Falsa intervenção militar enganou milhares nesta segunda
Foto: DivulgaçãoMonday, 28 May 2018
Um áudio falso baseado em informações completamente sem fundamento convenceu muitas pessoas e levou o presidente da Abcam a dizer que indivíduos com segundas intenções se infiltram na greve.
“O Exército vai derrubar o Temer” e “o presidente tinha até meio-dia para entregar o cargo, mas agora à meia-noite os militares vão depô-lo” devem ter sido frases que você ouviu ou leu em grupos de WhatsApp e até em blogs de credibilidade questionável.
Um áudio se espalhou como rastilho de pólvora na tarde desta segunda-feira (28/02) e dizia:
“Pedro, é o seguinte, na Constituição, no artigo primeiro, fala que são sete dias e seis horas para o Exército poder tomar conta de tudo, tomar a frente, chegar lá com todo seu comboio dos tanques militares, caminhões, soldados, chegar lá na frente do plenário em Brasília e retirar à força o governo. Hoje está no sexto dia. Vai dar sete dias e seis horas na segunda-feira à meia-noite. As tropas já estão mobilizando as carretas, os tanques já estão passando. Passou aqui ontem três carretas e seis tocos com os homens dentro deles. Os próprios rodoviários avisou (sic) a gente que o governo já caiu, é só questão de a gente segurar. A gente não pode afrouxar agora. O presidente e a mídia, a mídia comprada, toda essa mídia comprada, eles estão falando que o Rodoanel liberou, não, nada liberou. Eles estão reorganizando a rodovia, porque no estado de São Paulo existe um mandato, um assinado judicial que não pode ficar nenhum veículo parado na faixa de rolamento e acostamento, então eles estão organizando os caminhões. O Exército está em Brasília organizando os caminhões. Tem que aguentar até segunda-feira meia-noite, que é o dia da intervenção militar. Não tem mais boca, o governo perdeu, já era, acabou, só que a gente tem que segurar. É o artigo primeiro da Constituição brasileira, sete dias e seis horas”.
Essa baboseira se tornou tão popular que não faltaram pessoas, incautas, que gravavam passagens de comboios militares durante o dia e compartilhavam em redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram e até no Youtube, acreditando no absurdo narrado acima.
Primeiro é fundamental afirmar que o Artigo 1º da Constituição Federal (ou qualquer outro artigo que seja) prevê que os militares possam tomar o poder após sete dias e seis horas de greve de qualquer categoria. Ao invés disso, o Artigo 1º garante o Estado Democrático de Direito nacional. Aliás, o Artigo 142, muito usado por intervencionistas, coloca as Forças Armadas hierarquicamente sob o comando do presidente da República e demais poderes constitucionais.
E, como você já deve ter percebido, passou da meia-noite e o Temer (SDB) continua, feliz ou infelizmente, sendo o presidente vampiresco da República Tupiniquim do Brasil.
Depois de anunciar seu pacote de medidas – que foi publicado às pressas em Edição Extraordinária do Diário Oficial – o ex-vice de Dilma (PT) acredita que a greve possa chegar ao fim ainda hoje. As lideranças grevistas se dividem. Alguns explicam que muitos caminhoneiros demoraram para ser informados da medida e crêem que seja questão de mais um dia, no máximo, para que a greve termine. Outros se dizem insatisfeitos com o acordo de Temer e afirmam que pautas que julgavam fundamentais – como a demissão do deplorável Pedro Parente e o tabelamento dos combustíveis nas bombas dos postos – sequer foram citados pelo governo.
Em declaração polêmica, José da Fonseca Lopes, presidente da Associação Brasileira do Caminhoneiros (Abcam), disse que muitos de seus colegas de trabalho querem deixar a greve para voltar à labuta, mas que ‘intervencionistas’ interessados em derrubar o governo não deixam.
"Não é o caminhoneiro mais que está fazendo greve. Tem um grupo muito forte de intervencionistas aí e eu vi isso aqui em Brasília, e eles estão prendendo caminhão em tudo que é lugar", declarou. "São pessoas que querem derrubar o governo. Não tenho nada a ver com essas pessoas nem os nossos caminhoneiros autônomos têm. Mas estão sendo usados para isso.", afirmou ao G1.
Fonseca disse que entregará os nomes dos tais ‘intervencionistas’ para que o governo e a polícia resolvam logo a situação, mas não citou quem seriam ou quais suas causas. Alguns acusam as pessoas que pedem uma intervenção militar. Outros, e com mais propriedade, dizem que movimentos sociais de esquerda e sindicatos – furiosos por terem perdido a mordomia do imposto sindical obrigatório – seriam os titereiros dessa crise.
Ainda em citação, Fonseca alerta: “O pessoal quer voltar a trabalhar, mas eles têm medo porque estão sendo ameaçados de forma violenta", afirmou. "Isso está pegando em todo lugar”, afirmando que essas eminências pardas querem usar os caminhoneiros como bodes expiatórios.
A prova dessa violência está no confronto entre uma célula grevista ainda não identificada e a Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo na tarde de ontem. Proprietários de postos chegaram a receber ameaças anônimas em áudios e, por isso, negaram o abastecimento.
Ainda assim – e mesmo com a frágil certeza do governo de que a greve está chegando ao fim – caminhoneiros tem pedido intervenção militar e aqueles que estão estacionados na Régis Bittencourt (que liga São Paulo ao sul) exigem diesel a R$ 2,50 com preço congelado por um ano. De forma velada, muitos dão a entender o desejo de que o presidente seja deposto pelo Exército.
O general Antônio Mourão – que alguns afirmam ser pré-candidato à Presidência – afirmou que há muitos oportunistas se aproveitando da situação em benefício próprio e repudiou qualquer ação militar contra o governo, dizendo que isso torna a população “refém das manifestações”.
Contudo, o mesmo Mourão – hoje na reserva – foi afastado de uma secretaria do Exército em 2017 por criticar Temer e sugerir uma intervenção militar. Então os discursos se contradizem.
No começo do mês foi noticiado, porém de forma muito discreta, que Mourão havia se filiado ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), o mesmo do ex-presidenciável Levi Fidélix. Outros dizem que ele pretende se unir a Bolsonaro (PSL) para uma chapa conservadora purista.
O fato é que não vai ter intervenção militar. Temer não foi deposto. Um policial federal rodoviário não baleou um caminhoneiro. E outras categorias não estão se unindo maciçamente à greve. Isso é fakenews. E se você é daquelas pessoas que odeiam Donald Trump, mas vive repetindo esse termo, saiba que foi ele quem criou. Pesquise sempre a fonte antes de sair compartilhando áudios, notícias ou até acreditar no que lê. Inclusive nessa matéria. Se tiver dúvidas, pesquise sobre os assuntos abordados. Quanto mais você sabe, menos o Estado te domina.
Quanto à greve, Fonseca parece tranqüilizar um pouco o brasileiro quando diz: “Não acabou ainda porque estamos num país continental e isso aí demanda uma série de situações, algumas informações para a pessoa começar a entender que realmente toda a negociação feita atingiu a necessidade deles”, completando, “Faltam uns 30% [de caminhoneiros para desmobilizar], mais ou menos. Eu acho que até amanhã já está bem encaminhado para voltar à realidade”, durante entrevista para o jornal O Globo.
Agora é questão de esperar e torcer para que o governo tenha aprendido quem deve temer quem.