Na briga entre Moro e Bolsonaro quase todos perdem

Na briga entre Moro e Bolsonaro quase todos perdem
Foto: Divulgação

Monday, 27 April 2020

Quase todos porque jornais com tiragens minguantes e programas que estavam perdendo audiência estão se fartando efusivamente nesse briga de casal constrangedora.

Todo mundo já sabe o que aconteceu na última sexta-feira (24/04): o ex-ministro Sérgio Moro deixou o Governo Federal.

Em seu discurso de despedida, Moro fez uma série de graves acusações contra o presidente Jair Bolsonaro, que as rebateu durante pronunciamento no final da tarde. À noite, no Jornal Nacional, diálogos vazados entre Moro, o presidente e a deputada federal Carla Zambelli foram exibidos, tornando ainda maior o escândalo.

O Twitter (como sempre) tornou-se arena de ‘torcidas organizadas’ reforçadas por bots de ambos os lados, notícias falsas e informações fora de contexto. Isso, em pleno surto de pandemia de Covid-19.

Foi surreal ver um presidente da República lavando roupa suja com uma das pessoas mais populares do Brasil pela televisão. Faltou Márcia Goldschmidt mediando esse episódio inacreditável de ‘Casos de Família’, João Kleber empurrando o desfecho para o próximo bloco e uma assinatura de Salvador Dali completando esse espetáculo nonsense. Depois de ver, abismado, os bastidores do mais alto Poder nacional como se fosse um BBB, é impossível não concluir: nosso país é um manicômio. Um hospício caricato onde a rotina do que há de mais sério ganha tons de comédia pastelão.

Em sua saída Moro acusou Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal para blindar a si e seus filhos o que, em tese, é crime e poderia validar um impeachment. Por sua vez, Bolsonaro acusou Moro de chantageá-lo em troca de uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). O que também é crime. Coroando essa situação mais do que vexatória, Moro vazou para a imprensa conversas que teve com o presidente e Zambelli, como forma de provar que não havia chantageado ninguém. Vazamento que não é ilegal, mas moralmente questionável.

O pronunciamento do presidente da República, horas antes, foi desconexo. Falou dos chips das bombas de gasolina, do Inmetro, se vitimizou dizendo que o crime envolvendo a ex-vereadora carioca Marielle Franco estava sendo mais investigado do que a facada contra ele, choramingou sobre ter sido ignorado por Moro a primeira vez em que se viram, citou a sogra que teria sido traficante, um dos filhos que afirmou desnecessariamente ter uma vida sexual movimentada e se gabou por desligar o aquecedor da piscina (que é solar e virou motivo de piada depois). Tudo isso cercado – de forma dispensável – por mais de uma dezena de pessoas em pleno isolamento social. Alguns viram no ato uma semântica similar à Santa Ceia, outros repararam que o ministro Paulo Guedes era o único a usar máscara. E um Brasil já parado parou mais ainda.

Nos primeiros momentos a militância virtual bolsonarista fez silêncio, como se esperasse quais diretrizes deveria seguir. Atacar Moro, mais popular do que o próprio presidente, é uma ação muito delicada. Parte da mídia especulou sobre a permanência de Guedes. Outros atentaram para o assédio moral contra Valeixo. Todos, no entanto,  esqueceram o coronavírus.

Com as primeiras linhas de defesa, a militância inflada por perfis falsos começou a atacar Moro. O ex-ministro foi taxado de chantagista, traidor, incompetente e caluniador.

Nas mensagens vazadas ao Jornal Nacional, Moro expos que Bolsonaro exigiu a troca de Valeixo na Polícia Federal usando uma matéria do Antagonista que apontava que cerca de duas dúzias de deputados aliados estavam sendo investigadas. Zambelli pareceu, de fato, tentar usar uma nomeação ao STF como moeda de troca para Moro, que respondeu de forma formal. Talvez formal demais. Como se planejasse. E isso tornou a crise política ainda maior.

Mandetta – que também estava sendo mais popular que Bolsonaro – já havia sido retirado do governo. Em meio à crise econômica esperada pela pandemia, fritar mais um ministro é péssimo. Péssimo para o governo, mas também para o Brasil. Retomar o crescimento econômico já era desafiador o bastante antes desse buraco na política federal.

Moro prendeu mais de 140 corruptos, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso é um fato. Mas será que é descente exibir conversas privadas num telejornal? Se você aplaudiu o mesmo Moro fazendo isso com o Lula no passado, não tem moral para criticar agora. Até porque era previsível que ele faria. Mas se você acha um absurdo quando um ex-namorado vaza fotos íntimas após um término, também não deveria estar aplaudindo, porque a quebra da confiança é similar. “Mas ele foi chamado de chantagista”, você pode alegar. Nesse caso: os fins justificam os meios? É uma pergunta retórica muito perigosa.

Sérgio Moro foi o herói nacional que se portou como um adolescente com raiva tornando públicas algumas conversas e, com isso, levantando a questão sobre ele ter ou não prevaricado. Bolsonaro é o presidente que não honrou quase nenhuma das promessas que fez, blindando seus filhos e aproximando-se cada vez mais de políticos a quem ele mesmo criticava. Hoje o herói da vez é o Roberto Jefferson, amanhã esse mesmo cidadão vai fechar mais um acordo de delação e virar o novo ‘traidor da Nação’.

Bolsonaro é corrupto? Provavelmente não. Se fosse – com a antipatia que a imprensa nutre por ele – já saberíamos. Moro mentiu? Provavelmente não, também. Ao abrir suas conversas para se defender, Zambelli derrubou sem-querer a narrativa de que “poderia ser montagem”. Então quem está errado? Ambos. Ambos desonraram aquilo que se esperava deles.

Nenhum político merece servidão e Bolsonaro não é rei para que seus filhos achem que podem mandar no país. Contudo, uma pessoa que faz acusações só após deixar um cargo também não merece confiança. Vale para um entregador de pizza. Vale para um ministro.

Para alguns Moro sai como herói. Para outros, traidor. Mas o fato é que ele sai como um ser humano: com suas conquistas e seus defeitos. Alguém que nunca foi leal ao governo, mas cuja lealdade deve ser apenas pela Justiça. Colocar num altar é o problema. Esse tipo clamor desesperado que os brasileiros têm por heróis criou Collor, Lula e o próprio Bolsonaro. Pessoas com egos enormes que, quando alimentados, podem se tornar monstruosos.

O pedido de impeachment de Bolsonaro já tem 54% de aprovação. O presidente está nas mãos de um adversário – o deplorável Rodrigo Maia, presidente da Câmara – e encontra menos índices de aprovação que seus oponentes. Cidades predominantemente bolsonaristas, como Blumenau, registraram panelaços.

Fora da bolha em que os governistas vivem o clima não está bom. Já é o prenúncio de um impeachment? Não. Mas é um alerta vermelho gigante. Se a situação piorar ou mais escândalos aparecerem, as conversas sobre a viabilidade de renúncia para a posse do vice, o general Hamilton Mourão, vão ganhar tons muito mais sérios do que têm hoje. E já estão acontecendo com certa gravidade e preocupação.

Não estamos mais em campanha, o Brasil não é o Twitter, nosso sistema de governo não é uma monarquia e Bolsonaro não é Donald Trump. Enquanto o próprio presidente não compreender isso, sua metralhadora de crises e polêmicas vai continuar atirando.

A recuperação econômica vai ser lenta. Os ânimos já estão exaltados. Isso só não ficou mais claro porque o isolamento impele as pessoas a não tomarem as ruas para protestar. O número de pedidos de impeachment contra Bolsonaro está próximo aos do Collor nos anos 90. A maré não está favorável. Os formadores de opinião do Planalto são, na maioria, jornalistas fracassados ressentidos por nunca terem sido aceitos por grupos tradicionais de comunicação. Ou conspiracionistas que acham que Olavo de Carvalho sempre tem razão. O mesmo Olavo que fez vaquinha para pagar o Imposto de Renda nos Estados Unidos. Uma figura delirante que teve razão sobre o Foro de São Paulo e, desde então, reclama para si razão sobre qualquer coisa num governo onde um terraplanista demente como Dante Mantovani dividiu espaço com o ministro Marcos Pontes, que foi astronauta. Pausa para rir. Outra para se desesperar.

O PT vai voltar? Sim. Se o presidente continuar se portando como uma criança mimada que não assume seus erros e exige que tudo seja do seu jeito, vai. Sua personalidade difícil é, hoje, o maior cabo eleitoral da Esquerda. Tentar seqüestrar para si a Direita dizendo que só quem concorda consigo faz parte dela cria inimigos na própria Direita. Muitos.

Eu desagradei você? Possivelmente. Mas, a essa altura do campeonato, a gente sabe que eu desagrado muita gente. Sou comunista? Definitivamente, não. Eu quem eu votei? No Bolsonaro. Mas não para isso. E – que fique claro – eu votei no Bolsonaro, não no Moro. Mas menos ainda votei no Carlos, Eduardo ou Flávio. Ou no Olavo. Gosto do Moro? Sim. O trabalho dele foi histórico para o Brasil, mas entendo que ele tem defeitos, como todo mundo. Ele não é um mito. Nem o Bolsonaro. Sabe por quê? MITOS NÃO EXISTEM. Pessoas existem. Fechar os olhos para os erros daqueles a quem temos simpatia é um erro por si só. Devemos lutar para que nossos governantes acertem mais do que errem, mas sem achar que tudo que vão fazer está certo. Somos eleitores, não fanáticos que alguma seita estranha.

E, eleitores do Haddad, pelo amor de Deus: só exijam que peçamos desculpas a vocês depois que vocês mesmos assumirem que o Lula roubou e que vocês inventaram um futuro ditatorial distópico de caças às minorias que nunca aconteceu! Se não conseguem evitar a hipocrisia, pelos menos sejam coerentes. É menos constrangedor. O Lula ainda é um ladrão e o Ciro um demente com fetiches totalitaristas muito óbvios.

Podem xingar. Quando dissemos que quebrar o sigilo do Lula tinha sido questionável (e dissemos, basta pesquisar) nos xingaram também.

Enquanto um país que havia virado um ringue com duas torcidas organizadas vê o nascimento de uma terceira, empresas estão fechando, empregos acabando e pessoas morrendo por conta de um vírus chinês. Mas o que interessa é pão e circo, né? Então se sente confortavelmente nesse vôo que promete ser turbulento, pegue sua pipoca e assista as trapalhadas dessas pessoas que nós mesmos estamos pagando. Os comediantes mais caros do Brasil. Os novos Trapalhões. Panis et Circenses. Afinal, como diria Juca Chaves no final de ‘Políticos de Cordel’: “somos p*tas então... p*rra... que viva o nosso p*teiro” (palavrões intencionalmente censurados).


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Ricardo Latorre

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