CPI, fundo eleitoral recorde e auxílio marcam ano pré-eleitoral no Congresso

CPI, fundo eleitoral recorde e auxílio marcam ano pré-eleitoral no Congresso
Foto: Reprodução

Monday, 10 January 2022

Ano do Congresso também teve parlamentares presos e cassados e a polêmica das emendas de relator.

De olho nas eleições do ano que vem, deputados federais e senadores se mobilizaram, em 2021, para aprovar mudanças nas regras do jogo.

Uma proposta de reforma eleitoral começou a tramitar na Câmara propondo a volta das coligações partidárias nas disputas proporcionais, entre outras alterações, mas os senadores foram mais moderados e concordaram apenas com algumas modificações, como as datas de posse de governadores, prefeitos e do presidente, além da contagem em dobro dos votos recebidos por negros e mulheres para efeito de distribuição de recursos.

Pressionado pelo Executivo, o Congresso também analisou a possibilidade de incluir o voto impresso nas disputas do ano que vem. A proposta foi rejeitada por uma comissão especial e, mesmo assim, foi a plenário, mas não avançou.

Ainda com foco nas eleições, o Congresso também foi atrás de definir como seria a distribuição de recursos públicos. Em um consenso entre parte da oposição e governistas, tanto na Câmara quanto no Senado, foi aprovado um valor recorde do fundo eleitoral: R$ 5,7 bilhões.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou diminuir o valor para R$ 2 bilhões, mas, em uma das últimas sessões do ano, em 17 de dezembro, o Congresso derrubou o veto e manteve a ampliação do valor do financiamento público a campanhas eleitorais em quase R$ 6 bilhões.

Também no final do ano, o Congresso promulgou a PEC dos Precatórios, que abriu um espaço de R$ 43,8 bilhões no Orçamento para a União gastar em 2022 — numa estratégia do governo para bancar o Auxílio Brasil no ano que vem.

Questionada por parte da equipe econômica e por uma parcela do empresariado, a possibilidade de não pagar as dívidas governamentais já reconhecidas pela Justiça permitiu ao governo furar o teto de gastos e instituir um auxílio em substituição ao Bolsa Família, com valor maior e validade de um ano.

Boa parte dessas votações favoráveis ao governo só foi possível porque Arthur Lira (PP-AL) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, com atuação bem distinta em comparação com o antecessor, Rodrigo Maia (sem partido) – que apoiou Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo.

Também apoiado por Bolsonaro, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), à época no DEM, passou a comandar o Senado, substituindo Davi Alcolumbre (DEM-AP), mas teve uma postura menos governista alinhada ao Planalto, proferindo algumas decisões que contrariaram o governo.

Pacheco rejeitou o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, enviado por Bolsonaro; devolveu de uma proposta de Medida Provisória (MP) que alteraria o Marco Civil da Internet; e apareceu em público para defender as eleições e criticar as falas do presidente nos atos de 7 de Setembro.

A relação ficou ainda mais distante quando Pacheco foi anunciado, em outubro, como pré-candidato à Presidência da República pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab.

Já Lira, além de articular votações de interesse do governo, foi essencial para que não prosperassem na Câmara as tentativas de tirar Bolsonaro do poder – quando opositores apresentaram um “superpedido” de impeachment do presidente, reunindo fatos já destacados em outros 122 pedidos de afastamento, a medida não avançou.

Sérgio Praça, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que ter se livrado do impeachment foi um dos fatos marcantes do ano na relação de Bolsonaro com o Congresso.

“Com a eleição de Arthur Lira, o impeachment deixou de ser um risco. Lá em fevereiro, quando os presidentes do Congresso foram escolhidos, ele garantiu águas mais tranquilas”, analisa.

De acordo com Luciana Santana, cientista política e professora na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Pacheco teve uma postura mais combativa, reagindo às ações de Bolsonaro em algumas situações, mas costurando acordos quando o processo passava por uma negociação política.

CPI da Pandemia

Após a repercussão negativa da postura do governo federal no enfrentamento da crise sanitária, o Senado sinalizou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Inicialmente, Pacheco foi reticente à ideia, mas foi obrigado a instaurar a comissão em abril após uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deferiu um pedido de providências feito pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO).

Com as vagas divididas proporcionalmente entre os partidos de maior representatividade política na Casa, os apoiadores do governo ficaram em minoria na comissão. Ao todo foram 11 membros titulares, sendo 4 da base do presidente e 7 de oposição ou independentes.

O grupo majoritário, que ficou conhecido como G-7, foi responsável por aprovar quebras de sigilo, convocações, pedidos de informação, além de elegerem o presidente, Omar Aziz (PSD-AM), o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL).

Mesmo não tendo mulheres entre os postos decisórios, as senadoras se destacaram pela participação nas sessões de interrogatório. Simone Tebet (MDB-MS), Leila Barros (Cidadania-DF) e Eliziane Gama (Cidadania-MA) foram três das parlamentares que conseguiram garantir informações relevantes para as investigações.

Os trabalhos – que eram focados na gestão do dinheiro público, na crise do Amazonas e também na atuação federal – incluíram os depoimentos de nomes importantes como os ex-ministros da saúde Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello, o atual gestor, Marcelo Queiroga, o diretor-presidente da Anvisa, o contra-almirante Antonio Barra Torres, entre outros.

Além da atuação da equipe do Ministério da Saúde, também foram investigados temas como a disseminação de fake news e um suposto “gabinete paralelo” que controlava as decisões sem estar integrado ao sistema formal de governo.

A CPI entrou em uma nova etapa quando o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, denunciaram direcionamento para a compra da vacina indiana Covaxin. As investigações levaram à suspensão das negociações com a empresa Precisa Medicamentos, a intermediadora da aquisição, que não se concretizou.

Também os tratamentos ofertados e as escolhas profissionais da empresa Prevent Senior para atender os pacientes com Covid-19 viraram assuntos na comissão.

O relatório final, apresentado em outubro, propôs o indiciamento de 78 pessoas, entre elas, Bolsonaro, que foi citado pelo relator por ter supostamente praticado nove crimes. O documento foi entregue ao procurador-geral da União, Augusto Aras, que será responsável por dar andamento ao caso.

Os especialistas consultados pela CNN apontam a CPI como o fato político do ano, em função da repercussão em várias áreas. Para Eduardo Grin, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, o Legislativo assumiu uma posição de protagonismo, confrontando decisões do Executivo e apontando incongruências.

Prisões, mortes e emendas de relator

O ano do Congresso também teve parlamentares presos e cassados.

A Câmara decidiu não contrariar o Judiciário e manteve a prisão do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), na época filiado ao PSL.

Outro caso emblemático no Legislativo foi a cassação do mandato de Flordelis (sem partido), acusada de ser mandante do assassinato do marido e que, na sequência da decisão da Câmara, foi presa e segue até hoje detida em regime fechado porque poderia “interferir na instrução” do inquérito.

Quem também perdeu o cargo foi o deputado Boca Aberta (Pros), por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o considerou inelegível.

O Senado perdeu dois membros para a Covid-19. Em 8 de fevereiro, José Maranhão (MDB-PB) morreu, aos 87 anos. Um mês depois, Major Olímpio (PSL-SP) – aliado de primeira hora de Bolsonaro desde a campanha presidencial de 2018, mas que rompeu pouco tempo após a posse do atual presidente – também faleceu vítima de Covid-19, aos 58 anos.

Em março, um mês depois da eleição da mesa diretora das Casas, os parlamentares voltaram a realizar sessões remotas, por causa do agravamento da crise sanitária. Com o aumento da vacinação, as votações passaram ao patamar de semipresenciais e, em outubro, retomaram ao modelo presencial.

Na lista de assuntos que movimentaram o Congresso em 2021 estão as chamadas emendas do relator, que ficaram conhecidas pelo nome de orçamento secreto.

A prática consiste em distribuir verbas direcionadas às bases de apoio político, sem identificar os parlamentares que as conseguiram. Prática criada em 2019, a emenda do relator é uma brecha para permitir a distribuição de dinheiro público, sem transparência, seguindo interesses em negociações políticas.

O formato chegou a ser suspenso pela ministra Rosa Weber, do Supremo. O Congresso, então, alterou regras da distribuição das emendas, mas sem dar publicidade sobre beneficiários. As novas medidas foram analisadas pelo STF, que por 8 a 2 autorizou o retorno da distribuição do dinheiro público, mas cobrou transparência.

Sérgio Praça destaca que as emendas do relator representam um acordo controverso.

“É um arranjo como o feito na gestão do PT. Nem melhor, nem pior, só diferente. O fato é que agora é de uma forma mais explícita que o mensalão ou petrolão. Eles estão fazendo na cara. Com certeza é um dos fatos marcantes do ano”, destaca.

Para Luciana Caetano, doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), as emendas do relator foram uma manobra encontrada para recriar um balcão de negociações, prática tanto criticada pela parcela da população que pede mudança no sistema político.

“O orçamento secreto é um acinte à sociedade brasileira por ter como propósito deixar no anonimato parlamentares cooptados pelo chefe do Executivo para votação em pautas de seu interesse, sem revelar o valor da emenda, o beneficiário ou onde será aplicada. É um caixa 2 institucionalizado no Parlamento”, critica.

Agenda econômica

Sob o comando de Lira, alguns projetos de interesse do ministro Paulo Guedes, da Economia, conseguiram avançar no Congresso. Entre eles, a autonomia do Banco Central, uma cobrança antiga do mercado; e a Medida Provisória (MP) que prevê a capitalização da Eletrobras.

Já a proposta de privatização dos Correios passou na Câmara, mas está encontrando resistência no Senado.

Já no final do ano, uma série de iniciativas encontrou sinal verde por parte dos parlamentares, como o marco cambial – que altera as regras para movimentações de moeda estrangeira e até o limite de dinheiro em viagens –, o marco legal das ferrovias – que estabelece as regras inclusive para uma atuação mais direta da iniciativa privada na construção de ramais e a BR do Mar, incentivo à navegação de cabotagem, com transporte marítimo entre portos –, e a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores.

Na lista de assuntos pendentes está a proposta de reformulação no cálculo de ICMS dos Combustíveis, atrelando limites para a arrecadação do imposto estadual, que já passou na Câmara, mas ainda não foi apreciada no Senado.


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Redação

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