Evento propõe criação de rede intersetorial de combate à violência doméstica

Evento propõe criação de rede intersetorial de combate à violência doméstica
Foto: Divulgação

Monday, 27 May 2019

A edição de Blumenau acontece no fim de junho na Furb.

A primeira das seis audiências públicas promovidas pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Assembleia Legislativa para discutir a escalada da violência contra as mulheres no estado foi concluída com dois encaminhamentos práticos. No encontro, realizado na última sexta-feira (24), em Joinville, ficou decidido que o modelo de ações interligadas implantado na cidade pelas entidades públicas que tratam do assunto servirá como base para uma ação estadual. Outra definição é a criação de um grupo de trabalho envolvendo o parlamento, Ministério Público de Contas (MPC), Tribunal de Justiça (TJSC), polícias Civil e Militar e entidades da sociedade civil organizada para estabelecer regras e colocar em prática uma rede intersetorial que atue de forma conjunta.

A deputada Marlene Fengler (PSD), que requereu as audiências públicas, avaliou que a construção dessa rede, somando iniciativas existentes com as que vierem a surgir, é o caminho a ser trilhado para se obter resultados positivos de curto, médio e longo prazo. “As mulheres sofrem em silêncio, têm vergonha de falar do problema, há muitas barreiras a serem derrubadas até as mulheres criarem força para denunciar. A violência está em todo o lugar, atinge mulheres de todas as idades, de todas as classes sociais”, comentou no evento realizado na Associação dos Municípios do Nordeste de Santa Catarina (Amunesc).

Para a parlamentar, esse trabalho coletivo e coordenado é uma solução viável para interromper um ciclo aparentemente interminável de agressões e assassinatos. “No Brasil, a cada três mulheres, uma já foi vítima de violência, não necessariamente física, mas psicológica também”, lamentou a deputada citando que, só nesse ano, em Santa Catarina, já ocorreram 26 feminicídios. “Simplesmente por que um homem achou que ela era posse dele ou pelo sentimento de poder. Pelas pesquisas, em 60% dos casos, os agressores são conhecidos das vítimas. E apesar de tanto que se fala sobre o assunto, 50% das mulheres ainda se calam”, disse Marlene.

O deputado Sargento Lima (PSL) citou que a situação “é um problema patológico da sociedade brasileira”. Falando sobre as 48 mortes registradas no estado em 2018, ele comentou que o drama é maior do que, meramente, estatísticas. “São 48 famílias que foram destruídas. Eu acredito que o grande motivador dessa violência contra a mulher seja, com absoluta certeza, a certeza da impunidade, que faz com que aquele homem covarde continue adotando esse tipo de prática. Nós temos um Código Penal extremamente complacente com aqueles que cometem crimes dessa natureza. É uma verdadeira injustiça a mulher ser vítima de violência simplesmente pelo fato de ser mulher”, afirmou.

Para o deputado Kennedy Nunes (PSD), é muito preocupante outro dado comprovado nacionalmente: a cada 90 minutos uma mulher é violentada no Brasil. Na avaliação dele, além da parte criminal e jurídica, o combate ao que ocorre no país precisa ser efetuado em outra frente.

“É preciso também atuar diretamente com os agressores. Se a violência contra a mulher existe é por que o agente masculino está agredindo. Precisamos fazer uma cultura inversa. Trabalhar desde a infância nas escolas que o homem não pode fazer isso contra a mulher. Homem que é homem, não bate em mulher”, justificou.

Ações positivas

Um dos exemplos desenvolvidos em Joinville que servirá para a rede estadual defendida pela deputada Marlene e que vai ao encontro da alternativa citada por Nunes foi apresentado pelo juiz da 4ª Vara Criminal e Violência Doméstica, Gustavo Schwingel. De acordo com ele, 1,5 mil processos sobre violência doméstica tramitam atualmente na Comarca. Para enfrentar essa triste realidade, contou, o Tribunal de Justiça tem um programa específico, que é complementar a outros realizados pela Polícia e outras entidades.

“Essa ação acompanha os homens à medida que eles são chamados pelo Judiciário e pela autoridade policial por conta da violência doméstica. Há um acompanhamento multidisciplinar, tanto com psicólogos e sociólogos, por exemplo, para garantir uma reeducação, uma mudança comportamental, para prevenir novos casos e fazer uma reformatação humana. Não há uma classe social, um nível educacional específico, é uma situação endêmica social”, informou o magistrado.

A delegada Regional de Polícia Civil, Tânia Harada, contribuiu apresentando um fator que, na opinião dela, precisa ser levado em conta na elaboração de um planejamento coordenado. “Trabalhei no Oeste, Litoral, Planalto Norte e agora em Joinville. Notei que, em cada região, tem uma particularidade no contexto de violência doméstica. A dependência financeira da vítima é muito mais comum no Oeste e no Planalto Norte, enquanto em Joinville há muitas mulheres independentes financeiramente, mas com uma dependência emocional. Temos que pensar que há pontos comuns mas existem particularidades”, sugeriu.

Como exemplo de atuação, ela falou sobre outra iniciativa voltada aos agressores. É o projeto “Dialogando com Homens”, pelo qual a delegacia vai à sociedade, em indústrias e outras entidades, para fazer uma conversa direta com os homens sobre a violência doméstica.

Auditoria

Representando a procuradora-geral do Ministério Público de Contas (MPC) do estado, Cibelly Farias, o advogado Fábio Mafra Figueiredo, levou aos participantes da audiência a informação sobre um projeto que o órgão está implantando para fortalecer o sistema de combate e prevenção à violência contra a mulher em Santa Catarina. Tudo iniciou em 2018, após uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que convocou todas as procuradorias-gerais do país a fazer diagnóstico nacional.

Com base nisso, o MPC fez uma análise prévia do cenário em Santa Catarina, com número de abrigos, delegacias especializadas e verba destinada, por exemplo. “O primeiro passo foi identificar o problema e, com base também nos números já alarmantes [de ocorrências], fizemos um pedido, no último dia 8 de março, para que o Tribunal de Contas do Estado faça uma auditoria mais profunda, permitindo que a gente possa verificar quais são as dificuldades e deficiências existentes no estado e então propor soluções e buscar o desenvolvimento de políticas públicas para o setor”, contou.

Logo no estudo preliminar, o MPC detectou a estrutura existente para as mulheres catarinenses é preocupante nas áreas temáticas como Assistência Social, Justiça, Ministério Público e Segurança Pública. “Há muita carência de resultados, apesar de ter boas iniciativas que estão acontecendo nos órgãos ligados a essas áreas, nos conselhos de mulheres e em órgãos da sociedade civil organizada e Assembleia Legislativa. O Tribunal de Justiça, a Polícia, fazem muita coisa importante, mas essas ações não conversam entre si. Uma integração dessas áreas seria muito interessante”, avaliou Figueiredo.

De acordo com ele, na área de execução final falta muita coisa. “É muito pouco o número de abrigos [para as vítimas], são 31 estruturas de atendimento público. Somente 83 cidades contam com os Centros de Referência Especializado em Assistência Social, os CREAS. Não há nenhuma delegacia especializada em atender as mulheres e só existem 11 serviços de acolhimento, sendo que destes, apenas sete são governamentais, enquanto o Paraná tem 19 e o Rio Grande do Sul, 57. Nesse quesito, Santa Catarina ocupa o 18º lugar no Brasil.

Figueiredo apresentou ainda outro item alarmante, a falta de recursos públicos destinados para o setor. “Na Lei Orçamentária Anual de 2018, havia uma previsão de destinação de recursos na ordem de R$ 117 milhões para todas as ações de assistência social do Estado. Isso representa 0,4% do orçamento estadual. Deste total, só R$ 40 milhões foram destinados para a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, sendo que não houve nenhuma destinação específica para as ações voltadas à mulher. Há muito para melhorar”, concluiu.

Confira abaixo a programação das próximas audiências públicas:

31/05 – Florianópolis
Auditório da Granfpolis

25/06 – Blumenau
Auditório da Biblioteca do Campus 1 da Furb

27/06 – Lages
Auditório da Câmara dos Vereadores

05/07 – Chapecó
Auditório da Unoesc

06/07 – Tubarão
Auditório da Unisul


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