Nova Constituição de Cuba é 'mensagem política de repercussões incertas'

Nova Constituição de Cuba é 'mensagem política de repercussões incertas'
Foto: Divulgação

Tuesday, 24 July 2018

Especialistas ouvidos pelo G1 dizem que mudanças no país serão graduais, mas não devem levar a abertura econômica cubana rumo ao capitalismo.

A reforma da constituição de Cuba, aprovada no domingo (22) pela Assembleia Nacional do país, trará mudanças graduais em temas sensíveis, como reconhecimento da propriedade privada e a retirada do termo "comunismo" do texto. Porém, especialistas ouvidos pelo G1não acreditam que o novo texto, por si só, levará a abertura econômica, transformações no regime ou reflexos maiores no xadrez geopolítico.

"Não significa uma abertura plena de Cuba. O país vai continuar com a economia planificada e, muito provavelmente, o embargo econômico não vai acabar", comentou Tanguy Baghdadi, mestre em relações internacionais pela PUC-Rio.

Nem mesmo o governo de Cuba parece querer grandes transformações no modelo econômico: segundo o jornal cubano "Granma", a constituição manterá o "princípio irrenunciável" de "jamais retornar ao capitalismo".

Tanto é que a propriedade privada, na prática, já vinha sendo reconhecida em Cuba, embora não estivesse descrita na Constituição. No final de 2011, em meio a várias reformas na economia, Raúl Castro já tinha autorizado a compra e venda de casas, que foi proibida durante décadas.

O ex-presidente e atual líder do Partido Comunista, Raúl Castro, inclusive, comanda a comissão que elaborou os 224 artigos da nova Constituição. Para entrar em vigor, precisa ser aprovado em consulta popular, prevista para ocorrer entre 13 de agosto e 15 de novembro.

Como o texto, na prática, reafirma a gradual reabertura econômica da ilha socialista, a Constituição pode ser uma forma de o governo cubano "passar uma mensagem" aos outros países. É o que analisou Maurício Santoro, professor de relações internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Santoro enumerou como prováveis fatores para a iniciativa de uma nova constituição cubana:

  • Colapso econômico na Venezuela, aliada econômica de Cuba por causa do petróleo mais barato;
  • Governo "imprevisível" de Donald Trump nos Estados Unidos, eleito em 2016;
  • Baixo crescimento econômico nos demais países da América Latina nesta década;
  • Derrocada de políticos de esquerda nas eleições latino-americanas, mais "amigáveis", segundo Santoro, ao regime cubano.

Para Santoro, a reforma seria uma garantia a investidores estrangeiros e domésticos de que o compromisso com as mudanças econômicas está mantido, apesar do cenário mais turbulento na América Latina.

Repercussão incerta

Os tópicos da nova Constituição de Cuba pouco repercutiram no cenário internacional. Isso porque, segundo os especialistas, as atenções do momento estão voltadas para outros agentes do xadrez geopolítico: os Estados Unidos se veem às voltas com a Rússia e, mais recentemente, com o Irã, enquanto a América Latina lida com crises na Venezuela e na Nicarágua.

"Cuba não está no centro das preocupações. Mas vai haver uma série de repercussão muito importante, sobretudo nos Estados Unidos", prevê Santoro, que espera a ampliações dos acordos do governo Obama mesmo com Trump na presidência.

No entanto, ainda falta informação sobre a reforma constitucional. A única fonte sobre o assunto é a imprensa oficial do regime socialista, por meio do jornal "Granma".

Até por isso, não se sabe ao certo quais serão as consequências das mudanças na lei. Não há, por exemplo, detalhes de como vai funcionar a reforma econômica.

Para Santoro, há uma estratégia na pequena divulgação. "É parte do processo político. Eles anunciam aos poucos os pontos da reforma para ver qual vai ser a repercussão dos agentes externos", apontou.

Descentralização e 'modernização'

Cuba continuará sob domínio do Partido Comunista. Porém, o país vive o primeiro ano desde a Revolução Cubana (1959) sem estar sob o comando de um Castro — Miguel Díaz-Canel assumiu o cargo de Presidente em abril.

Para Tanguy Baghdadi, Cuba tende a descentralizar o poder, até o momento restrito à figura do presidente. O país vai ganhar um primeiro-ministro que, na análise do professor, "deve tratar mais de questões domésticas, como um chefe dos ministros".

"O presidente vai poder delegar mais [as funções]", explicou. Entretanto, o jornal "Granma" não detalhou as atribuições desse novo cargo.

Para Baghdadi, outros pontos na Constituição mostram que o governo tenta "modernizar" a presidência. Primeiro, porque o texto impõe limite de dois mandatos consecutivos de cinco anos ao presidente. Segundo, o líder, eleito pelo Parlamento, não poderá ter mais do que 60 anos para exercer o cargo.

O professor Maurício Santoro concorda: "Tem um pouco esse esforço de trazer uma nova geração", disse. Ele cita o atual presidente, que é o primeiro a nascer depois da Revolução Cubana. "[Esses políticos] São tecnocratas que não viveram a guerrilha, mas conseguiram escalar vários degraus na burocracia do país."


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Redação

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