Sexto dia de greve dos caminhoneiros e pouco se avança

Sexto dia de greve dos caminhoneiros e pouco se avança
Foto: Reprodução

Saturday, 26 May 2018

Como se duas mortes de pacientes renais não bastassem para o governo entender a gravidade da situação, o governador de Santa Catarina mostra sua mesquinharia ao não querer abrir mão do ICMS.

Não é um apocalipse zumbi, nem uma autoestrada pro inferno ou um curso preparatório para ser socialista (como ‘sinta-se um venezuelano por uma semana’): é o sexto dia da greve dos caminhoneiros contra o preço extorsivo dos combustíveis.

Com as bombas secas nos postos de combustíveis, as prateleiras se esvaziando nos supermercados, ônibus parando de circular e remédios faltando nas farmácias, o protesto elevou o país a um nível crítico de risco. Hospitais – como é o caso dos três maiores de Blumenau – suspenderam todas as cirurgias marcadas e passaram a atender apenas emergências. Escolas suspenderam aulas e, pelo menos dois pacientes em tratamento de hemodiálise, morreram por conta do desabastecimento generalizado no país.

Agindo como um verdadeiro palhaço – e talvez da forma mais literal com a qual essa palavra possa ser usada – o presidente da República Michel Temer (MDB) se reuniu com pessoas que achava serem representantes dos grevistas, fez acordo, divulgou o fim da greve à imprensa e só depois percebeu que fez papel de idiota, se reunindo com pessoas que não era lideranças.

Somando a raiva que sentiu da incompetência de sua equipe às reais necessidades pelas quais o país passa na atual crise, o presidente que ficou famoso por nunca honrar acordos ou ameaças pediu para que as Forças Armadas – Exército e Polícias – interfiram, podendo apreender caminhões que estejam bloqueando estradas, remeter sua condução a militares, multar autônomos e empresas, além de garantir a segurança daqueles profissionais que afirmam ter aderido à greve sob ameaça de seus colegas de trabalho.

Intervenção armada

Até o presente momento – 19h12’ do sábado, 26 de maio de 2018 – a maioria dos caminhoneiros obedeceu às ordens policiais e as barricadas foram desfeitas.

Ainda assim existe tensão. Até porque quase sempre o que sucede o encontro de um pequeno grupo de homens fortemente armados com uma grande multidão desarmada é tragédia. Por ora a civilidade tem sido mantida e assim torcemos para que seja até o fim da querela.

Veículos do Exército e da Polícia Militar escoltaram caminhões de combustíveis em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná para sanar as necessidades dos serviços públicos básicos (como viaturas, ambulâncias e caminhões de bombeiro) e, talvez, abastecer alguns postos. No presente momento a operação ainda está em andamento.

Multas altíssimas serão aplicadas a empresas e a profissionais autônomos que se negarem a obedecer aos policiais, podendo inclusive responder por Crime Contra a Economia Nacional.

Representatividade

Os caminhoneiros – uma classe formada por muitos profissionais autônomos – assumem muitos riscos que vão além das estradas mal projetadas e da violência urbana. Muitas vezes o valor do frete praticamente não compensa e eles são obrigados, por exemplo, a pagar pedágio quando passam em estradas privatizadas mesmo quando estão sem carga.

O aumento absurdo dos derivados petroquímicos e a banalidade com a qual foi tratado pelo Planalto indignaram não apenas eles e outros profissionais que dependem disso – como taxistas, ubers ou motoboys – como também toda a sociedade, que não tolera mais impostos.

Uma categoria sem lideranças específicas marcada por um movimento desarticulado e sem planejamento algum engajou toda a sociedade – desde a Direita até a Esquerda – contra o atual Governo Federal. O que começou com uma paralisação de classe organizada pelo WhatsApp ganhou apoio popular, inclusive, de quem é prejudicado pela greve.

Mesmo entendo que o governo pode baixar o preço do diesel e não mexer na gasolina ou no etanol, as pessoas estão cansadas de passar a vida trabalhando para sustentar as regalias de ‘déspotas esclarecidos’ que trabalham apenas dois ou três dias por semana em troca de salários imensos e benefícios vitalícios ou supérfluos, como o malfadado ‘Vale Terno’.

O pivô: o casamento entre incompetência e arrogância

No passado, durante o governo Lula (PT), houve uma espécie de congelamento no preço da gasolina. O próprio governo subsidiava quando havia aumentos internacionais no barril de petróleo e isso, piorado no governo Dilma (PT), veio a eclodir só agora.

Soma-se a incompetência populista dos governos petistas aos roubos praticados contra a Petrobras e ninguém se admiraria que a empresa começava a passar por uma crise. Readequações deveriam ser feitas, mas não da noite para o dia e muito menos exigindo que os contribuintes pagassem pela corrupção ou incapacidade de seus gestores anteriores.

Pedro Parente, atual presidente da Petrobras e indubitavelmente uma das figuras mais boçais que a política nacional teve o desprazer de conhecer, fez um anúncio arrogante, minimizando o poder de boicote do contribuinte e até agora parece ter se demonstrado incapaz de sequer entender o tamanho da crise que sua própria postura afetada causou. Se dois pacientes em tratamentos renais morreram, não estão nas mãos dos caminhoneiros esse sangue, mas sim nas dele.

Um homem de currículo modesto para o cargo que ocupa é só mais um tragicômico exemplo do quão deplorável é a equipe do atual presidente, que sequer percebeu que perdeu horas de seu preciso tempo negociando com ‘representantes’ que não representavam os caminhoneiros.

Um remédio pior que a doença

Michel Temer nunca foi um homem burro. Muito pelo contrário. Talvez parte de sua estupidez atual tenha adquirido no convívio com sua ex-presidente, Dilma. E por quê? Porque a solução que ele propõe em seu acordo é justamente a receita desastrosa usada pelo PT e que nos trouxe até o presente momento, nessa crise sem precedentes no país (pelo menos desde o Sarney).

Permitir que a Petrobras pague de seu bolso pelo aumento nos barris de petróleo pelos próximos 15 dias e depois, na quinzena posterior, passar essa obrigação para a União, é exatamente o que causou o problema que eclodiu agora. Além, claro, que esbarrar com as limitações de Leis de Responsabilidade Fiscal. Ou seja. O dinheiro usado para isso vai ser tirado de onde?

A única resolução – simples, porém praticamente impossível para a mesquinharia de nossos governantes – é cortar nos impostos inseridos nos combustíveis. Exatamente a razão pela qual nossa gasolina é vendida em países vizinhos pela metade do preço que pagamos.

Mas União e estados não vão querer abrir mão de mais uma chance de assaltar as pessoas que mantém sua abjeta mordomia. Os contribuintes podem ficar sem comida, mas parlamentares não abrem mão de carros oficiais ou ministros de vôos em jatos da Força Aérea Brasileira (FAB).

Piorando a situação – e servindo como exemplo redundante da pedância incoerente de Parente – a crise fez com que as ações da estatal desabassem. De 10 de maio até ontem, a empresa perdeu R$ 278 bilhões (o suficiente para comprar a operadora de telefonia Vivo), acumulando uma perda de 23%. Com a alíquota do PIS/Cofins sobre o diesel zerada, o governo pode deixar de arrecadar R$ 27 bilhões, que é bem menos do que a estatal perdeu.

Depois da ação do Exército, no começo dessa noite, começam a surgir notícias de postos sendo reabastecidos em Brasília e Curitiba. Tudo ainda muito longe de Blumenau, ocorrendo de forma muito tímida e incerta, mas já indica que a situação pode estar se encaminhando para uma resolução.

Greve legítima ou conspiração?

Depois de algumas denúncias feitas por motoristas de caminhão que afirmaram terem sido orientados por seus patrões a aderirem a greve, a Polícia Federal começa a investigar um possível – e provável – caso de um crime pouco conhecido por aqui chamado lockout.

O lockout – também grafado como ‘locaute’ – é quando empresas forçam a paralisação de serviços em troca de benefícios próprios como seria, no caso, a redução de impostos.

A suspeita passou a ganhar mais força quando o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, disse que a greve só pararia quando a alíquota do PIS-Cofins fossem zerada. Os beneficiários dessa medida seriam as empresas de transporte e logística, não os profissionais liberais. Esse foi um dos alertas.

Raul Jungmann, ministro de Segurança Pública, foi a primeira autoridade a assumir que essa possibilidade era real. A Polícia Federal teria chamado 20 empresários do ramo para depor, ainda mantendo seus nomes em sigilo. Para o Planalto tudo indica se tratar disso mesmo. Até agora 37 inquéritos foram abertos.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) também abriu investigação contra entidades que representam transportadores de carga e caminhoneiros. Enquanto ainda não é apurado se houve ou não a prática do crime, as transportadoras serão multadas em R$ 100 mil por hora se não voltarem às atividades.

Baseado no Código de Trânsito Brasileiro, onde diz – “Usar qualquer veículo para, deliberadamente, interromper, restringir ou perturbar a circulação na via sem autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre ela é infração gravíssima” – a prefeitura de São Paulo decidiu que pode multar caminhoneiros de R$ 5,8 mil a R$ 17,6 mil.

A Abcam, obviamente, nega que tenha cometido qualquer crime. Se bem que o lobby das montadoras também nunca admitiu ter boicotado a construção da malha ferroviária nacional nos anos 60 e todos sabemos que foi exatamente o que aconteceu.

E Santa Catarina?

Enquanto estados como São Paulo tentam avançar nas negociações propondo, inclusive, a isenção em pedágios, Santa Catarina parece ainda não ter entendido a gravidade da crise.

O governador em exercício, Eduardo Pinho Moreira (MDB), montou um comitê integrado patético onde finge tentar trabalhar para reduzir os impactos da greve no estado quando, na prática, tem feito exatamente o contrário: dificultado ainda mais a situação.

O governador – mostrando um lado avarento e acentuado desprezo pelos catarinenses a quem deveria representar – deixou claro que descarta reduzir o ICMS sobre o diesel, em entrevista à CBN Diário. Parente, apesar de intragável, havia deixado claro que abrir mão do ICMS era uma determinação que cabia aos estados e Moreira provou que não faz parte da solução, mas sim do problema.

Piorando ainda mais tudo – e provando o quão frouxo é seu punho – o governador catarinense abriu mão da intervenção dos militares. Dessa forma, como a União costuma fazer, nosso estado será ignorado de novo por ter lideranças políticas medíocres, seus contribuintes pagarão pelos erros dos outros e, possivelmente, irá demorar até a crise acabar.

Com essa ação, Moreira mostra que seu trabalho consegue ser ainda mais lastimável do que o do presidente da República, e assim causa um dano enorme – talvez dificilmente reversível – à Economia e ao dia-a-dia das pessoas que foram tolas para eleger o homem em quem ele se escorou.

E agora?

A não ser que você tenha um tanque de gasolina enorme em sua garagem ou more numa fazenda, a crise vai bater à sua porta mais ora menos ora.

Filosoficamente, na tentativa de extrair uma lição desse imbróglio, podemos pensar que isso foi um doloroso exemplo de como nos tornamos dependentes dos combustíveis fósseis e do comércio para suprir nossas necessidades. O homem, há mais de um século, deixou ou campo para se tornar escravo de sua própria vida, seja ela urbana ou suburbana.

O jeito agora é esperar que a greve termine logo ou, pelo menos, antes que não haja mais comida nas prateleiras dos supermercados. Se você tem uma horta em casa, você tem sorte. Se você possui conhecimento em boticária e acesso a ervas, mais ainda.

Eu vou esperar até terça-feira e, se nada tiver sido resolvido, qual a opção além de ir a uma fazenda pertencente à família buscar meu cavalo? Sem carros, ele não vai se assustar na rua.

Seja bem vindo ao século IXI. Ou à Venezuela do século XXI.


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Ricardo Latorre

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