A eleição que provou a mudança no perfil dos eleitores

A eleição que provou a mudança no perfil dos eleitores
Foto: Divulgação

Sunday, 18 November 2018

Muitos políticos da velha guarda não entenderam porque não alcançaram a reeleição e enquanto não compreenderem que é necessário se reinventar, não vão mais ter lugar na nova política nacional.

As eleições passaram. Um novo presidente foi eleito, assim como governadores, deputados e senadores. Os ânimos começaram a se acalmar. O festival de horrores entre seguidores dos dois extremos do espectro político diminuiu (apesar de não ter cessado, ainda). Contudo, alguns políticos da velha guarda ainda não entenderam o que aconteceu. E nem vão.

Nomes como Dilma Rousseff (PT), Romero Jucá (MDB), Eunício Oliveira (MDB), Cássio Cunha Lima (PSDB), Eduardo Suplicy (PT), Cristovam Buarque (PPS), Mendonça Filho (DEM), Raimundo Colombo (PSD), Miro Teixeira (Rede), Chico Alencar (PSOL), Lindbergh Farias (PT), Delcídio Amaral (PTC), Edison Lobão (MDB), André Moura (PSC), Sílvio Costa (Avante), Sarney Filho (PV), Alfredo Nascimento (PR), Beto Richa (PSDB) e Roberto Requião (PMDB) fracassarm em manter seus cargos ou alçar novos. Isso sem citar que nomes como a pestistac Gleisi Hoffmann ( que precisou trocar o Senado pela Câmara Federal para não perder o foro e outros como Jean Wyllys (PSOL), que quase não conseguiu se eleger.

Já no Executivo políticos tradicionais como Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (MDB) perderam para figuras obscuras como o Cabo Daciolo (Patriota). Em Santa Catarina, nomes fortes como os dos candidatos Décio Lima (PT), Gelson Merísio (PSD) e Mauro Mariani (PSDB) perderam para o até então desconhecido Comandante Moisés (PSL).

Alguns, incautos, olham para esse resultado e dizem: “o Brasil se cansou da Esquerda”. Não. O Brasil se cansou do velho jeito de fazer política. Trocas de favores, bandeiraços, santinhos que só servem para sujar as ruas, autofalantes insuportáveis e propaganda eleitoral televisiva perderam espaço para a internet. Comícios, pedir votos em currais eleitorais e dizer apenas aquilo que se presume ser o que o eleitor queira ouvir cedeu lugar a propostas reais, concretas, menos corporativas e com opiniões formadas. Aqueles que tiveram visão para entender isso, ganharam. Os demais, que ainda não conseguem sequer ver o que os atingiu e não se adaptarem a essa nova realidade – onde a pessoa por trás das idéias é tão importante quanto aquilo que diz – estão fadados a não se eleger em 2020. É um caminho sem volta.

O corolenismo, os sorrisos forçados, o voto de cabresto, o ‘jeitinho’ de fazer o que não se deve, tirar vantagem e a incapacidade de se associar a pessoas qualificadas (preferindo pessoas a quem deva favorecer politicamente, por mais incapazes que sejam) estão com seus dias contados.

E é fácil perceber isso olhando para os candidatos mais votados do Brasil.

Os cinco deputados federais mais votados de São Paulo foram Eduardo Bolsonaro (PSL), Joice Hasselmann (PSL), Celso Russomanno (PRB), Kim Kataguiri (DEM) e Tiririca (PR), sendo então que dois têm plataforma na mídia nacional (Russomanno e Tiririca) e três são presenças fortes na Internet, sendo Hasselmann uma das mais conhecidas jornalistas do Youtube e Kataguiri membro do MBL. Os dois mais votados à Câmara Estadual paulista foram Janaína Paschoal (PSL) – que ficou conhecida durante o impeachment de Dilma – e o youtuber Arthur do Val (DEM), do canal ‘Mamãe Falei’, que aborda pessoas em movimentos de Esquerda para escancarar sua hipocrisia. No Paraná, o mito dos memes, o Sargento Fahur (PSD), foi o deputado federal mais votado com 314,9 mil votos. Mais de 100 mil votos a mais que Hoffmann (apesar de toda a base do PT pedindo votos para ela) e mesmo o pastor Marco Feliciano (Podemos) – apesar de todo o apoio dos evangélicos – ficou em décimo lugar em São Paulo, estando atrás de pessoas que gastaram pouquíssimo (em comparação a ele) em suas campanhas. Destacando a também eleição à Câmara Federal do príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL).

Bolsonaro foi ativamente apoiado por influenciadores digitais como Nando Moura e Bernardo Küster, enquanto Moisés foi apoiado pelo Canal Hipócritas, que chegou a fazer um vídeo inteiro escancarando a podridão de Merísio, ex-presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc).

O fato é que o eleitor não é mais ingênuo. A imprensa convencional sabe disso e isso a assusta. Todas as maçantes matérias sobre fake news, de certa forma, dão a entender que o eleitor não tem capacidade de discernimento. Isso é o desespero de uma velha mídia que sabe que hoje nada que aparece no Jornal Nacional é novidade, uma vez que surge no Google quase em tempo real. Os velhos formatos estão morrendo. Os velhos políticos e sua forma aleijada de pedir votos também. Essa relação obcena está com seus dias contados.

Muitos dos que se elegeram, é verdade, o fizeram porque colaram maliciosamente seu nome ao de Jair Bolsonaro (PSL). O dito fenômeno 'Só Aperta 17 em Tudo’. Mas esse fenômeno também vai passar em dois anos. E aí o que vai ficar? O trabalho e os posicionamentos. O caráter dos homens e das mulheres por trás do cargo. Sem promessas. Sem tapinha nas costas.

Ao dizer o que pensava sem se importar com as consequências, Jair Messias Bolsonaro representou milhões de brasileiros que se sentiam castrados pela doentia ‘patrulha do politicamente correto’. Seus filhos seguiram a mesma linha. Opinaram. E que se dane quem não gostou. Ao não querer agradar a todos, agradaram a maioria, Fugiram no discursinho genérico de “precisamos de educação, segurança, etc” e foram direto ao “o que é necessário para resolver o problema de tal área é tal coisa”. Direto. Sem medo de desagradar.

Educação? Escola Sem Partidos. Segurança? Diminuição da maioridade penal e liberação do porte de armas. Economia? Privatizar o máximo possível e reforma da Previdência. Podemos até discordar dos pontos defendidos, mas somos obrigados a reconhecer que são bem diretos. Sem prometer coisas genéricas sem explicação ou embasamento, como: “vamos gerar empregos”. Substituindo por “ao diminuir impostos sobre os empresários a Economia cresce e, com isso, os empregos aumentam”.

Essa é uma nova geração. A geração dos tablets e smartphones. É a geração que mal sabe o que é uma vídeolocadora e sequer imagina o que era ‘revelar um filme fotográfico’. A geração que trocou a velha e pesada coleção da enciclopédia Barsa pela Wikipedia. A geração que não se importa com telefones fixos, mas não vive sem o WhatsApp. A geração que prefere ver super-heróis no cinema a uma partida de futebol. A geração que não obedece ordens se não concordar com os porquês que as envolvem. É isso que os políticos que não ganharam não entenderam.

O PT gastou milhões de reais em propaganda audio-visual, emissoras, jornais, bandeiras, som e 'santinhos'. E perdeu para o partido que gastou quase dez vezes menos apostando numa comunicação direta pela internet através de um celular em cima de uma mesa. Apenas um celular, milhões de espectadores, conteúdo e opiniões bem formadas. Isso mudou tudo. Mas foi só o começo.

Ao ser eleito, Bolsonaro convidou o famoso juiz Sérgio Moro – da Operação Lava Jato – para ser ministro da Justiça num ‘superministério’. Ele concedeu um dos cargos politicamente mais relevantes da República para um homem que não é um político de carreira, mas sim uma das figuras mais respeitadas do Brasil atual. Com isso ele provou ter estratégia: o cargo geralmente era atribuído a políticos influentes para que se pudesse barganhar no Congresso. Bolsonaro não quer barganhar. Ao invés disso ele chamou para tal posto o homem que prende vários políticos corruptos por mês. Fez como um garoto rico numa escola barra pesada: se aliou com alguém que intimida os outros para não ser intimidado. Afinal, quem deles está limpo o bastante para mexer com Moro agora que ele é ministro?

O Congresso não gostou. Muitos de seus parlamentares – que tinham suas reeleições como certas, mas perderam vergonhosamente – decidiram boicotar o futuro governo por ressentimento mesquinho: votaram pelo aumento dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Provando que realmente não entenderam o recado das urnas, eles acharam que as pessoas não iriam compreender a gravidade da situação: o salário do STF é o que define o teto dos gastos públicos com salários, o que significa que ao aumentá-lo, aumenta-se também todo o resto da folha de pagamento que terá de ser reajustada. Mas a internet estava lá para levar a informação que as emissoras e os jornais impressos foram, aparentemente, beneficiados para omitir. Então se começou a movimentação para outro protesto, dessa vez o #VetaTemer.

Crê-se que o presidente Michel Temer (MDB) vetará. Mas o ato mesquinho mostra que essas pessoas não votam pelo Brasil. Elas votam por elas mesmas. A senadora Gleisi Hoffman – maior defensora do PT e de Lula – criticou o aumento. Com isso foi elogiada por pessoas que odeiam o seu partido, provando que não é um momento proselitista: é um momento ufanista.

A maioria das pessoas que fez escândalo por conta da perda de Haddad é composta por gente que nunca perdeu uma eleição na vida. Foram 16 anos do mesmo partido. Quase duas décadas. Toda uma geração de eleitores que hoje têm entre 16 e 25 anos. A diferença é que quando Dilma ganhou, seus detratores não torceram contra o país (penlo menos, não a maioria). Hoje, seus partidários torcem para que dê tudo errado. Dizem querer o amor, mas desejam coisas muito ruins para seus discordantes. “Ninguém solta a mão de ninguém (desde que pense como eu”), não é?

Times de futebol, igrejas, associações e ONGs encontraram grande dificuldade de eleger seus candidatos, mas o mundo das sub-celebridades, a internet e organizações de combate a corrupção, não. O PT ainda mantém um triste séquito de seguidores acéfalos. Gastou irresponsavelmente mais do que podia em publicidade e agora faz vaquinha pedindo doação. E poucos de seus militantes se pergunta para onde foi todo aquele dinheiro desviado em nome do partido. Por isso o PT está com os dias contados. Porque, aos poucos, as pessoas estão acordando.

Se Bolsonaro fizer um bom governo, a Esquerda vai levar décadas para ter qualquer chance no país. Ciro Gomes sabe disso, por isso passou a criticar o PT (após mendigar desesperadamente o apoio de Lula por meses): ele quer se apresentar como ‘uma esquerda honesta’. Mas não o é. Critica ricos, mas a família Ferreira Gomes, da qual faz parte, é praticamente ‘dona’ do Ceará desde a época das Capitanias Hereditárias. Ele também não entendeu o recado das urnas. Mas acha que entendeu.

Na próxima eleição a maioria dos velhos políticos que não se reinventarem não serão eleitos.

Olhe para a Câmara de Blumenau, anote os nomes e nos cobre se errarmos. Porque a maioria dessas pessoas – nossos ‘representantes’ há tempos – não entendeu que, hoje, não basta parecer: tem que ser. Que o eleitor te julga baseado em quem lhe rodeia, no trabalho que você já fez, tem feito e no quão honesto (ou não) você é. As pessoas não querem mais pessoas 'populares' em cargos eletivos sendo analfabetos políticos... do tipo que tira suas conclusões baseado apenas na televisão, rádio e jornais. Não. O eleitor quer pessoas que saibam se basear em fontes primárias: que são, por exemplo, documentos oficiais, portarias e todo o tipo de meio de obtenção de informação que a mídia usa para criar as notícias (afinal, o que um jornal faz, na maioria das vezes, é interpretar fontes primárias para quem não as conseguiria entender ou ter acesso a elas, traduzindo do 'juridiquez' e 'interpretando' seu conteúdo).

Alguns podem até ter enganado as pessoas nessas eleições, mas não vão enganar nas próximas. O Sistema está mudando. Evoluindo. É natural que o faça. E, sinceramente, já não era sem tempo. Bem vindo a um ‘admirável mundo novo’ que nem Aldous Huxley imaginou. Um mundo onde políticos que advogam apenas por si mesmos, hipócritas que se valem de pessoas sem instrução como massa de manobra e tantos outros que preferem fazer da 'forma errada' não terão mais voz como representantes do povo.

Esqueça a demagogia e os santinhos que ninguém guarda. Ou as músicas insuportáveis que acordam as pessoas em carros de som que sequer deveriam ser de uso permitido em campanha por conta do incoveniente que causam. Agora o conteúdo está valendo mais do que a capa. Urna não é Tinder e política não é futebol. E ver que o eleitor está entendendo isso é uma experiência catártica.


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Ricardo Latorre

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