Gilmar Mendes atropela a Constituição para blindar o STF

Gilmar Mendes atropela a Constituição para blindar o STF
Foto: Divulgação

Tuesday, 09 December 2025

Decisão monocrática sobre Impeachment de ministros do Supremo gera polêmica: constitucionalidade em xeque e suspeitas de manobra política.

Em um despacho monocrático que ecoa como um terremoto no delicado equilíbrio entre os Poderes da República, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que apenas o Procurador-Geral da República (PGR) terá legitimidade para pedir o impeachment de ministros da Corte. A medida, proferida na última quarta-feira (3), suspende trechos da Lei do Impeachment (Lei nº 1.079/1950) que permitiam denúncias apresentadas por cidadãos comuns ou pelo presidente do Senado. Críticos veem na decisão não só um risco à accountability judicial, mas também um possível conluio com interesses do Palácio do Planalto, em meio a um governo Lula acusado de leniência com aliados sob escrutínio.

A decisão de Mendes veio em resposta a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pelo partido Solidariedade, que questionava aspectos da lei de impeachment aplicados a parlamentares. Em sua análise, o ministro argumentou que permitir pedidos de impeachment baseados em "meras discordâncias com decisões judiciais" seria "absolutamente incompatível com a ordem constitucional vigente", concentrando a prerrogativa na PGR para preservar a independência do Judiciário. No entanto, juristas consultados por veículos como a CNN Brasil apontam contradições: se o objetivo é blindar o STF de abusos, por que uma decisão individual – e não coletiva, pelo Plenário – altera um rito previsto na Constituição Federal de 1988?

A Constituição, em seu artigo 52, inciso II, atribui ao Senado a competência para processar e julgar autoridades, incluindo ministros do STF, por crimes de responsabilidade. Mas a lei infraconstitucional de 1950, em vigor há 75 anos, sempre permitiu que qualquer cidadão ou o presidente do Senado iniciasse o processo, com o PGR atuando como fiscal da lei. "Essa concentração de poder em uma única figura – o PGR, nomeado pelo presidente da República – fere o princípio da separação de Poderes e abre portas para impunidade seletiva", alerta o professor de Direito Constitucional da USP, Ives Gandra Martins Filho, em entrevista à Gazeta do Povo. Ele destaca cinco contradições na fundamentação de Mendes, como a omissão de precedentes em que o STF defendeu a ampla legitimidade para denúncias.

Não é a primeira vez que práticas monocráticas do STF geram acusações de ativismo judicial abusivo. O tribunal, sob a relatoria de Mendes em casos sensíveis, tem sido criticado por decisões que extrapolam o controle abstrato de normas, interferindo em competências legislativas e executivas. "O STF não pode ser árbitro, juiz e parte ao mesmo tempo", ironiza o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), líder da oposição na Câmara, que protocolou um requerimento de urgência para debater o tema no Congresso. "Isso cheira a corporativismo: proteger os pares de um Judiciário que, paradoxalmente, julga o país inteiro."

A especulação política ganha fôlego em um momento em que o governo Lula enfrenta desgaste com escândalos envolvendo aliados, como as investigações sobre o ex-ministro Alexandre de Moraes – ironicamente, alvo de pedidos de impeachment barrados pela própria Corte. Analistas sugerem que a decisão facilitaria uma "limpeza seletiva" no STF, permitindo que o Planalto, via PGR alinhada (a atual procuradora-geral, Elizabeth Wentz, é indicada pelo presidente), orquestre quedas de ministros opositores para reconquistar popularidade entre eleitores descontentes com a leniência percebida em casos de corrupção. "É um governo que perdoa crimes de colarinho branco enquanto prega moralidade", critica o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que já anunciou recurso ao Plenário do STF para derrubar a liminar. Redes sociais fervem com postagens como a do perfil @DireitaDiario, que chama a medida de "golpe de Estado judiciário" para blindar o PT.

Do lado governista, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu esclarecimentos, mas Mendes negou, mantendo a decisão intacta por enquanto. Especialistas como o professor Conrado Hübner Mendes, da USP, elogiam o acerto em evitar "caça às bruxas" via impeachment, mas alertam para o risco de um Judiciário intocável: "Sem freios democráticos, o STF se torna um superpoder, e isso é tão perigoso quanto o populismo punitivo."

O caso deve ir ao Plenário do STF nas próximas semanas, onde 11 ministros decidirão se o despacho de Mendes resiste ao escrutínio coletivo. Até lá, a nação assiste a um episódio que expõe as fissuras de um sistema político fragilizado: um Judiciário que se autoprotege, um Executivo que navega em águas turvas e um Legislativo pressionado a reagir. Resta saber se essa "reforma" monocrática fortalece a democracia ou apenas adia o inevitável acerto de contas com a Constituição.


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Redação

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