Câmara dos Vereadores instaura a CPI do Esgoto

Câmara dos Vereadores instaura a CPI do Esgoto
Foto: Divulgação

Tuesday, 17 June 2025

Em 2009 a empresa que trata o esgoto de Blumenau havia prometido 100% da rede tratada em 2017. Oito anos depois são apenas 49% de esgoto tratado. Venha conhecer mais mentiras contadas por eles no transcorrer desses 16 anos na matéria abaixo.

Na sessão de quinta (12) a Câmara de Vereadores deu um aguardado presente de Dia dos Namorados para Blumenau: a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades administrativas e legais no contrato de concessão do serviço público de esgotamento sanitário de Blumenau.

A comissão deve ser composta por cinco membros respeitando a representação proporcional de partidos e blocos parlamentares, sendo um bloco formado por PL, Novo, Podemos, Republicanos, União Brasil e PSD, além do outro que é constituído do PP, PSDB, Cidadania e PT. A Procuradoria Jurídica da Casa atestou os requisitos regimentais para a criação da CPI.

O pedido de investigação vem dos vereadores Diego Nasato e Bruno Win, ambos do Partido Novo e com excelentes trabalhos legislativos. O pedido de abertura da CPI foi subscrito por 14 parlamentares, número superior ao mínimo exigido pelo Regimento Interno para tramitação.

A comissão também vai apurar os efeitos da Revisão Tarifária Extraordinária (RTE) e do 5º Termo Aditivo ao contrato firmado entre a Prefeitura de Blumenau, o SAMAE, a BRK Ambiental Blumenau S.A. e a Agência Intermunicipal de Regulação do Médio Vale do Itajaí (AGIR).

Entre os maiores focos, estará a investigação de um possível descumprimento do contrato de concessão, que previa a coleta de esgoto por meio de rede tubular, mas foi substituído parcialmente por caminhões de limpa fossa. Além disso, o reajuste de 15,9% da tarifa que revoltou a população da cidade também está na berlinda.

Entidades como ACIB, CDL, OAB, AMPE e Somar também fizeram cobranças a despeito do assunto.

Abaixo-assinado

Na manhã de ontem (16), um abaixo-assinado proposto pelo vereador Bruno Win foi criado visando mostrar que a população apóia a CPI do esgoto e rejeito o aumento na tarifa. O objetivo era colher 5 mil assinaturas. Interessados, podem votar nesse link.

Relembrar é viver

No dia 23 do mês passado, quando publicamos sobre a vergonhosa participação da BRK e da AGIR na Câmara dos Vereadores, contamos toda a linha do tempo de atuação da empresa em Blumenau (ou, pelo menos, o que o nosso jurídico nos permitiu publicar). Uma cronologia que deixa claro que a empresa tem sua trajetória por Blumenau sendo feita, na melhor das hipóteses, de maneira duvidosa.

Então, abaixo, relembraremos essa triste história tal qual fizemos semanas atrás.

Seja bem-vindo de volta a 2009

Com apenas 4,8% de cobertura de esgoto efetivamente implantada, Blumenau enfrentava um problema sério de saneamento básico. O Samae afirmava ter uma cobertura de 23,2%. Essa discrepância se devia a um convênio entre a prefeitura e o governo Lula para atender à região central da cidade, que não chegou a ser executado.

O então prefeito João Paulo Kleinübing lançou a Concorrência Pública nº 03-004/2009, visando à concessão dos serviços de esgotamento sanitário no município. O contrato previa um prazo de 35 anos (até 2044) e um valor estimado de R$ 1,89 bilhão, abrangendo desde a coleta até o tratamento e disposição final dos esgotos. Isso gerou muita crítica na época.

A Odebrecht venceu a licitação em 2010. As obras começaram em julho daquele ano, com a meta de alcançar 100% de esgoto tratado até 2017. Além disso, foi estabelecida uma parceria conhecida como Troca-PAC, na qual a Odebrecht se responsabilizou por executar uma obra inicialmente planejada em convênio com o governo federal, enquanto o Samae ficaria encarregado de implantar a rede de esgoto na Vila Itoupava.

Claro que o Samae não teve a capacidade de concluir tal obra dentro do prazo previsto (impactando negativamente a taxa de cobertura na cidade) e a Odebrecht não honrou a previsão de alcançar 65% de tratamento até 2012.

Hoje, 17 de junho de 2025, Blumenau tem apenas 49% de esgoto tratado.

Com um aumento injustificável (até pela ausência de dados explicativos da própria empresa), o cidadão blumenauense sofreu um acréscimo de extorsivos 15,9% na tarifa de esgoto, além de uma prorrogação contratual que deixa a cidade refém de seus serviços impopulares até 2064 e estabelece que quase metade da população pague uma taxa de 70% do consumo de água para os caminhões limpa-fossa da BRK. Esse último ponto é ultrajante.

Não chega a ser ilegal (porque a empresa atua mediante uma concessão pública), mas a ausência de concorrência direta fere os princípios da livre concorrência e a cobrança automática na fatura pode configurar cobrança indevida ou abusiva.

A BRK afirma que até 2029 terá concluído a cobertura de esgoto de Blumenau em mais de 90%. E isso chega a ser matematicamente engraçado, porque – na velocidade com a qual trabalham – um cálculo básico mostra que só entregariam a obra completa em 2042. O que faz sentido para uma empresa que tem mentido reiteradas vezes desde 2010.

Relembrando a Odebrecht e a Operação Lava Jato

Em 2014, a Odebrecht – hoje Novonor – foi um dos pivôs do maior esquema de corrupção do planeta, desmantelado pela Operação Lava Jato. Pagamento sistemático de propina a políticos e partidos em troca de contratos públicos, cartel com outras empreiteiras para fraudar licitações e esquematização do pagamento de propinas foram alguns dos crimes.

O escândalo envolvia contratos bilionários com a Petrobras, governos federal, estaduais, prefeituras e o próprio presidente Lula: amigo do amigo do pai de Marcelo Odebrecht. Mais de 70 executivos da empresa fizeram delação premiada, que firmou acordo de leniência se comprometendo a devolver mais de R$ 8 bilhões aos cofres públicos.

Entre 2016 e 2017, vários municípios começaram a reavaliar concessões ou aditivos com empresas do grupo, temendo irregularidades ou pressão pública. Blumenau já era achacada pela agora Foz do Brasil (Odebrecht), com a meta contratual inicial já desonrada.

O então prefeito Napoleão Bernardes (PSD) – seja lá por qual razão – não aproveitou o momento para reavaliar a posição submissa, desvantajosa e passiva que a cidade tinha com aquela que pertencia, até então, à empresa mais corrupta do planeta. Políticos locais como o próprio Napoleão e o ex-senador Dalírio Beber (PSDB) também tinham que justificar denúncias de que estariam envolvidos nas planilhas e esquemas dessa grande corporação nefasta.

Surgiram suspeitas, críticas e debates políticos onde se acusava (sem provas) alguns vereadores blumenauenses de terem recebido dinheiro para facilitar a entrada da Odebrecht em Blumenau. Até hoje ninguém provou culpa ou inocência do fato.

Em 2017, a Odebrecht vendeu sua operação de saneamento para o fundo canadense Brookfield Infrastructure Partners, rebatizando seu nome para BRK e fazendo um esforço de marketing para tentar desvincular seu nome da desgastada Foz do Brasil (porém mantendo praticamente os mesmos funcionários-chave, a mesma baixa responsabilidade ética e o mesmo serviço deplorável executado por cifras muito acima do que valem).

Empresas como essa justificaram a criação de um moderador. Surgia assim a AGIR.

A AGIR entra na história

Criada em 16 de abril de 2010, a AGIR representa 14 municípios (entre eles Blumenau, Apiúna, Ascurra, Benedito Novo, Botuverá, Brusque, Doutor Pedrinho, Gaspar, Guabiruba, Indaial, Pomerode, Rio dos Cedros e Rodeio). Já teve cinco presidentes – nenhum blumenauense (apesar de ser sediada aqui) – e trata-se de um consórcio público intermunicipal, com o objetivo de garantir a qualidade, a eficiência e a modicidade tarifária dos serviços públicos delegados a empresas concessionárias.

Mas é o que ela faz? Não necessariamente. A AGIR tem enfrentado críticas quanto à sua eficácia, especialmente no que diz respeito à transparência e à defesa dos interesses dos usuários. Basta lembrar que este ano a agência queria que a tarifa do transporte coletivo de Blumenau subisse a ofensivos R$ 8,98 – se tornando a mais cara do Brasil.

A agência – que é mantida por dinheiro público advindo dos impostos municipais das cidades consorciadas – tem agido mais como advogado de defesa mediador dos interesses de empresas cujos escrúpulos a sociedade questiona do que como defensora dos direitos daqueles que pagam caro pela sua existência.

E agora?

Nasato e Win são dois vereadores cujo trabalho de excelência e a honestidade são reconhecidos até por quem se opõe ao Novo. Outros vereadores, como Bruno Cunha e Gilson de Souza, emprestam sua competência e honradez à causa.

Em um país moralmente quebrado governado por toda sorte de criminosos, corruptos, analfabetos e imbecis egocêntricos e fúteis importantes dispositivos como CPIs perdem o brilho que deveriam ter remetendo mais a uma pizzaria figurativa do que a uma punição literal.

Contudo, não estamos em Brasília e nem no Senado. Não julgamos bets. Estamos na Câmara de Vereadores de Blumenau. E precisamos ser melhores do que aqueles a quem criticamos.

E que essa CPI sirva, enfim, para purificar o esgoto que tem exalado em Blumenau desde 2009.


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Rick

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