isso.

Crioulo: essa palavra – que significa uma etnia – nem surgiu no Brasil. Vem das Antilhas é aponta pessoas brancas que nasceram naquele país. Pode ser erradamente atribuído a cor de pele, sim, mas também é um dialeto (falado, por exemplo, no Haiti) e remete ao que vem da terra, como ‘caipira’. ‘regional’ ou ‘natural’. Ao esperar a proibição dessa palavra espera-se que se proíba os haitianos de falar sua língua materna? Isso seria muito racista.

Denegrir: esse é o exemplo mais ridículo dessa lista. Assim como ‘esclarecer’. A narrativa bizarra de quem o defende é afirmar que dizendo isso você assume que apenas o claro é positivo. Errado. Essa palavra tem seus registros mais antigos no Império Romano, vindo de ‘denegrare’. E o significado é óbvio: tente ler alguma coisa numa sala com a luz apagada. Precisa clarear. Clarear o ambiente, não a pele. Problematizar isso é tão absurdo que não espantaria que seus proponentes, em alguns anos, tentariam lhe proibir de dizer que o dia está ‘clareando’ ou, numa tarde chuvosa, o céu ‘escureceu’. Esse é o exemplo mais barato de vitimismo possível: mexer em uma palavra de dois mil anos atrás.

Esclarecer: mesma coisa da palavra acima.

Escravo: sabe de onde surgiu essa palavra? Dos Bálcãs. Já ouviu falar no povo eslavo?  Eslavos. Escravos. A maioria dos etimologistas aceita que essa palavra foi cunhada também pelos romanos para denominar os povos que eles subjugavam. Vem de ‘slavus’. A escravidão é uma instituição abjeta que incorre em dois erros: ela ainda não acabou e ela não começou na África durante o século XV. Sumérios, assíros, babilônicos, hebreus, gregos, fenícios, escoceses, russos, indianos, tailandeses, japoneses, chineses e tantos outros povos, já foram escravos. Apagá-la é reescrever a História, não aprender com ela. Aceitar a pós-verdade. Esse câncer. Depois vamos apagar o que? A palavra ‘holocausto’? ‘Nazismo’? Não. E sabe por quê? Porque os judeus querem que o mundo nunca mais se esqueça disso. E essa sim é uma decisão sábia. Demonizar de forma indelével um genocídio.

Inhaca: essa palavra pode ou não ter origem racista. De um lado ela vem do povo tupi e pode significar ‘odor’. Mas, por outro lado, pode remeter ao banto (de Angola) e faz referência a um rei. Ainda assim, há ações muito mais efetivas para tomar do que lidar com um termo que, se extinto, vai ser substituído por outro. Porque, a realidade, é que proibir a palavra não extirpa a chama nociva de quem pretende magoar alguém de forma imunda.

Macumbeiro: essa é uma das palavras mais sem-sentido dessa lista. ‘Macumba’ é um nome africano dado a um tipo de ritual, oferenda. Também é o nome de um tambor. Muitos praticantes de religiões de matrizes africanas usam esse termo sem problemas e da forma correta. O problema é o desrespeito. A ignorância. A impressão que fica é de que essa lista foi feita por gente que nem imagina como são realmente essas práticas e apenas materializou o seu próprio preconceito velado. Se você passa a assumir que tudo que remeta à África tem uma conotação negativa ou que possa ser usada de forma ruim, então o racista é você.

Mulata: diz-se que o termo deriva de ‘mula’, mas a bibliografia dessa conclusão é imprecisa. Mulata é a pessoa cuja origem deriva de negros e brancos. Pode ser ofensivo? Talvez sim, talvez não. A ofensa não mora na palavra, mas sim no tom com o qual é dita. Nas intenções. E já há Legislação para isso. Por outro lado, a problematização efusiva cria ainda mais problemas. Nos anos 70, o showman Osvaldo Sargentelli virou um fenômeno com o show de suas lindas moças: as “Mulatas do Sargentelli”. Conforme foi-se problematizando o termo, essas moças passaram a encontrar mais e mais dificuldades para poder se apresentar, em especial depois da morte do fundador em 2002. Ex-dançarinas, como a atriz Solange Couto, contam com tristeza o fim daquela era.

Mas também há os termos. Vamos nos aprofundar neles.

A coisa tá preta: extremamente impreciso, há registros preconceituosos que remetem aos escravos, mas também há registros de Portugal (que não tinha escravos além das colônias) referindo à roupa suja de crianças arteiras. Elza Soares gravou uma música com esse nome e Sandra de Sá usa recorrentemente esse termo. Negras e militantes. Inconclusivo.

Barriga suja: eu nunca tinha ouvido isso na minha vida. E foi difícil encontrar a raiz. Vários textos militantes com muita opinião, mas sem nenhuma base real. Contudo consegui achar uma referência pesquisando no acervo da Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia. De acordo com o documento, era o nome dado a uma mulher branca que engravidou de um negro. Certo. Termo ofensivo, escroto e desgraçado. Por favor, não seja boçal, então não use.

Cabelo ruim: diz-se de cabelos não-lisos. Se você já usou esse termo para se referir a alguma pessoa, espero que fique careca. Você acha que o mundo tem que ser o seu espelho e isso te torna uma figura moralmente leprosa. Por favor, deixe de existir e sofra antes de morrer.

Chuta que é macumba: não chuta, o santo pode ficar bolado contigo!

Cor de pele: totalmente fora de contexto e possivelmente proposto por alguém que perdeu um cérebro pelo nariz depois de um espirro forte. Você pára de usa ‘cor de pele’ e depois ‘cor dos olhos’, ‘sabor do sorvete’ ou qualquer outra imbecilidade sem contexto (ou com uma bíblia contextualizando) porque um floquinho de neve pode se ofender. Não. Floquinho de neve pode insultar pessoas muito brancas ou albinas. É dos mesmo criadores de ‘denegrir’; Então ‘lua cheia’ ofende os gordos (assim como ‘balança’), ‘lista amarela’ os japoneses e ‘baixo nível’ os anões. Aliás... já que é para reescrever a História, tire o vermelho das bandeiras da China e da União Soviética para não ofender aos nativos americanos.

Da cor do pecado: essa é bem escrota. Elogiosa ou não, é realmente muito escrota. Ninguém é 'um pecado', irmão... você que é um fraco infeliz.

Dia de branco: sem origem certa, o mais provável é que remeta ao Brasil Colonial e tenha, de fato, cunho racista. Essa eu também não conhecia e é bem tosca. Por favor, não use.

Disputar e nega: tem a ver com desempate, mas aponta-se que foi usada no passado para definir disputas por escravas. Pode ou não ser verdade. Honestamente, parece ser. Tem caído em desuso e isso é muito bom. Tomara que continue assim. Obsoleto. Nos anos 60, usava-se 'disputar as minas', mas não encontrei literatura que me apontasse o significado de 'minas'. Bem ruim.

Estampa étnica: uma pessoa precisa ser muito recalcada para se ofender com isso. Estampa é qualquer padrão colocado sobre uma superfície. Étnico é tudo que vem de um grupo específico de pessoas (e suas peculiaridades). Tulipas tirolesas? Rosas de cerejeira japonesas? A calçada de Copacabana? Cerâmica branca ucraniana? Losangos paralelos helênicos azuis? Isso são estampas étnicas. E há muito disso na África. Dezenas de etnias diferentes. Olhe os figurinos do filme ‘Pantera Negra’. Problematizar isso vem da mesma gente doente que viralizou constrangendo uma moça branca com lenço na cabeça afirmando ‘apropriação cultural’ (termo, nesses moldes, completamente inaplicável) para descobrir que ela cobria a cabeça por ter câncer. Parabéns. O retardo mental venceu. Ah... não pode dizer ‘retardo mental’... mas eu digo, porque esse tipo de pessoa não tem nada de ‘especial’. É só a burrice, mesmo.

Feito nas coxas: pode ou não ter a ver com a escravidão, mas esse termo é hispânico e surgiu nas ilhas do Caribe. Costumava ser associado ao coito interrompido na região da virilha. Diziam, por exemplo, em Cuba (pré-Fulgencio Batista), que crianças feitas assim eram problemáticas. Faz sentido, pois não eram planejadas.

Galinha de macumba: não vou explicar de novo, lê acima.

Inveja branca / magia negra: é muita ignorância ou falta de caráter, mesmo. Pergunte a qualquer menininha de 13 anos que gosta de Wicca. São termos que remetem aos druidas em uma época onde parte da Inglaterra ainda era o reino de Essex. Sem negros. Sem escravos. Com o mesmo sentido de ‘denegrir’, o escuro assustava. Por isso, ‘magia negra’ era uma ‘magia desconhecida’. E ‘inveja branca’ era o oposto. O que se conhecia. Segundo Rebecca Brendt, praticante do rito: “a inveja branca é aquela que você trouxe à luz... que você assumiu... de forma quase elogiosa”.

Humor negro: não, não é uma piada contada em suaíli. Foi um termo criado pelo surrealista André Breton em 1935 ao se referir à obra do escritor inglês Jonathan Swift indicando como ‘negro’, como supracitado, o desconhecido ou o escuro. Era o humor mórbido que lidava com a morte e a tragédia. Alguns, no entanto, chegam a afirmar que o termo teria sido cunhado por Aristóteles, na Grécia Antiga, mas não há como provar isso ainda. Não é racista e achar isso é, na melhor das hipóteses, babaca.

Lista negra: é a mesma coisa, significando ‘negro’ o ‘escuro’ ou o ‘desconhecido’. Esses desespero tosco por mudar tudo com o que não se concorda pode chegar a tal nível que, um dia, vão exigir que se troquem as cores das peças de xadrez. Se é que alguém já não pediu isso. Até perdi o ânimo de escrever sobre as cinzas das listas...

Meia-tigela: parece piada, mas não é. Dizem que esse termo denigre os negros. Bem, mas de onde vem? Na Corte Portuguesa, quem não morava nos palácios era servido de comida em potes. O tamanho variava com a importância. Os menos importantes, ganhavam meia tigela. Não eram escravos, nem eram negros. Eram só pobres. Escravos nem ganhavam nada, coitados. A burguesia, por exemplo, também não ganhava isso, já que sequer trabalhava para a Monarquia. Criminaliza-se ‘meia tigela’, depois ‘vira-latas’ e daqui a 10 anos seremos obrigados a dizer que todo cão é um ‘dálmata’.

Mercado negro: não, não tem a ver com o local onde se vendia escravos. Aquilo era mercado de escravos e Salvador tem um pelourinho bem grande para você visitar e descobrir que nossos antepassados eram canalhas escravagistas. ‘Mercado negro’ como conhecemos vem do russo ‘Черный рынок’. Depois da Revolução Russa, rebeldes fugiram para as proximidades com a Ucrânia e, com o intuito de bancar financeiramente seus ataques ao Kremlin, começaram a vender armas roubadas. Não há um consenso sobre ‘negro’ vir da inspiração nas bandeiras dos antigos piratas (que nada tinha a ver com escravidão) ou simplesmente com a cor das armas à venda. O fato é que os russos não tinhas escravos e o ‘negro’ da bandeira é pela mesma razão das operações black flag ou dar fardas pretas de grupos militares de elite: assusta e impõe respeito (além de camulhar bem à noite, como os doguis dos ninjas).

Não sou tuas negas: tá... essa é muito errada... pára já com isso, pô!

Nasceu com um pé na cozinha: pior ainda. Se você usa isso e está me lendo, pare imediatamente e caia fora. Você não é bem vindo aqui. Que coisa mais escrota.

Nega maluca:  não há consenso da origem, mas é de comum acordo que esse bolo deve ter sido criado por uma escrava. Se vamos problematizar ‘nega maluca’, então também vamos trocar ‘pé de moleque’, ‘dedo de moça’ e ‘olho de gato’. Coerência deve ser o mínimo.

Negra com traços finos, ou negro de alma branca: isso não é crime? Qualquer menção desonrosa a alguém – mesmo física – é uma escrotice sem limite. Se esse tipo de frase desdenhosa não é crime, deveria ser. Contudo, se não é permitido fazer o comparativo pejorativo, que também não se faça o elogioso. Comparação é comparação... e é errado de qualquer forma. PÁRA!

Negra de beleza exótica: se é um elogio e a beleza é exótica, então é apenas um fato. Parabéns para a menina!

Ovelha negra: é Rita Lee, querem te proibir, mulher. E olha que nem a ditadura fez isso. Esse deve ser o termo mais antigo de todos. Vem da Antiguidade, no Oriente Médio. Quando, em meio a um grupo de ovelhas brancas nascia uma negra, ela se afastava das demais. Os pastores também tendiam a não gostar, pois sua lã valia menos. Não por preconceito, mas porque é mais fácil tingir lã branca do que lã preta. Até que, na Idade Média, começaram a sacrificar animais pretos em rituais e surgiu essa ‘tradição’ imbecil. Está tudo bem,tia  Ritinha... eu sei como você se sente... também sou.

Quando não está preso está armado: outra que se não der cadeia, deveria dar. Acho que dá. Não quero botar fogo em racista, mas dar uma surra eu aceito.

Samba do crioulo doido: parceiro, isso é o nome de uma música. Foi composta em 1966 por Sérgio Porto (dos Originais de Samba) para tirar sarro da lei criada durante a ditadura que obrigava as escolas de samba a fazem enredos apenas de fatos históricos. Você é um camarada de esquerda e não gosta desse termo? Beleza, o general Castelo Branco também não gostou.

Serviço de preto: tão escrota quanto ‘não está preso está armado’. Para com esse negócio. Agora!

Teta de nega: que coisa mais deselegante. Mas não por racismo, mas por ser rampeiro, mesmo. Está no mesmo balaio que "raba" e "b*cet@". Evite isso. Não envergonhe sua mãe.

Volta pro mar, oferenda: está chamando uma pessoa de feia? Tosco. Engraçado, mas tosco. Está tentando ser racista? Isso nem faz sentido. Tentando zoar a religião dos outros? Já viu uma oferenda? Graças ao seu desconhecimento, a piada é você. Estou rindo. Obrigado.

Censura

A verdade é que não se tratam apenas de palavras isoladas cujos significados foram moldados para caber numa narrativa plástica e pouco eficaz. O Brasil vive, de fato, à portas de ter que (mais uma vez) tolerar alguém dizendo o que pode ou não ser dito e – principalmente – definir o que é ou não é verdade, apagando certas verdades inconvenientes e criando glórias fictícias.

Sem competência para o aborto

Em 2018 o STF (Supremo Tribunal Federal) tentou criar uma lei para facilitar o aborto, similar ao que houve na Argentina. O que está em discussão não é o aborto, mas o desvio de função.

São três poderes, mas como eles funcionam?

O Executivo (prefeitos, governadores e presidentes) faz as obras. Estradas, hospitais, escolas, aeroportos, fomentam o turismo, o esporte e a economia. O Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) cria as leis sob as quais vivemos. E o judiciário (juízes, policiais, promotores, advogados e etc) garante que todos cumpram tais leis, do povo ao próprio governo. É assim que funciona e é assim que deve funcionar.

Então é seguro afirmar que o Legislativo é o único que pode criar leais, correto? Aliás, existem regras que proíbem um Poder de usurpar as funções ou atribuições do outro. A Tripartição.

Quatro anos atrás, ministros do Supremo Tribunal Federal simplesmente atropelaram a Tripartição dos Poderes e tentaram impor ilegalmente uma lei pró-abordo. Isso – ignorando o mérito da causa – já foi um atentado gravíssimo à Democracia brasileira.

Mas o Brasil, contudo, transformado da máquina de relativizar lógica que se tornou, fingiu que nada aconteceu. Um ano depois, o STF voltou a legislar, mas dessa vez com sucesso: alegando omissão inconstitucional do Congresso Nacional, eles tipificaram homofobia e transfobia como crimes de racismo. O mérito é nobre e certamente é urgente a necessidade de proteger as pessoas da comunidade LGBTQIAP+, mas o 'xerife' jamais deveria arrogar para si as funções do 'síndico'. Isso criou um precedente perigocíssimo: uma porta aberta para a ditadura.

Além do mais, sequer faz sentido ordenar um crime de ordem social (orientação sexual) como se fosse de origem genética (etnico-racial). É por causa de manobras desastradas como essa que hoje, nos Estados Unidos, pessoas brancas são classificadas como negras pelo sotaque e pessoas negras são avaliadas como brancas pelo estilo de vida. O óbvio se tornou subjetivo e o mundo está ficando louco. Mas isso foi apenas a ponta do iceberg. Muito ainda teria a piorar.

O Inquérito das Fake News

Em 14 de março de 2019 o Supremo Tribunal Federal abriu um inquérito – o de número 4.781 – para investigar a existência de notícias falsas na internet. Não que algum tipo de moderação não fosse necessária, mas essa ação completamente despropositada não se ancorava em alicerces firmes.

Para começo de conversa, as agências de checagem que ganharam praticamente o aval de censoras eram braços de grandes grupos midiáticos que, eles mesmos, publicavam notícias falsas. Como foi com a pseudo-morte da rainha Elizabeth II, um ano antes de realmente morrer.

Entre figuras como o podcaster Mornak – acusado de propaganda nazista e expulso do YouTube – e o ex-presidiário Roberto Jefferson, que cometeu todos os crimes de colarinho branco que podia (e um pouco mais), o mais icônico é o caso do Antagonista e sua revista.

Em abril de 2019 – pela primeira vez desde a redemocratização do país em 1988 – uma matéria jornalística foi censurada. O artigo de nome ‘O amigo do amigo do meu pai’ foi publicado pela Revista Crusoé e apontava uma possível ligação entre o empresário Marcelo Odebrecht, preso por corrupção, e o ministro Dias Toffoni, então presidente do STF. O ministro Alexandre de Moraes ordenou a exclusão da matéria, que era pautada exclusivamente por documentos oficiais. A verdade doeu e, então, virou mentira. Hitler aprovou.

“La garantia soy yo”

No ano passado, o deputado Daniel Silveira (PSL) – que é um babaca, mas isso não vem ao caso aqui – foi preso por ameaçar membros da corte do STF. E quem o julgou? Membros da corte do STF. Justamente os ofendidos. E afirmam categoricamente que isso não feriu sua parcialidade. Claro que não. A democracia brasileira é estável. Por isso a fila de investidores estrangeiros interessados em negociar conosco é tão grande.

E nas eleições desse ano as coisas só pioram. Moraes, agora à frente do TSE, escravizou o país denegrindo nossas liberdades e nos fazendo orar pela claridade de uma alforria. Eu disse alguma palavra que não devia?

Foi uma eleição entre dois mentirosos, mas apenas um foi proibido de mentir. O outro, ao contrário, foi protegido. Sequer coisas de sua vida – como sua prisão – poderiam ser citadas. É a pós-verdade fazendo suas vítimas. Curiosamente,  o mais prejudicado foi justamente o menos preferido pelo nobre magistrado. Curiosidade, apenas. Nada mais do que isso.

E agora, José?

A festa acabou. Querem dizer que palavras você não pode dizer. Já estão decidindo quais você não pode ler. Ou ouvir. O povo sumiu. Amanhã, as redes sociais também. A liberdade. E o que virá depois? Queima de livros? Tribunais de raça? Volksgerichtshof? E agora, José? O que ama, protesta? Canta? Dança? Abraça? Apesar de tudo? “Apesar de você”, Chico?

Só nos resta rezar. Pai. Afasta de mim esse cálice?

"Chegará o dia em que teremos que provar ao mundo que a grama é verde" (G.K. Chesterton)


>> SOBRE O AUTOR

Ricardo Latorre

>> COMPARTILHE