Executivo quer mudar o CTB e Câmara aprova a inconstitucionalidade

Executivo quer mudar o CTB e Câmara aprova a inconstitucionalidade
Foto: Divulgação

Thursday, 01 June 2017

Parece uma daquelas piadas de mau gosto que a gente vê em rincões distantes do país, do mesmo calibre dos Projetos de Lei atrapalhados que pretendem abolir o uso do capacete para motociclistas, por exemplo.

Jamais se pensaria que em uma cidade como Blumenau se fosse apresentar um PL que faz um arremedo mal feito do artigo 267 do Código de Trânsito Brasileiro e tenta (pasmem) modificá-lo. Isso mesmo: um projeto de lei municipal que quer modificar um artigo de lei federal, assinada pelo Presidente da República. Estamos falando da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, nada mais, nada menos que o Código de Trânsito Brasileiro. O projeto ousado e inconstitucional é de autoria do Executivo (cujo chefe é advogado e sabe que é inconstitucional) e quer tornar obrigatória a substituição da multa por infrações leves e médias por advertência. 

A única lei constitucional a respeito é a de que trata o CTB e que determina que funcione da seguinte forma: o condutor que não cometeu nenhuma infração leve ou média nos últimos 12 meses, poderá solicitar por meio de defesa prévia a substituição da multa por penalidade de advertência. Se for deferido o pedido, anula a multa e os pontos. Vamos à única lei que vale, o CTB: 

Art. 267. Poderá ser imposta a penalidade de advertência por escrito à infração de natureza leve ou média, passível de ser punida com multa, não sendo reincidente o infrator, na mesma infração, nos últimos doze meses, quando a autoridade, considerando o prontuário do infrator, entender esta providência como mais educativa. 

Trocar multa por advertência não é dever de ofício da autoridade de trânsito, tanto que a letra do CTB diz “poderá”. E porque poderá? Porque é necessário que antes a autoridade de trânsito consulte o prontuário do condutor para ter certeza de que ele não é um infrator contumaz e nem reincidente em infrações leves e médias, mas também nas infrações graves e gravíssimas! 

Porque pode ser que ele não tenha cometido nenhuma infração leve (estacionar longe do meio fio, por exemplo) ou média (fazer conversão em local proibido, dentre outras) nos últimos 12 meses, mas tenha cometido ou esteja com o prontuário cheio de infrações graves (não usar cinto de segurança, transitar pela contramão de direção, não prestar socorro à vítimas de acidentes quando solicitado, por exemplo) ou gravíssimas (avançar sinal vermelho, transportar crianças fora da cadeirinha, dirigir ameaçando pedestres, por exemplo). 

Para estes condutores, o legislador que escreveu o CTB entende que não deva ser concedido o benefício da troca de multa por advertência, mesmo que não tenha cometido nenhuma infração leve ou média nos últimos 12 meses, mas que tenha cometido infrações graves e gravíssimas. Mas, não é assim que entende o Executivo da cidade ao querer alterar o CTB (lei federal) por meio de lei municipal. 

Projeto era de 2013 e voltou reformado 

Para quem tem memória curta, vou relembrar. Em 13 de abril de 2015 o Seterb marcou uma coletiva com a imprensa e apresentou uma tal de “lei educacional” (que de educacional não tem nada) para dar uma espécie de “segunda chance” aos motoristas que cometessem infrações leves e médias. De acordo com essa primeira versão eivada de inconstitucionalidade, o motorista que tivesse uma multa leve ou média por ano a anularia desde que participasse de uma palestra promovida pela Escola Pública de Trânsito e comprovasse a presença. A justificativa do então presidente do Seterb que queria “humanizar” o trânsito aumentando a velocidade na cidade foi de que “o objetivo com essa lei é educar, através de palestras, e evitar que novas infrações sejam cometidas pelo motorista". Então, tá. 

O tal projeto foi para a Câmara, tombou por inconstitucionalidade e agora foi reapresentado numa versão mais enxuta: retiraram a obrigatoriedade das palestras com o objetivo de “educar” para o motorista não cometer mais infrações. Inclusive, no site da Câmara, tem-se o acesso ao texto modificado dizendo que foi solicitado parecer jurídico da Câmara, mas que não aparece com a fundamentação como é com os demais projetos. Veja no link: http://187.85.181.100/legisweb/imgLei/970252282_1_1_7410_2017.pdf Cadê o parecer jurídico da Câmara? 

Pelo novo texto inconstitucional, a lei foi aprovada da seguinte maneira e com as seguintes pretensões:

O autor do PL inconstitucional aprovado na Câmara quer que as multas leves e médias sejam substituídas “de ofício”, sem a cautela de observar o prontuário do condutor para ter certeza de que ele não cometeu outras infrações graves e gravíssimas ou se, inclusive, atingiu 20 ou mais pontos que abrem o processo administrativo para a suspensão do direito de dirigir. Piada? 

E o pior: o texto do PL que tem tudo para ser sancionado pelo próprio autor quer “exigir” do Detran a alteração no sistema DetranNet. Peraí: vamos rever: 

  1. Só quem altera o CTB, tira artigos ou coloca artigos é a Câmara dos Deputados por meio de PL que vai à votação na Câmara Federal e no Senado por duas vezes. E ainda assim, só se for sancionado pelo Presidente da República! Não é assunto de Executivo municipal e nem cabe à vereadores votarem matéria federal!
  2. Detran é estadual e lei municipal não exige que este órgão do Poder Executivo estadual, por delegação do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), faça ou deixe de fazer qualquer coisa, ainda mais que vá contra as leis de trânsito que devem cumprir e fazer cumprir!
  3. As atribuições do município se restringem ao artigo 24 do CTB, que também exige cumprir e fazer cumprir o Código de Trânsito Brasileiro! Não tem nada lá dizendo que lei municipal muda lei federal!
  4. O artigo 30 da Constituição não entende trânsito como matéria de interesse local que possa ser modificada, pois conforme o artigo 22 da mesma Constituição Federal que rege o país ao qual Blumenau faz parte, legislar em assuntos de trânsito é de competência exclusiva da União. 

Não se pode passar por cima de uma lei federal como a 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro! 

Não se pode passar por cima do Denatran, do Contran, das Resoluções que regulamentam os artigos do CTB, nem do Detran, nem de nenhuma outra lei que não esteja na alçada, na esfera e na competência do próprio município. 

Que as leis de trânsito não são respeitadas pelos motoristas, isso a quantidade de infrações diárias comprova, mas que também não sejam respeitadas por quem tem a obrigação de respeitá-las como entes do Sistema Nacional de Trânsito, aí já é demais! 

Manda o bom senso (e isso é o mínimo) que todo legislador conheça as leis pátrias (e inclusive as leis de trânsito) e que respeite os pareceres jurídicos que delas dependam o atestado de constitucionalidade e que, sendo inconstitucional, não se perca tempo e dinheiro público levando adiante discussões, debates, reuniões e votações vazias. 

Não se pode permitir votações políticas e aprovações de leis inconstitucionais, sem conhecimento da matéria e de suas consequências, ainda mais se tratando de leis de trânsito. Para isto existe o Ministério Público, para onde vai a denúncia caso a lei inconstitucional seja sancionada: para que seja derrubada por Ação Direta de Inconstitucionalidade e facilitar a leitura da fundamentação legal à todos que não a conhecem.   

O órgão competente tem que colocar um freio urgente nos projetos de lei e leis inconstitucionais, tais como a lei dos flanelinhas (que não serve para nada e nunca foi aplicada na cidade), para a tentativa de lei municipal que tenta obrigar o estado a fornecer as imagens das infrações de trânsito por videomonitoramento para recurso ou mesmo a “lei da transparência das multas”, desnecessária diante da própria Constituição, da Lei da Transparência, do art. 320 do CTB, da Lei 13.281 e de Resoluções do Contran. Basta que o Executivo respeite todas essas leis e faça o que deve ser feito. 

Não precisa esse panem et circenses todo. Estamos com água e paciência pelo pescoço e há, certamente, matérias constitucionais importantes a serem tratadas e votadas com seriedade.


>> SOBRE O AUTOR

Márcia Pontes

>> COMPARTILHE