Ilhas de Chiloé são o melhor destino para sumir do mapa

Ilhas de Chiloé são o melhor destino para sumir do mapa
Foto: Divulgação

Monday, 27 May 2019

Paisagem do arquipélago no centro-sul do país vai do campo às praias do Pacífico.

Chiloé é um bom lugar para se esconder. A duas horas de voo de Santiago, que está a quase quatro horas de voo de São Paulo, o arquipélago no centro-sul do Chile fica longe de tudo, inclusive dos turistas, das redes sociais e do raio gourmetizador. 

É também um bom lugar para fazer nada. Sem restaurante estrelado, sem museu cheio, sem lista de atrações a ser batida, o destino poderia ser promovido a fim do mundo, com a vantagem de ser mais perto do Brasil que Islândia, Alasca ou mesmo Ushuaia, o fim do mundo da Argentina.

Se depender de paisagem insólita, o título pode ser do arquipélago chileno. Por dentro, as mais de 30 ilhas parecem um grande sítio, com estradas de terra, vacas, ovelhas e casas de madeira. Tudo cercado, de um lado, por baías que enchem de acordo com a maré, e, de outro, por praias do Pacífico onde o vento é tão forte que deforma árvores.

O cenário rural-litorâneo serviu de palco para a série da Globo “Os Dias Eram Assim”, de 2017, ambientada nos anos 1970 durante a ditadura militar brasileira. Um dos personagens se exila justamente em Chiloé. O lugar também é o esconderijo da protagonista do romance “O Caderno de Maya”, da escritora chilena Isabel Allende.

“Recebemos turistas dos Estados Unidos, da Austrália, do Reino Unido. São pessoas que querem sumir”, diz Constanza Leiva, gerente de marketing da rede Tierra Hotels. 

O grupo tem um hotel de luxo na Ilha Grande, a maior de Chiloé, com cerca de 8.300 quilômetros quadrados —ou mais de cinco vezes a área da cidade de São Paulo. Lá fica a capital do arquipélago, Castro, que tem 43 mil habitantes.

Quem nasce em Chiloé, mais do que chileno, é chilote. A força da identidade pode ser explicada pela geografia —o isolamento ajuda a preservar tradições — e pela história, explica Felipe Montiel Vera, historiador e diretor do Museu Municipal de Castro. 

Até meados do século 18, época de domínio espanhol, o arquipélago mantinha mais relação com Lima, hoje capital do Peru, do que com Santiago. 

Durante o processo de independência do Chile, no século 19, Chiloé ficou do lado da Espanha, tornando-se o último território europeu na região. A conquista das ilhas pelo governo chileno só aconteceu em 1826, oito anos após a emancipação do país.

“Em primeiro lugar somos chilotes. Temos nossos costumes, nossos mitos e nossas crenças. Vivemos a religiosidade de uma forma muito particular”, diz Felipe.

Até o catolicismo é diferente em Chiloé. Os jesuítas, que espalharam a religião pelo arquipélago, construíram uma igreja atrás da outra. 

No fim, foram erguidas tantas capelas que os sacerdotes não conseguiam ir a todas com frequência. Nomearam, então, moradores como fiscais. Eles ficaram responsáveis por cuidar das instalações e até poderiam substituir o padre em emergências, como dar a extrema-unção.

O sistema inventado pelos jesuítas permanece até hoje. E há muitas igrejas históricas: cerca de 60, todas de madeira, erguidas em sua maioria por franciscanos no século 19. 

Em 2000, 16 delas foram declaradas patrimônio da humanidade pela Unesco. Elas formam a chamada escola chilota de arquitetura religiosa. 

Uma das representantes é a igreja São Francisco de Castro, que fica no centro da capital, na Plaza de Armas. O prédio, de 1912, tem estilo neogótico.

“Há algo em comum nessas edificações. Os carpinteiros que trabalharam nas obras provavelmente eram os mesmos que faziam barcos, porque o teto delas parece uma embarcação ao contrário”, afirma Felipe.

A madeira está em todo lugar, do teto ao piso, nos altares e nas colunas das igrejas. Em alguns casos, o material ganha uma pintura que imita mármore, como na igreja Nossa Senhora do Rosário de Chelín, de 1888, inspirada no estilo neoclássico.

“É a arquitetura europeia adaptada à realidade chilota”, afirma Tali Santibáñez, fotógrafa e ilustradora de Santiago que vive em Chiloé há 15 anos.

Tali é uma das autoras do livro “El Jardín de las Iglesias”, com fotos de mais de 40 igrejas tiradas em expedições de caiaque entre os anos 1998 e 2000. “Tentamos reproduzir o ponto de vista dos jesuítas quando eles percorriam as ilhas em suas missões circulantes no século 18”, diz.

O nome do livro também é uma referência à época: os jesuítas chamavam Chiloé de jardim das igrejas. 

Hoje, o apelido faz ainda mais sentido. Além das construções, as ilhas estão cheias de um arbusto florido e espinhoso, o espinillo, considerado uma praga para os chilotes e um atrativo para visitantes.

Quanto às igrejas, nem todas estão bem conservadas. Em algumas delas, as tejuelas, peças de madeira trabalhada usadas para recobrir fachadas, foram substituídas por outros materiais, como latão.

“Muitas não são patrimônio e estão se deteriorando. Tem igreja em ilha com cem pessoas, em lugares aos quais quase ninguém vai”, diz a fotógrafa.

Depois de fazer o livro, Tali se deu conta de que muitas casas do arquipélago estão na mesma situação. Isso gerou uma segunda obra, “Casas en Peligro de Extinción”. Entre as imagens há fotos das palafitas coloridas que se tornaram um símbolo de Chiloé.

Em Castro, a partir do mirante Gamboa, às margens do rio de mesmo nome, é possível observar um conjunto de casinhas suspensas. Esse tipo de construção de madeira surgiu após a chegada de uma linha férrea à cidade, em 1912.

“Quem tinha uma palafita estava em posição privilegiada. Podia receber mercadorias e comercializar. Toda casa tinha um mercadinho. Por isso, a fachada sempre tem duas portas”, diz Tali.

No fim, ela acabou comprando uma palafita de cem anos, restaurou o imóvel com novas tejuelas e o transformou num hotel, o Sizigia (sizigia.cl), às margens do rio la Chacra, onde as marés chegam a subir oito metros. Uma diária para duas pessoas em quarto duplo custa a partir de 110 mil pesos chilenos (R$ 641).

Quase todos os passeios de Chiloé incluem igrejas e palafitas. Muitos deles são feitos de barco, de uma ilha a outra.

A geografia do arquipélago favorece a prática do ecoturismo. Hotéis e agências locais oferecem caminhadas, passeios de bicicleta, de cavalo e de caiaque pela região.

Um dos roteiros comuns é ir a Chepu, povoado que fica às margens do Pacífico, no norte da Ilha Grande, a uma hora e vinte de carro de Castro. 

“Chepu quer dizer lugar de encontro. É onde a água se encontra com a terra, e o vento se encontra com as árvores”, diz Alfonso Vergara Riquelme, que trabalha com turismo no local desde os anos 1970. 

Sua casa funciona como uma pequena agência, de onde partem passeios de barco pelos rios Chepu e Puntra.

A embarcação leva os visitantes ao bosque hundido (afundado, em espanhol), trecho de mata submerso após um terremoto, em 1960, de 9,5 graus na escala Richter.

Algumas fotos depois, o grupo segue até o encontro do rio Chepu com o Pacífico, onde os turistas desembarcam e atravessam um lamaçal para chegar às praias. Em vez de banhistas e guarda-sóis, em uma delas há um barco abandonado; em outra, vacas e um píer.

A embarcação foi deixada na praia Guabil por filipinos nos anos 1980, segundo moradores. Já o píer é o Muelle de la Luz, uma estrutura de madeira que avança sobre o mar e serve mais como um mirante, a partir de onde seria possível ver as luzes de um barco fantasma, segundo uma lenda.

O passeio oferecido por Alfonso custa 50 mil pesos chilenos (R$ 291) para grupos com até 24 pessoas. Informações: turismoruralloslagos.cl/lugar-de-encuentro-chepu.

A excursão a Chepu é uma das 18 oferecidas pelo hotel Tierra (tierrahotels.com/chiloe). A diária em sistema all-inclusive, com todas as refeições, inclui um passeio. O pacote com duas diárias custa a partir de US$ 1.500 (R$ 6.120) por pessoa, do meio de setembro ao fim de outubro.

De maio a setembro, o local fica fechado. Nessa época, chove muito. A alta temporada vai de novembro a março, quando as temperaturas e os preços sobem. No Tierra, a diária em apartamento duplo nesse período custa a partir de US$ 1.650 (R$ 6.732).

MITOLOGIA CHILOTE DIVIDE ESPAÇO COM FEITICEIROS DO PASSADO 

O arquipélago está cercado de lendas. Segundo a mitologia chilota, as águas da região abrigam um barco fantasma que transporta marinheiros mortos, o Caleuche, e uma sereia sem cauda, a Pincoya.

“É uma Vênus chilota”, diz a fotógrafa e ilustradora Tali Santibañez, que tem dois livros, batizados de “Seremitos”, em que reúne lendas ilustradas por crianças.

Dizem que a aparição de Pincoya em uma praia é anúncio de peixes e mariscos em abundância no local.
Se ela não der as caras, o visitante encontra uma estátua da musa chilota na Plaza de Armas, centro de Ancud, cidade com cerca de 39 mil habitantes no norte da Ilha Grande.

“Já andei por todo o Chile e, para mim, Chiloé é um dos lugares que mais preservam seus mitos. As pessoas realmente acreditam nas histórias, dizem ter visto tudo com os próprios olhos”, afirma Tali.

Um dos seres fantásticos que mais assusta os chilotes é o trauco, um homenzinho superforte que vive nas matas. Ele seria capaz de encantar mulheres e até quebrar ossos de um homem só com o olhar.

Algumas dessas lendas foram trazidas pelos europeus, mas boa parte vem dos indígenas huilliches, que até hoje habitam as ilhas, segundo o historiador Felipe Montiel Vera.

Mas nem tudo é lenda em Chiloé. Existem histórias reais de bruxaria no arquipélago.

Em 1880, o governo processou a sociedade de feiticeiros conhecida como Recta Provincia, popularmente chamada de La Mayoría. Seus membros foram acusados de matar pessoas por envenenamento.

A convenção dos bruxos teve grande influência sobre os moradores da região no século 19, e sua organização imitava a do Estado chileno, com governante e conselheiros.

“Eles dividiram a ilha em setores e mudaram os nomes dos lugares. Hoje, muitos dizem que esse sistema era uma forma de resistência da comunidade, para preservar suas crenças”, conta Felipe.

Depois do julgamento, a organização de feiticeiros perdeu força. Hoje, o local onde a Mayoría se encontrava, a Cueva de Quicaví, uma caverna na região de Quemchi (a uma hora de carro de Castro), virou ponto turístico. 

A empresa de turismo Recta Provincia oferece passeios guiados de 40 minutos, com relatos de fatos históricos e místicos (3.000 pesos chilenos por pessoa ou R$ 17). Informações: facebook.com/cuevadequicavi.


PACOTES

US$ 669 (R$ 2.729)
3 noites no Atacama, na Abreu (abreutur.com.br
Pacote com saídas entre 1° de junho e 15 de dezembro. Hospedagem em quarto duplo, com café da manhã. Inclui passeios e traslados. Sem passagem aérea

R$ 3.186
5 noites em Santiago, na CVC (cvc.com.br)
Hospedagem em quarto duplo, com café da manhã. Inclui passagem aérea a partir de São Paulo e traslados

R$ 3.506
6 noites no Atacama, na Submarino Viagens (submarinoviagens.com.br)
Pacote com saída em 26 de setembro. Inclui hospedagem em quarto duplo, sem regime de alimentação. Inclui aéreo a partir de São Paulo

R$ 4.916 
8 noites em Santiago, na Azul Viagens (azulviagens.com.br)
Hospedagem em quarto duplo, sem refeições e sem passeios. Inclui passagem aérea a partir de Campinas (SP)

US$ 2.150 (R$ 8.772) 
3 noites no arquipélago de Chiloé, na Freeway (freeway.tur.br)  
Hospedagem em quarto duplo, com pensão completa. Inclui passeios, traslados e seguro-viagem. 
Sem passagem aérea

US$ 2.550 (R$ 10,4 mil)
4 noites no Atacama, no Tierra Hotels (tierrahotels.com)
Pacote com saídas diárias. Hospedagem em quarto duplo no sistema all-inclusive. Inclui passeios e traslados. Sem passagem aérea

US$ 2.950 (R$ 12 mil)
5 noites em Santiago e no arquipélago de Chiloé, na Interpoint (interpoint.com.br)
Duas noites na capital chilena e três no conjunto de ilhas. Hospedagem em quarto duplo, com todas as refeições em Chiloé. Inclui passeios com guia e traslados. Sem passagem aérea

US$ 5.704 (R$ 23,2 mil)
5 noites em Santigo e no Atacama, na Maringa Lazer (maringalazer.com.br
Três noites na capital e duas no deserto, com saída em 6 de setembro. Inclui café da manhã, excursões, traslados, seguro-viagem e passagem aérea a partir de São Paulo


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