Relator na Câmara lê parecer de projeto sobre Terrorismo

Relator na Câmara lê parecer de projeto sobre Terrorismo
Foto: Divulgação

Tuesday, 14 September 2021

Pedido de vista coletiva adiou votação. Procuradores temem concentração de poderes nas mãos do presidente da República; deputado que relata texto nega risco.

O deputado Sanderson (PSL-RS) leu nesta segunda-feira (13), na comissão especial criada pela Câmara, o relatório sobre um projeto de lei que trata de ações de combate ao terrorismo no país.

O texto regulamenta ações estatais para reprimir atos considerados terroristas e, segundo Sanderson, tem como objetivos prevenir ações de terrorismo, combater a ameaça – caso ela venha a ocorrer – e minimizar os danos causados pelo ato.

A proposta não será votada nesta segunda porque houve pedido de vista coletiva – ou seja, vários parlamentares pediram tempo extra para analisar o tema. A votação está prevista para a próxima quinta (16).

O projeto de lei é criticado por especialistas, que veem brechas para a perseguição de movimentos sociais. Relator, Sanderson nega que haja esse risco.

O texto que está sendo analisado na Câmara foi apresentado em 2019 pelo líder do PSL na Casa, deputado Vitor Hugo (GO), e é uma reedição de um projeto apresentado em 2016 pelo então deputado e atual presidente Jair Bolsonaro.

A proposta ficou parada entre 2019 e 2020, quando a Câmara era presidida por Rodrigo Maia (sem partido-RJ). Em março, o atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), anunciou a criação do colegiado para debater o tema.

O relator e o presidente da comissão especial, Evair Vieira de Melo (PP-ES), são vice-líderes do governo na Casa – aliados do presidente assim como o autor da matéria.

Especialistas criticam trechos

Um dos pontos mais criticados por especialistas é um dispositivo que amplia a definição de atos que podem ser equiparados a terrorismo, ainda que estes não estejam tipificados como tal em lei.

Segundo o projeto, a lei pode ser aplicada contra atos que “sejam ofensivos para a vida humana ou efetivamente destrutivos em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave”.

Outro ponto polêmico é o controle direto, por parte do presidente da República, da autoridade nacional contraterrorista, responsável pela Política Nacional Contraterrorista.

Em nota divulgada no último dia 7 de setembro, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) diz que o projeto “amplia de forma inadequada o alcance do conceito de ato terrorista” e aponta a falta de clareza em conceitos apresentados na proposta.

“Coloca-se em risco a preservação do núcleo essencial de direitos como a liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, além do próprio direito de protesto”, diz a nota.

A associação afirma, ainda, que sua aprovação “poderá redundar em recrudescimento na atuação das forças de segurança, de forma excessivamente centralizada, e riscos às atividades de defensores de direitos humanos e movimentos sociais”.

O presidente da Presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, diz que o texto causa “grande preocupação” e que a falta de clareza nos dispositivos pode levar ao "risco de interpretações equivocadas que podem criminalizar ações de movimentos sociais e sindicais, especialmente os que provoquem algum tipo de incômodo ao governo da vez".

"Os órgãos responsáveis por prevenção e repressão ao crime de terrorismo sabem que a concentração de poder em uma dita 'autoridade nacional' pode gerar uma atuação paralela a das instituições de Estado nos diferentes entes da federação”, avaliou Paiva.

Em uma rede social, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, também criticou a proposta.

“Projeto que, além de perigosíssimo para a democracia, destrói completamente a arquitetura que organiza o Pacto Federativo e boicota a Política Nacional de Defesa; o SISBIN; e o SUSP. O PL [projeto de lei] é ruim, muito ruim”, escreveu nesta segunda-feira.

Direitos humanos

A assessora jurídica do Instituto Igarapé, Maria Eduarda Pessoa de Assis, diz que a proposta é incompatível com as garantias constitucionais e com os compromissos internacionais firmados pelo Brasil.

"Relatores da ONU já alertaram que o Brasil estará violando o direito internacional caso aprove o projeto", diz. "O projeto dá poderes excessivos aos órgãos de segurança e inteligência, além de criar um sistema paralelo de vigilância, invertendo a lógica de que o sigilo é a exceção e não a regra."

Mais cedo nesta segunda-feira, durante abertura da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra, a alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, também criticou o projeto. Segundo ela, o texto pode resultar em abusos e perseguições de ambientalistas e defensores dos direitos humanos no Brasil.

Excludente de ilicitude

Entre outros pontos, o projeto prevê o chamado excludente de ilicitude para condutas específicas. O excludente consiste em isentar de punição um militar ou um agente de segurança que cometa um ato proibido por lei, como matar.

Segundo o texto, presume-se que o agente público envolvido em operações contraterroristas atua em legítima defesa quando dispara arma de fogo "para resguardar a vida de vítima, em perigo real ou iminente, causado pela ação de terroristas, ainda que o resultado, por erro escusável na execução, seja diferente do desejado".

O texto também livra de punição o agente infiltrado que comete crimes durante a operação “quando a situação vivenciada o impuser”, especialmente se para proteger a própria vida.

A ANPR diz que a previsão é “excessivamente ampla” e, com isso, há o risco de o projeto “legitimar violações de direitos fundamentais por parte dos agentes públicos, mediante a disseminação de uma atuação ostensiva e violenta”.

Política nacional contraterrorista

O projeto institui o Sistema Nacional Contraterrorista (SNC), que coordenará atividades de preparo e de emprego das forças militares e policiais e das unidades de inteligência em relação às ações contraterroristas.

Além disso, define que a execução da Política Nacional Contraterrorista (PNC) será levada a efeito pela autoridade nacional contraterrorista, nomeada pelo presidente da República e sob supervisão do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

Procuradores também criticaram esses dispositivos, afirmando que a medida “acarreta sobreposição de funções e usurpação de atribuições de outros entes federativos”, desconsiderando, por exemplo, a existência do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN).

“Com isso, há a preocupação com a formação de um sistema paralelo de vigilância e segurança e a estipulação de poderes concentrados nas mãos do Presidente da República”, diz a nota.

Controle pelo Congresso

A proposta estabelece que o controle e a fiscalização externos das ações contraterroristas serão exercidos pelo Poder Legislativo, em forma ainda a ser estabelecida em ato do Congresso.

Segundo o texto, o órgão de controle será composto por parlamentares – líderes da maioria e da minoria da Câmara e do Senado e presidentes das comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional e de Segurança Pública das duas Casas.

Na nota, a ANPR afirma que o dispositivo não resguarda as atribuições constitucionais do Ministério Público - entre elas, a função de exercer o controle externo da atividade policial - e "merece ser revista em razão da discricionariedade conferida ao Congresso Nacional, por ato distinto de lei, no enfrentamento da questão".

Identidade falsa

O texto também permite a infiltração de agentes com identidades falsas em operações para prevenir e reprimir as atividades consideradas terroristas.

De acordo com o projeto: "O poder público viabilizará a proteção da identidade de agentes públicos contraterroristas quando empregados nas ações contraterroristas, inclusive por meio de autorização de uso da identidade vinculada de segurança".

Conforme o projeto, identidade vinculada de segurança é o documento cujos dados de qualificação e as referências a outros registros públicos associados a uma pessoa física são diferentes dos efetivamente atribuídos ao agente que o porta.

Debate

Antes de iniciar a leitura do parecer, Sanderson negou que a proposta criminalize movimentos sociais e disse estar “aberto a qualquer tipo de sugestão” para aprimorar o texto.

“Não há uma letra tratando de criminalização de movimentos sociais. Ao contrário, o texto chega a ser massivo e intensivo no sentido de proteger os nacionais do Brasil”, afirmou.

Em seu parecer, porém, o relator afirmou que manifestações de natureza social, política ou ideológica “não podem servir de fachada para abrigar atos de selvageria que provoquem terror físico ou psicológico, causem danos ao patrimônio público ou privado ou, até mesmo, mortes”.

Sanderson defende que, enquanto as relações internacionais “se tornam mais intensas”, o Brasil “se torna um alvo atrativo” para ameaças terroristas.

"Não há que se esperar pela consumação de um ato terrorista para que se possa legislar a respeito. Devemos nos antecipar", justificou.

Autor da proposta, Vitor Hugo defendeu a "necessidade" de aperfeiçoar a legislação brasileira no que diz respeito às ações contraterroristas.

"É importantíssimo que nos aprendamos com erros de outros países para que não estejamos estimulados somente a mudar a nossa legislação a partir do momento, se Deus quiser que nunca aconteça, mas de termos vidas brasileiras perdidas em território nacional ou estrangeiro a partir de um ataque terrorista."

Membro da comissão especial, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) defendeu a retirada da proposta de pauta e pediu o aprofundamento do debate.

"O PL antiterrorismo usa o nome desse tipo penal gravíssimo [terrorismo], que não tem casos registrados no Brasil, para criar uma estrutura paralela para primeiro interferir no sistema único de segurança pública, mas também perseguir adversários políticos e movimentos sociais."


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Redação

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