Hackers invadem prefeitura de Blumenau

Hackers invadem prefeitura de Blumenau
Foto: Divulgação

Thursday, 03 May 2018

A ação foi uma forma de protesto contra a corrupção endêmica que assola o país, porém, admitimos, que ao ver o site fora do ar não conseguimos não rir. Afinal, protesto é protesto. E esse foi bem criativo.

Se este espaço não fosse um site – mas ao invés disso fosse um jornal ao vivo ou uma live no Youtube – eu não conseguiria dar a notícia dessa matéria sem cair na gargalhada.

No começo da manhã de ontem o site da Prefeitura Municipal de Blumenau estava fora do ar, invadido pelo que parece ser um movimento hacker de nome D4RKRON. Os profissionais de TI do Executivo passaram a manhã inteira tentando restabelecer a conexão com o site.

Ao acessar o endereço você era direcionado a uma imagem com uma máscara de Guy Fawkes e a frase ao lado da citação “Por baixo dessa máscara não há só carne... por baixo dessa máscara há uma idéia. E idéias são à prova de balas”, extraída de uma das maiores obras da ficção de todos os tempos.

Ainda mais abaixo, o texto dizia:

“Corrupção há em todo lugar, mas no Brasil corrupção virou cultura política. O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... o que me preocupa é o silêncio dos bons. O mau político carrega consigo uma aparência de humildade fingida e na prática abusiva de uma linguagem serena assume a liderança de mais um hipócrita sonhador. Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo. De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto. Chegamos a um momento crucial na política brasileira: ou colocamos esses canalhas na cadeia ou vamos ficar imersos nessa corrupção que nunca tem seu fim. #ForaTemer e sua bancada”.

Os técnicos da prefeitura apontam como idealizador do ataque cibernético um membro da equipe GhostDefacers, que já invadiu vários sites de prefeituras e políticos catarinenses.

Na mensagem eles deixam um salve para XinOx, Tchelo Souza, VandaTheGod, Plastyne, Chacal, Tesseract @Root, Ninja Nz, Aj4x, Charlie BCA Harper e Neo (quase tantas referências à Cultura Pop nesses nicks quanto em ‘Ready Player One’). Ainda na assinatura, eles afirmam que os invasores são Synt4x3r e B4LOX I, além de deixarem links para seu Twitter, fanpage e canal no Youtube (para conhecer basta clicar nos links).

De acordo com a assessoria de imprensa do Executivo haverá verificação sobre a possibilidade de furto de dados e medidas legais serão tomadas contra os responsáveis.

Certamente quem fez o ataque é fã da obra-prima ‘V de Vingança’, escrita por Alan Moore em 1988 pela editora britânica Quality, tornando-se em 2005 um filme de sucesso estrondoso dirigido por James McTeigue. A história fala de uma Inglaterra distópica governada por um ditador e de um anti-herói que se tornou a única pessoa que poderia impedi-lo.

O protagonista usa como máscara um molde do rosto estilizado soldado católico Guy Fawkes, preso e executado 1606 por conta de sua participação na ‘Conspiração da Pólvora’. Quase um Tiradentes britânico.

O filme fez tanto sucesso com suas frases de impacto e filosofia reflexiva que as máscaras de Fawkes se tornaram lugar-comum em protestos pelo mundo todo e a histórica fictícia do homem misterioso que queria salvar um país incentivou milhões de jovens a sair nas ruas em 2010, durante os conflitos da ‘Primavera Árabe’. Uma obra da ficção que mudou o mundo.

Ainda há controvérsia entre as versões em quadrinhos e cinematográfica. Alguns dizem que a obra de Moore é irretocável, mas outros – entre os quais me encaixo – afirmam que o roteiro das irmãs Wachowski (que são, a título de curiosidade, transgênero) superaram o original.

A prefeitura está chateada, claro. Afinal os Três Poderes estão acostumados a ser a força opressora e dificilmente a oprimida. E, como diz a própria obra que inspirou os hackers: “é o governo quem deve temer seu povo, não o contrário”. Mas vamos olhar por outro lado. Podia ser pior. Ele poderiam ter invadido os computadores da Urb, do Samae ou da Secretaria de Obras. Foi nos computadores da Secretaria de Obras que muitos documentos comprometedores foram encontrados pelo Ministério Público anos atrás durante a Operação Tapete Negro, não foi?

Claro que muitos serviços ficaram fora do ar e vários usuários sofreram com isso. Mas usuários de transporte coletivo também sofriam com as greves na época do Consórcio Siga e, que venha agora à memória, além de trocar seis por meia dúzia nada efetivamente útil ao povo foi feito (empresa que beneficia sindicalista para evitar greve enquanto prejudica e extorque usuário não conta).

Aliás, que bom que eles não entraram no site de nenhuma empresa de ônibus com ligações questionáveis com o Poder Público e ‘resetaram’ o banco de dados dos cartões dos vales transporte, não? Não são hackers tão ruins assim, afinal.

Ou pior. Eles poderiam ter se lembrado de um dos mais memoráveis momentos da obra em que o detetive Eric Finch diz que os “registros de contabilidade sempre são os mais confiáveis que existem, não importa em qual governo”. Vai saber que tipo de registro estranho pode constar nos arquivos contábeis da prefeitura durante tantos anos. Viu? Hackers do bem.

Conhecem a máxima ‘quem vigia os vigilantes?’, por acaso? Pois então. De certa forma, esses jovens estão fazendo isso. Mostrando que nenhum Estado está acima de seus cidadãos.

Jornais fingem que são isentos, mas sabemos que é uma das mentiras mais deslavadas de todas. Existem as emissoras evangélicas, revistas de direita e jornais de esquerda. Órgãos apóiam invasão de propriedade privada, alterações na lei para apenas algumas pessoas especiais e discursos de ódio (sejam da ala tradicionalista ou da progressista). Então nós escolhemos achar esse ato engraçado. Liberdade de expressão.

Não tem gente que pára rua para protestar? Não tem sindicalista que nunca trabalhou parando as linhas de produção? Não tem funcionários públicos com salários altíssimos fazendo greve para ganhar ainda mais benefícios? Então por que esses jovens não podem parar o site de uma prefeitura por algumas horas para dizer ‘chega de corrupção porque o Brasil não é picadeiro e o brasileiro não é palhaço’? Soa justo. E prejudicou diretamente menos gente do que as greves de ônibus ou as obras (incoerentemente) milionárias que trancam o trânsito da cidade.

E, para quem leu a graphic novel, não esqueça: “isso não é anarquia: isso é o caos. A anarquia vem depois”.


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Ricardo Latorre

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