Por que a manifestação do MBL fracassou?

Por que a manifestação do MBL fracassou?
Foto: Divulgação

Monday, 13 September 2021

O grupo, famoso por levar milhões de pessoas às ruas em 2014, parece não ter entendido que o cenário do jogo político em 2021 é completamente diferente.

É tão bonito ver uma ascensão, quanto é triste ver um ocaso. Ainda mais em um momento onde o país se encontra polarizado por extremistas incultos. Quando ‘terceira via’ ganha ares de esperança, mas também de incerteza. Nesses tempos de dúvida o brasileiro olha para cima esperando um salvador. Um líder. E o MBL tentou o ser. Mas falhou.

O Movimento Brasil Livre (MBL) é um ótimo conceito. Não são fascistas como a esquerda acéfala diz e nem comunistas como os fanáticos bolsonaristas afirmam: são pessoas – na maioria jovens, de classe média e bom nível cultural – que defendem o Liberalismo.

Começou como uma forma de indignação – lá atrás – quando Dilma Rousseff (PT) venceu Aécio Neves (PSDB). A revolta que criou o mantra: “se ela ficar, São Paulo pára”.

Naquela época, auge das megaoperação da’ Lava Jato’ com vasta cobertura midiática sobre as prisões de importantes aliados do governo petista, as pessoas se revoltaram. A classe média – conjunto de pessoas que, literalmente, sustenta a nação – estava indignada. Metade dos brasileiros não admitia Dilma da Presidência e isso só piorava conforme avançavam os escândalos de corrupção.

No Oriente Médio a ‘Primavera Árabe’ havia inspirado milhões de pessoas em todos os cantos do planeta a usar redes sociais para mobilizar protestos contra governos impopulares. E foi essa a fórmula que o MBL usou. Começou pequeno, mas cresceu. Porque o cenário era outro.

Sérgio Moro era um herói, aclamado por milhões. O homem que aterrorizava as noites de corruptos bem-sucedidos e, até então, intocáveis. Dezenas de criminosos de colarinho branco eram presos por semana. Pela primeira vez o brasileiro sentiu que algo estava sendo feito para limpar a política. Enquanto isso, o PT – que governava o país – se afundava cada vez mais.

Pedidos de impeachment eram protocolados com frequência. Manifestações, aos poucos, ganham cada vez mais adesão. Uma presidente impopular mostrando claros indícios de incapacidade de exercer o cargo via seu governo colapsando. Assim como seus nervos.

Nos bastidores, contudo, a briga era outra. O então vice-presidente da República, Michel Temer (MDB) sentia-se deixado de lado por Dilma. Ele, um dos mais influentes e importantes agentes políticos do Brasil. Um constitucionalista. O mais relevante nome em atividade a frente do maior partido político do país. Ele queria, mais do que todos, que Dilma saísse.

O MBL continuava crescendo. Enchendo ruas. Foram caminhando de São Paulo a Brasília. Acamparam na capital do país. Reuniram juristas e políticos na tentativa de conseguir o impeachment.

O mercado via a saída de Dilma com bons olhos. Sob seu comando, a Economia estava recuando e vários outros índices nacionais, outrora estáveis, estavam decaindo. Tirar Dilma seria apoiar Temer. E tanto o mercado quanto os políticos sentiam segurança nele.

Mas os dois tiros de misericórdia de Dilma foram suas contas não sendo aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e sua tentativa de conseguir foro privilegiado para Lula com o intento de livrá-lo da cadeia. O famoso ‘bessias’. Gravação telefônica que foi vazada para a imprensa que e insuflou a indignação de milhões de brasileiros. Já havia materialidade e apoio público para um impeachment. Faltava só o apoio político.

O então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, protegia Dilma de uma cassação até o dia em que ele precisou dela e sentiu-se traído. Então colocou o impeachment para votação. E ela caiu.

O MBL – e seus cultos e engajados membros – gostam de pensar (talvez por ego) que foram eles que derrubaram Dilma, afinal eles colocaram milhões de pessoas contra ela nas ruas. Mas a verdade, menos ufânica e heróica, é que Temer e Cunha derrubaram Dilma. O MBL – e todos nós, que protestamos pela queda dela – foi apenas massa de manobra. E funcionou.

Após ela, Temer conseguiu remendar boa parte dos estragos que a petista havia feito, mas não havia apoio público a ele. Além de uma longa greve de caminhoneiros e um escândalo envolvendo frigoríficos que, no final das contas, sequer era um escândalo real.

“Golpista”, bradavam os petistas. O discurso de Lula – que havia se tornado comedido durante a sua presidência – começou a se inflamar. Polarização, o ‘nós contra eles’, ameaças à liberdade de imprensa e um tom mais radicalista tomou conta do PT. Do outro lado um desconhecido deputado chamado Jair Bolsonaro fazia as mesmas coisas, mas defendendo os valores inversos. Foi, literalmente, combater fogo usando fogo. Reacionarismo contra reacionarismo.

Bolsonaro abraçou a bandeira da ‘Lava Jato’ e, como isso, sinalizou aos eleitores que lutaria contra a corrupção. O que fazia sentido: o homem foi deputado por 28 anos e nunca foi citado em algum escândalo envolvendo o assunto. Muitos dos milhões que ajudaram Dilma a cair, passaram a se apropriar das cores da nação para militar por Bolsonaro. Pelo mito.

A verdade é que ele dizia coisas que quase todos pensavam, mas não tinham coragem de dizer. Bandido bom é bandido morto, sim... e aquele homem estava dizendo isso na Luciana Gimenez.

No primeiro turno, o MBL não o apoiou, ao contrário do que os bolsonaristas dizem. Só no segundo turno, para impedir que Haddad (PT) vencesse, que apoiaram o ex-capitão. E assim Bolsonaro venceu trazendo consigo o admirado Sérgio Moro como ministro da Justiça e o respeitado Paulo Guedes como ministro da Economia.

Mas o começo de seu governo foi complicado. Seu filho Flávio era investigado por corrupção. Bolsonaro não cumpriu muitas de suas promessas de campanha e, assim, perdeu apoiadores, que viraram seus inimigos. Depois, no auge da pandemia, ele perdeu também seu ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e Sérgio Moro, que saiu tecendo inúmeras críticas ao presidente.

Assim como uma massa descerebrada orbitava a figura quase messiânica de Lula irritando o resto da população, Bolsonaro também criou seus próprios xiitas. Alguns, de vieses específicos (como evangélicos e ruralistas) que o defendiam por motivos pessoais. Outros, por desinformação, que o apoiavam por uma espécie de saudosismo de um Brasil que acabou nos anos 80.

Quanto mais sentia que seu apoio derretia, mais Bolsonaro subia o tom. Era agressivo. Provocador. Comprou brigas desnecessárias com governadores, o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e até com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

Houve panelaços. Muitos. E também foram contratadas pesquisas de popularidade. Mas a verdade é que, em meio à pandemia, os resultados eram questionáveis. Será que teriam tantas pessoas pedindo pela cabeça da Dilma em 2014 se vivemos uma pandemia na época?

Foi quando, graças à chegada de vacinas, as restrições começaram a ser amenizadas. O MBL começou a desenhar suas manifestações, que começaram com buzinaços. Só que, do outro lado, Bolsonaro também começou a desenhar as suas próprias manifestações. E o PT apenas observou, inteligentemente, em silêncio enquanto os oponentes se digladiavam.

Debochados, os jovens do MBL tiraram sarro das manifestações convocadas por Bolsonaro para 7 de setembro. “Não vai ter pasto para tanto gado”, disseram. Mas subestimaram o poder das igrejas evangélicas que apóiam o presidente, o desdém que a maioria de seus fanáticos têm pela utilização de máscaras (porque são ignorantes) e o fato de que os formadores de opinião bolsonaristas aprenderam a fórmula do MBL com o próprio MBL.

E dia 7 de setembro foi enorme. Independente de apoiar ou não Jair Messias Bolsonaro, foi um momento democraticamente lindo. Nada menos do que 20 quarteirões da Avenida Paulista foram tomados. Rio de Janeiro, Brasília... centenas de milhares – talvez mais de um milhão de pessoas – estavam lá. Nem todos eram em apoio ao presidente. Alguns eram em protesto contra o STF, outros em repúdio ao governador de São Paulo, João Dória (PSDB). Mas o que as imagens mostram, mesmo que não seja verdade, é um mar de pessoas apoiando Bolsonaro.

Claro que, como não podia deixar de fazer, o presidente falou muita besteira no seu grande dia. Atacou fortemente instituições e ensaiou, sim, um discurso golpista. Mas as instituições não toleraram e, pelos corredores de Brasília, começou-se a falar seriamente, e pela primeira vez, em levar seu impeachment a votação. O peixe poderia, enfim, morrer pela boca.

Mas eis que surge, de forma quase aleatória, o ex-presidente Michel Temer. Ele conversa com o presidente, com lideranças no Congresso e com o ministro Alexandre de Moraes do STF (a quem Bolsonaro mais atacou). E tudo pareceu ter se resolvido. O mercado aceitou bem. A bolsa subiu, o dólar caiu e o Risco Brasil ficou estável pela primeira vez em um bom tempo.

Isso foi bom para todos, menos para o MBL.

Ao ver o oponente se recuperando, o movimento se desesperou. A manifestação deles, marcada para dia 12 há meses – não poderia ser um fiasco. Lulistas e bolsonaristas vivem dizendo que o eles estão ‘derretendo’. Eles tinham que mostrar força. E esse foi o grande erro.

No afã de medir forças com o Planalto, eles se uniram com famosos nomes da esquerda – como Ciro Gomes (PDT) – e com impopulares nomes da direita, como João Dória. Foi o momento em que muita gente desistiu de ir à manifestação. Não era contra Bolsonaro. Não era pelo impeachment. Nem por uma virtual terceira via. Era por ego ideológico.

Os órgãos oficiais estimam que Bolsonaro levou cerca de 140 mil pessoas para a Paulista simultaneamente. Já o MBL, apenas 6 mil. A péssima estratégia de seus organizadores somada ao medo do coronavírus e à aparente promessa de estabilidade do país, diluiu a manifestação.

Eles foram grandes em 2014. Foram. E ninguém nunca vai poder tirar esse mérito deles. Mas o cenário lá atrás, há sete anos, era muito diferente. Lá havia todo um séquito de figuras ligadas à Presidência indo para a cadeia por corrupção. Agora não há. Claro que naquela época existia a ‘Lava Jato’, que o atual presidente destruiu, mas a maioria das pessoas esquece esse detalhe.

No governo Dilma havia um presidente da Câmara que rompeu relações com o Planalto. Algo raro. Hoje há um jogo estranho de gato e rato onde quem faz a crítica simultaneamente beneficia o criticado, como se criasse uma cortina de fumaça pouco vantajosa. Quando o mercado, em 2014, olhava para a linha sucessória, eles viam um político experiente e de idéias claras. Hoje o mercado vê um general, Hamilton Mourão, e isso passa longe de ser uma visão estável.

Não. Não foi o MBL quem cassou o mandato de Dilma Rousseff. Foi a Lava Jato. Foi o próprio Lula, tentando evitar uma prisão inevitável. Foi a total incapacidade da então presidente de ouvir (ou até pedir) conselhos para os mais experientes. Foi o Congresso, mesmo que por motivos mesquinhos. Foi a estabilidade de um bom vice-presidente. E foram os protestos do MBL.

Hoje a Lava Jato acabou. Bolsonaro acabou com ela. Talvez se ainda existisse, víssemos tantos políticos bolsonaristas presos quanto vimos petistas. Nunca vamos saber. Ao contrário de Dilma que (por mérito imoral) prejudicou-se ao ser leal ao Lula, Bolsonaro não é leal a ninguém a não ser seus filhos. Hoje o Congresso está alinhado com o presidente, mesmo fingindo que não. Hoje o vice não passa nenhum tipo de segurança para o mercado. Hoje Bolsonaro lê discursos redigidos por Temer. Hoje temos uma pandemia. E os protestos diminuíram.

Diminuíram porque em 2014 era toda a direita contra a Dilma. Eram monarquistas, militaristas, liberais, conservadores e toda uma gama de pessoas alinhadas contra o mesmo inimigo. Hoje as picuinhas dividiram esses grupos. Pessoas mais velhas e com menos instrução se tornaram massa de manobra do Bolsonaro. Bem como saudosistas do regime de 64. Conservadores voltaram às suas vidas e, como conservadores que são, vão seguir sozinhos por mérito próprio. E os liberais, parece que começaram a crer que eram melhores que os demais e passam seu tempo entre teorias do jogo do poder e deboches de ex-aliados.

Infelizmente não estamos mais em 2014. Não há mais união. Nem coerência. A direita acha mais fácil dialogar com a esquerda do que com os seus próprios ex-aliados. O cenário aqui é outro. Completamente diferente. Porque 2021 é um mundo novo. Mas, se é admirável, só o tempo dirá.


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Ricardo Latorre

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