População de rua se torna debate em audiência pública

População de rua se torna debate em audiência pública
Foto: Rick Latorre

Friday, 24 November 2023

Desde a execução de Giovane, no Giassi, o assunto esquentou, mas o debate já havia tomado a sociedade ainda antes do inverno.

No começo de outubro um morador de rua chamado Giovane Ferreira da Silva (29) foi executado em frente ao Giassi com 18 facadas. O assassino – que cometeu o crime na frente da própria filha de apenas dois anos de idade – foi preso em flagrante e o crime, filmado por testemunhas, repercutiu na internet abrindo ampla discussão sobre o tema.

Nos últimos meses a população de rua se tem feito perceber com mais intensidade pelas ruas do município. Pessoas transformando calçadas em ‘casa’ têm se alastrado e dividido opiniões.

O tema é delicado e o assunto, complexo.

Por um lado, raramente uma pessoa nasce morando na rua. Para chegar a esse ponto, coisas muito ruins aconteceram na vida de alguém. E, sinceramente, uma pessoa que está nesse ponto dificilmente conseguirá melhorar sua condição se não for auxiliada de alguma forma.

Sempre é comentado que o problema da drogadição é o catalisador para essa terrível condição social. Contudo, algumas dessas pessoas, também sofrem com graves transtornos mentais. E, sejamos francos: em um mundo onde pacientes psiquiátricos são estigmatizados até mesmo quando estão em boas condições financeiras, imagine um andarilho...

Por outro lado, pessoas em situação de rua estão causando transtorno social. Não é incomum ver mendigos esperando mulheres sozinhas chegarem com compras em seus carros em estacionamentos de supermercados para pedir insistentemente dinheiro. Na prática, assalto.

Pessoas urinando nas ruas e deixando imunda uma cidade conhecida pela limpeza não devem ser toleradas. Cidadãos – em surto – importunando mulheres, não devem ser ignorados.

Logo que o inverno chegou iniciou-se um debate sobre um grupo que se reunia perto de um ponto de ônibus à noite. Obviamente são cidadãos e, como tal, têm o direito de estar onde quiserem (e puderem). No entanto, mulheres saindo do trabalho esperando transporte para casa pouco depois das 22h também têm o direito de não ter medo de serem estupradas.

E digo isso porque esse grupo, em particular, tinha histórico de assediar pedestres.

Com essa complicada questão nas mãos, o presidente da Câmara de Vereadores de Blumenau – Almir Vieira (PP) – convocou uma audiência pública na noite desta quinta (23) para debater esse assunto que tomou as manchetes e as rodas de conversa em toda a cidade.

A secretária do Desenvolvimento Social, Patrícia Morastoni Sasse, esteve lá bem como Anderson Lopes Miranda (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania), Leonardo Muller Trainini (Justiça Federal), Eduardo Creuz (OAB), Fábio Ramos (Conselho de Políticas sobre Drogas), Marli Olinda Tomelin (Semudes), Nayara Brito (AMVE), Maria Eunice Bernerdt Malacarni (Conselho de Assistência Social), Elsa Cristine Bevian (Centro de Defesa dos Direitos Humanos), Sérgio Luis Santos (COMEN), André Schaefer (Pop Rua), Eduardo Soares (CDL) e Francisco Ostermann de Aguiar (Cejuscon)... entre outros.

As falas mantiveram civilidade, mas apontaram incoerências. Anderson Miranda – representante do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania – chegou a dizer: “Um dia eu cheguei para o secretário municipal e falei... olha... se o senhor não resolver o problema de 15 famílias nós vamos ocupar esse espaço ou botar fogo no espaço”. Sério? Ele, em seu passado, ameaçou atear fogo em um lugar se não fosse atendido? E qual o nome disso? Assalto? Terrorismo? Ou mentira? Porque, em todos os casos, é bem ruim.

Também disse que um lojista ou proprietário de casa não deveria reclamar porque alguém urinou ou defecou em sua porta, mas sim chamar a 'responsabilidade'. Bem... a responsabilidade do contribuinte é pagar seus impostos, não limpar o excremento dos outros...

Como ele mesmo frisou posteriormente, é deliberação do ente público – jamais privado – lidar com a questão colateral da crescente população de rua. E, ainda em suas palavras, trazer dignidade e moradia para essas pessoas, mas fazendo com que entendam que há Direitos, mas também há Deveres. Que tenham trabalho para que não voltem para as ruas e que possam compreender que as coisas não devem ser ‘dadas’, mas sim ‘conquistadas’.

Até então a platéia estava consideravelmente civilizada, mas quando o presidente Almir Vieira subiu à tribuna, tudo mudou. Interrupções e barulho dificultaram propositalmente sua fala.

Aqui devemos perceber uma coisa fundamental: que tipo de sociedade civilizada você reclama para si quando você mesmo age como um animal quando alguém diz algo com o qual discorda? Não é Democracia se você só quer dar direito a voz para pessoas que digam coisas com as quais você concorde. Democracia é, acima de tudo, o direito ao contraditório.

A representante dos Direitos Humanos, Elsa Cristine Bevian, sequer conseguiu respeitar o tempo de fala, tentando se exceder. Eu a conheço e gosto dela, mas... pelo amor de Deus... como alguém que não respeita um cronômetro pode pedir que se respeite algo mais?

Democracia não é berrar para que meu discordante não seja ouvido e reclamar que meu concordante não ganhou de presente tempo de fala que outros simplesmente não ganharam.

Anderson diz que – em algum lugar de seu passado – ameaçou um secretário municipal dizendo que atearia fogo num lugar. E se o secretário, em defesa, também o ameaçasse? “Taca fogo aqui e eu taco fogo em você”. Errado. MUITO errado. Um acéfalo qualquer berrava e tentava ridicularizar Almir em sua fala, interrompendo constantemente. E se Almir tivesse pedido à PM que retirasse o sujeito? Seria reacionário? Mas interromper, por si só, já não é reacionário? Calar adversários não seria um ato fascista? Por que uns podem e outros não?

A hipocrisia é um grande câncer social. A sociedade jamais será melhor enquanto as pessoas forem hipócritas. Enquanto não conseguirem lidar com quem pensa diferente. Não ataque quem discorda de você. Ou não reclame quando for atacado de volta.

A questão dos moradores de rua é extremamente complexa e delicada. Estamos falando de pessoas marginalizadas, às vezes sem documentos e com necessidades básicas negligenciadas por um mundo que finge não as ver (incluindo o IBGE). Mas também falamos de uma sociedade cansada de violência que não tolera mais sujeira alheia na porta de sua casa. Uma sociedade que não quer pagar banheiro para mendigo enquanto vê seus entes queridos morrendo na fila do SUS, sem atendimento.

Algumas dessas pessoas travam uma intensa batalha pessoal contra as drogas. Outras, contra os fantasma de sua própria mente. Alguém nessa condição, não raramente, não enxerga que precisa de ajuda.  Não adianta torcer o nariz para internação compulsória. Assim como não adianta ignorar todas as violações que a causa manicomial cria.

O grande problema é que enquanto políticos e representantes varam noites debatendo, moradores de rua morrem sendo sepultados como indigentes e o crescente medo da violência urbana assombra a cidade que, aos poucos, está se tornando uma colônia de leprosos enquanto um prefeito incapaz e alquebrado finge não ter responsabilidades.

De qualquer forma, a dica que fica é: jamais dê dinheiro. Não incentive o que já está ruim!


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Ricardo Latorre

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