Audiência sobre ciclomotores vai além do problema do Trânsito

Audiência sobre ciclomotores vai além do problema do Trânsito
Foto: Divulgação

Wednesday, 23 April 2025

Numa cidade infestada de motos com escapamentos irregulares e ciclistas imprudentes, o desinteresse no assunto mostrou porque ele se tornou um problema tão grande.

Nessa terça (22), a Câmara de Vereadores de Blumenau promoveu uma audiência pública com a finalidade de debater o uso de ciclomotores e bicicletas elétricas no município.

Proposta pelo vereador Flávio Linhares (PL) – líder do governo –, a reunião contou com os também vereadores Diego Nasato (Novo), Bruno Win (Novo) e Jean Volpato (PT). Também estiveram presentes o comandante do 10º Batalhão da Polícia Militar, Heintje Heerdt, o secretário municipal de Trânsito, Fábio Campos, e o diretor da Secretaria Municipal de Trânsito, João Inocêncio Carneiro.

Em um plenário esvaziado, sendo transmitido ao vivo pelo YouTube para menos de duas dúzias de pessoas e prestigiado por apenas quatro vereadores, a pauta era importantíssima para definir aquilo que, futuramente, os parlamentares faltantes usarão o microfone para lamuriar.

Fábio Campos, em sua fala, explicou de forma simples e didática as diferenças entre veículos ciclomotores e equipamentos de mobilidade individual autopropelidos (EMIAs). Inocêncio explicou as fiscalizações que a prefeitura fez e quais as razões que mais preocupam o Executivo, deixando claro que as penalidades só serão aplicadas no ano que vem. Já o tenente-coronel Heerdt explicou por que o blumenauense adotou essa modalidade de transporte e contou um incodente que soubera recentemente.

“Hoje mesmo, na prefeitura, eu soube que um funcionário da Seplan (Secretaria de Planejamento) foi atropelado por um menor de 12 anos que estava utilizando um patinete, e ele sofreu sérias lesões” – contou o comandante, pontuando a gravidade do tema abordado.

Uma breve história desses (não tão) novos meios de transporte

Considerados uma evolução da bicicleta, os ciclomotores são veículos de baixa cilindrada que surgiram entre o fim do século XIX e o começo do século XX, ganhando grande popularidade na Europa nos anos 60, com a Vespa e a Lambretta na Itália, bem como a Mobilete e a Caloi (nossa linda patrocinadora) no Brasil.

Já os EMIAs são um reflexo da evolução dos motores elétricos, surgindo no fim do século XX e se popularizando no transcorrer do século XXI, especialmente nos Estados Unidos.

Sua popularização – e posterior disseminação – pelo Brasil remonta ao ano de 2019, quando tais veículos elétricos ganharam grande popularidade em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Sua chegada a Santa Catarina começa a ser sentida em 2020.

A legislação brasileira – em especial na Resolução nº 996 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) – define ciclomotores como veículos de duas a três rodas, com motor de combustão interna com cilindrada não excedente a 50 cm³ (ou de propulsão elétrica com potência máxima de 4 kW) e velocidade máxima de fabricação não superior a 50 km/h.

Desde 2016, exige-se licenciamento no Registro Nacional de Veículos Automotores (RENAVAM), com prazo para regularização dos veículos já em circulação até 31 de dezembro de 2025. Também é necessária CNH na categoria A (motocicletas) ou a Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC), sendo obrigatório o uso de retrovisores, farol dianteiro, lanterna traseira, buzina e capacete, sem mencionar que sua circulação está proibida em vias de trânsito rápido, ciclovias e calçadas.

Diferente dos ciclomotores, os EMIAs são definidos como veículos elétricos com uma ou mais rodas, destinados ao transporte individual, cuja velocidade máxima de fabricação não exceda 32 km/h e cujas dimensões fiquem entre 70 cm de largura e 130 cm de distância entre os eixos.

Não estão sujeitos a licenciamento, registro ou emplacamento, e seus condutores não precisam ter qualquer tipo de CNH ou ACC. Entretanto, é exigido que tenham um limitador eletrônico de velocidade, campainha, sinalização noturna (dianteira, traseira e lateral) e que possam circular entre pedestres (até 6 km/h), em ciclofaixas e em vias com velocidade máxima de até 40 km/h.

Contudo, vale lembrar que seu uso está submetido a regulamentações municipais.

Enquanto isso, a bicicleta elétrica é definida pela Resolução nº 996/2023 como uma bicicleta dotada de motor elétrico com potência nominal máxima de até 1000 W e velocidade máxima de assistência de até 32 km/h, que também deve ter um indicador de velocidade e segue as mesmas regras aplicadas às bicicletas tradicionais.

A questão da idade

Se para ciclomotores é exigida idade mínima de 18 anos (com CNH ou ACC), os EMIAs independem de tais imposições, o que, objetivamente, soa incoerente.

Além da segurança viária e da uniformidade regulamentatória nacional, a limitação de idade protegeria os adolescentes de si mesmos, criaria regras que os pais poderiam seguir e definiria a responsabilidade em caso de incidentes.

Ao mencionar o atropelamento do servidor público blumenauense por um garoto de 12 anos, o comandante Heerdt concluiu: “como é que fica a questão da responsabilidade (tanto cível quanto penal) em relação a isso? Claro que, no caso do menor, ele não tinha intenção [de ferir a vítima], mas isso gera uma responsabilidade... quem vai ser o responsável? Você tem que ter essa preocupação e fazer os ajustes.

Ora, então façamos uma pergunta mais básica: por que um menor de 18 anos não pode tirar CNH?

Entre os diversos embasamentos teóricos que sustentam a Legislação Brasileira de Trânsito, consta que o desenvolvimento cognitivo e a maturidade ainda não são plenos, acarretando em:

  • Inconsequência: adolescentes ainda não têm seu pensamento abstrato plenamente funcional e, portanto, são pouco capazes de calcular os resultados de seus atos, sendo menos hábeis ao antever riscos e presumir complexos imprevistos do trânsito;
  • Impulsividade: com o córtex pré-frontal ainda em desenvolvimento, sua capacidade de tomada de decisões, planejamento e controle de seus instintos mais impulsivos ainda é muito limitada, tornando-os propensos a subestimar os perigos;
  • Irresponsabilidade: ainda em fase de compreensão das normas sociais, o adolescente não compreende suas obrigações legais ou implicações éticas como um todo e, justamente por isso, é teoricamente inimputável.

Além disso, seu desenvolvimento psicossocial ainda em construção pode levá-lo a ser influenciado por seu meio, amigos ou momento, e a superestimar suas próprias habilidades, justamente por ser alguém ainda pouco experiente e ter baixo nível de comparação.

Dessa forma, a Legislação Penal Brasileira – no artigo 228 da Constituição Federal e no artigo 27 do Código Penal – define que indivíduos com idade inferior a 18 anos não são plenamente responsáveis por seus atos. Aplicada ao trânsito, a lei determina que, em caso de acidentes envolvendo condutores menores de idade, a responsabilização legal recai sobre os pais ou responsáveis.

Não se restringe a veículos motorizados

Sob o pretexto de reduzir o trânsito em grandes áreas urbanas e aceitando dados pouco confiáveis e nem sempre acareáveis sobre transportes alternativos, damos ao transporte municipal público (ônibus) e às bicicletas mais privilégios do que talvez mereçam.

Enquanto um motociclista arca com IPVA e emplacamento, ciclistas estão isentos. Ciclistas que também fazem uso do asfalto, geram acidentes e, consequentemente, prejuízo ao erário público.

Certa vez ouvi um cicloativista orgulhoso dizendo que, na Alemanha, todos só andavam de bicicleta. Sinceramente, não sei qual Alemanha ele conheceu, mas certamente não foi a mesma que eu conheci. Ver algo ocorrendo em UMA cidade (episódio anedótico) não o torna regra. Isso sem mencionar topografia e clima: Blumenau tem muitos morros e é quente boa parte do ano.

A velocidade pode até ser um agravante, mas convenhamos que um atropelamento a 30 km/h não é inócuo.

Diariamente, vemos por todos os bairros de Blumenau ciclistas pedalando em alta velocidade nas calçadas – entre pedestres – enquanto há ciclofaixas (que custaram caro para os cofres públicos), mas eles têm preguiça de atravessar a rua. E isso está errado!

O artigo 59 do CTB estabelece que a calçada é destinada exclusivamente aos pedestres, e o uso por ciclistas só é permitido quando autorizado por sinalização específica ou em casos excepcionais, como quando não há ciclovia, ciclofaixa ou acostamento disponível. Esse não é o caso da Rua Sete de Setembro (com DUAS faixas dpara ciclistas), Caçadores ou República Argentina.

Se há uma ciclovia ou ciclofaixa do outro lado da rua, o ciclista deve utilizá-la, conforme determina o artigo 58 do CTB, que prioriza o uso de vias destinadas às bicicletas. Pedalar na calçada, nesse caso, pode ser considerado infração, sujeita a multa (artigo 255 do CTB), classificada como infração média, com penalidade de R$ 130,16 e possibilidade de remoção da bicicleta.

Mas, sinceramente, quando foi a última vez que você soube de um mau ciclista que foi punido?

Provavelmente nunca. Porque as leis brasileiras são fracas, o Judiciário pune pouco e as forças de fiscalização vivem sobrecarregadas e, não raramente, são abandonadas pelo Poder Público. Isso cria aquele que seja, talvez, o pior aspecto do Brasil: a sensação da impunidade.

Os Países Baixos – conhecidos pela sua alta civilidade e amor pela cultura ciclística – proíbem adultos de andar de bicicleta em calçadas. O mesmo a Alemanha (a real) faz, bem como a França e a Itália. Os australianos consideram bicicletas como veículos sob as mesmas regras de carros e motos. O Japão tem uma rígida regulamentação específica para isso.

Todos os países sérios criam normas que protejam pedestres de veículos individuais (como bicicletas, ciclomotores ou patinetes), provendo uma boa estrutura cicloviária (que Blumenau tem tentado fazer), equiparando os veículos e garantindo a responsabilização por seus atos.

Subindo à tribuna da Câmara de Blumenau, o guarda municipal de Itapema – Agnaldo Alves Garcia Junior – lembrou que o município que representa criou uma Medida Provisória no início deste ano que proibiu ciclomotores de transitar pelas vias de ciclistas. A ação foi tomada depois que José Divan Manoel de Lima foi atropelado por uma scooter elétrica na noite de Réveillon, vindo a óbito posteriormente. A tragédia ocorreu em Meia Praia, na Rua 231.

Ontem, na cidade de Manaus (AM), Bernardo Rodrigues de Barros (60 anos) morreu ao ser atropelado por uma bicicleta. Acontece todos os dias e em todos os lugares.

Sejamos francos

As autoridades não se importam.

Motocicletas com escapamentos criminosamente ruidosos infestam todos os recantos da cidade, junto a carros com som alto (e gosto musical medíocre), tirando a paz das pessoas. Motoqueiros vivem costurando os carros em ruas movimentadas. E isso só piora.

Há leis. O artigo 230, inciso VII, considera infração grave conduzir motos barulhentas, acarretando multa e apreensão do veículo. Já a Lei de Contravenções Penais, em seu artigo 42, pune quem perturba o sossego alheio por meio de ruídos excessivos, valendo-se para escapamento escroto e música alta. Já o zigue-zague de motos por entre carros, apelidado de “costurar”, é previsto pelo CTB nos artigos 170 (direção perigosa) e 192 (não guardar distância segura).

Até mesmo empinar motos tem uma tipificação: o artigo 244, inciso III, do CTB considera infração gravíssima "conduzir motocicleta, motoneta ou ciclomotor fazendo malabarismo ou equilibrando-se apenas em uma roda".

Mas, se há tantas leis, por que ainda acontece?

Repetindo o tópico acima: as autoridades não se importam.

Há falta de efetivo policial para rondas ostensivas. O baixo investimento em tecnologias de monitoramento eletrônico (câmeras) dificulta o flagrante, nem sempre as guardas de trânsito dispõem dos equipamentos necessários e, por tudo isso, priorizam-se crimes de maior gravidade.

Os legisladores, por sua vez, se acovardam na hora de comprar briga com setores barulhentos, agressivos e raramente brilhantes da sociedade, como os motoboys. Idem com os cicloativistas. Dessa forma, as leis são lenientes. Poderes Executivos por todo o país se furtam de sua função de educar, e o Judiciário – que lucra com a intensa burocratização do Brasil – mantém seu ritmo de produtividade abaixo até mesmo das mais ineficazes rotinas.

E isso cria uma lamentável cultura de impunidade, lhe dando a impressão de que você pode impor seus vícios e defeitos aos outros sem que nada lhe aconteça. E, raramente, acontece.

Mais leis melhorariam isso?

Lembra do cinto de segurança? Claro que lembra, você o usa diariamente. Mas até 1997 quase ninguém usava.
Surgiu com a Lei nº 9.503, que instituiu o CTB, no seu artigo 65, obrigando tal uso. O mesmo se vale para a Lei nº 11.705/2008 (Lei Seca), que puniu ébrios que dirigissem.

Criar leis que coíbam más práticas, punições duras, poder aos agentes para executar seu trabalho de fiscalização e rígido cumprimento das penas sempre gera resultados.

Singapura – que tem menos de 150 acidentes de trânsito por ano – possui uma das legislações de trânsito mais severas do planeta. A chave para tal sucesso – além das campanhas e medidas de controle – foi a consistência na fiscalização, abrangência em pontos imprevisíveis e certeza da punição. Isso foi o bastante para eles – e tantos outros países – lidarem com o problema.

As autoridades não se importam (MESMO)

É a terceira vez que usamos essa frase porque é uma dolorosa e recorrente verdade.

Blumenau tem tentado fazer um bom trabalho. Campos está se saindo muito bem. Egídio está investindo nas blitze e Heerdt tem feito milagres mantendo a cidade segura. Temos uma boa malha cicloviária e um povo ordeiro. Mas isso, por si só, não basta.

Os exames para se habilitar a dirigir focam cada vez menos na capacidade e cada vez mais no lucro, tornando-se caríssimos e habilitando qualquer quadrúpede que, depois de receber sua CNH, contribuirá para o trânsito ruim, perigoso, incivilizado e pouco fluido que temos. E isso não é culpa de Blumenau. Isso vem de cima... justamente de quem cria as Leis Federais.

Mas também temos nossa parcela de responsabilidade nisso.

Ontem, o vereador Flavinho teve a excelente ideia de debater o assunto. Toda a bancada do Novo e um representante do PT estiveram lá. 11 dos 15 vereadores sequer apareceram.

Vereadores esses que, logo, irão ao microfone da tribuna levar as reclamações de seus eleitores constantemente atropelados ou intimidados por ciclomotores... ou motoristas indignados com a violência do trânsito, tendo que lidar com o medo de um acidente.

Ano passado, um homem morreu em Itapema por causa disso. Ontem, foi um idoso amazonense.
Na tribuna, Yonara da Silva Souto – que é usuária desse tipo de veículo – disse se espantar com o fato de que adolescentes e crianças fazem uso deliberado de tal ferramenta.

O problema é mais sério do que parece, mais complexo do que parece, com raízes muito mais profundas do que parece e suas consequências poderão ir muito além do que aparentam.

Mas – fora quatro vereadores e três autoridades públicas – ninguém se importou como deveria. Até começarem os discursos demagógicos...

 

 


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Rick

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