Bolsonaro repudia nazismo e pede que o mesmo seja feito com o comunismo
Foto: DivulgaçãoThursday, 10 February 2022
E nisso ele está certo...
Em nota de repúdio ao nazismo, o presidente Jair Bolsonaro citou hoje o comunismo ao afirmar que "outras organizações que dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo" também precisam ser combatidas.
"A ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita, sem ressalvas que permitam seu florescimento", escreveu o presidente em suas redes sociais.
"É de nosso desejo que outras organizações que promovem ideologias que pregam antissemitismo, divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes, como fez o comunismo, sejam combatidas por nossas leis", destacou Bolsonaro.
A manifestação de Bolsonaro vem um dia depois de o procurador-geral da República, Augusto Aras, determinar a abertura de inquérito para apurar suposta prática de crime de apologia ao nazismo pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e pelo influenciador digital Monark.
Num debate sobre perseguição contra grupos minoritários exibido na segunda-feira (7) pelo Flow Podcast, Kim sugeriu que grupos radicais ganham força quando o cerceamento de ideias extremistas é praticado em detrimento da liberdade de expressão.
Monark, que apresentava o programa, disse que endossa a criação de um partido nazista a fim de equilibrar o debate político.
Ao UOL, Kim disse que a rapidez de Aras para abrir apuração sobre suas declarações deve-se à relação política do PGR com o presidente Bolsonaro.
No campo da esquerda, o PCO defendeu a liberdade de expressão irrestrita. Segundo a sigla, a censura a ideologias de terceira posição, como é o caso do nazismo e do fascismo, acarretaria no aviltamento do comunismo.
Hoje, o bolsonarista Adrilles Jorge foi demitido da Jovem Pan depois de ter feito gesto associado ao nazismo enquanto abordava o episódio do Flow Podcast num programa da emissora. Na ocasião, o comentarista estendeu a palma da mão para o alto de modo semelhante à saudação romana, movimento adotado por nazistas como sinal da lealdade e culto a Adolf Hitler.
Proximidade com Israel
Aliado político e apoiador declarado do ex-premiê israelense Benjamin Netanyahu, o presidente Bolsonaro destacou, em seu manifesto antinazista, sua proximidade ao Estado de Israel.
"Tenho orgulho de ser o presidente que mais aproximou o nosso país dos judeus, intensificando as relações bilaterais com Israel", disse Bolsonaro.
O Estado do Oriente Médio é considerado um aliado prioritário do Brasil. Em meio às tensões na Faixa de Gaza, no ano passado, Bolsonaro declarou apoio à nação judaica e considerou "injustificável o lançamento de foguetes contra o território israelense".
Num gesto interpretado como "sionista", Bolsonaro à época não se solidarizou a Palestina —ocupada majoritariamente por árabes.
Idealizado pelo escritor húngaro Theodor Herzl, o sionismo é um movimento político de caráter ultraconservador que defende a soberania de uma nação judaica no território descrito no Antigo Testamento como a "Terra Prometida" por Deus a Abraão.
Atualmente, esse movimento é alvo de críticas por apoiar a expansão da parcela ocupada por judeus no Oriente Médio em detrimento do espaço destinado aos árabes. A disputa territorial frequentemente culmina em confrontos armados, apoiados pelos Estados Unidos.
Ícone do dispensacionalismo
A bandeira de Israel é peça constante nos eventos bolsonaristas. No Brasil, setores da comunidade judaica têm manifestado desconforto com a adoção de símbolos do judaísmo por grupos de apoio ao presidente que propagam o "sionismo cristão".
O fenômeno é caracterizado por religiosos neopentecostais que adotam hábitos judaicos movidos por um conceito teológico denominado "dispensacionalismo" —a crença de que o retorno de Jesus Cristo à Terra depende da retomada de Israel por judeus (o que ocorreu em 1948); e da expulsão de não judeus de Jerusalém (região conquistada por Israel em 1967).
O movimento de grupos israelitas que tentam descolar a imagem da comunidade judaica do governo Bolsonaro se intensificou depois de o então secretário da Cultura Roberto Alvim ter incorporado num pronunciamento trechos de um discurso proferido originalmente por Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista.
No ano passado, cerca de 200 intelectuais judeus divulgaram carta em que afirmam que o governo Bolsonaro tem inclinações nazistas: "Perspectivas conspiratórias e antidemocráticas produzem inimigos imaginários. Se não judeus, esquerdistas; se não ciganos, cientistas; se não comunistas, como na Itália fascista, feministas".
Suposta carta de Bolsonaro a site neonazista
Achados da antropóloga Adriana Dias, divulgados pelo site The Intercept Brasil, indicaram no ano passado que Bolsonaro, em 2004, teria se correspondido com administradores de um site neonazista.
"Todo retorno que tenho dos comunicados se transforma em estímulo ao meu trabalho. Vocês são a razão da existência do meu mandato", dizia o presidente na mensagem.
Procurada pelo UOL, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República não havia se manifestado até a última atualização desta reportagem sobre a autenticidade do documento a que Adriana Dias teve acesso.
Elogios de David Duke
O historiador norte-americano David Duke, rosto mais conhecido do grupo de supremacia branca KKK, elogiou Bolsonaro, quando o hoje chefe do Executivo concorria à Presidência da República.
"Ele soa como nós. E também é um candidato muito forte", observou Duke.
"Bolsonaro é totalmente descendente da Europa. Ele se parece com qualquer homem branco nos EUA, em Portugal, Espanha ou Alemanha e França. Ele aborda a criminalidade que existe no Brasil, como nos bairros negros do Rio de Janeiro", afirmou Duke.
Na época, Bolsonaro se esquivou das declarações de Duke e destacou a origem mestiça da população brasileira.
"Recuso qualquer tipo de apoio de grupos supremacistas. Sugiro que, por coerência, apoiem o candidato da esquerda, que adora segregar a sociedade. Explorar isso para influenciar uma eleição no Brasil é desconhecer o povo brasileiro, que é miscigenado", disse o presidente.
Embora tenham endossado a candidatura de Jair Bolsonaro em 2018, os movimentos de terceira posição e neonazistas no Brasil abandonaram a base de apoio do presidente por causa de três pontos-chaves:
- as políticas consideradas progressistas, capitaneadas pela ministra Damares Alves;
- as políticas econômicas de Paulo Guedes, consideradas ultraliberais; e
- a proximidade e o apoio do presidente e de seu entorno a Israel.
Nazismo: nem de esquerda nem de direita
Bolsonaro e seus apoiadores comumente afirmam que o nazismo foi uma doutrina esquerdista. Essa associação é incorreta.
A ideologia nazista, assim como o fascismo, incorporava elementos tanto de direita quanto de esquerda, classificando-se como uma corrente política de terceira posição.
O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, que governou o país europeu sob Hitler, tinha caráter populista, autoritário, ufanista, ultraconservador e militarista.
O economista Gottfried Feder, responsável por elaborar o programa econômico do regime, tinha inclinações anticapitalistas, por associar o liberalismo fiscal a banqueiros judeus.
O neonazismo, guarda-chuva para grupos racistas e ultraconservadores, no entanto, está alinhado a uma extrema-direita.